terça-feira, 26 de janeiro de 2021

SOFRENDO E APRENDENDO - Heraldo Lins

 


SOFRENDO E APRENDENDO   

 

 

O dedo inchado deixa-me um pouco sem mobilização. Somos, também, ossos passíveis de fraturas. Eles servem para doer. E dói muito quando há no meio do caminho uma bola mal intencionada. Foi o meu caso. A bola vingou-se batendo de encontro com o meu dedo mindinho. Não escolheu o mais forte. Foi o mindinho mesmo. Sabedora de que o mindinho não aguentaria o impacto, descontou as mãozadas, e veio para cima. Deixou-o envergado de imediato. A dor gritou em seguida: arra! Filha de uma bola! Os outros dedos correram em seu socorro. Abraçaram a vítima, e as pernas, mesmo distante do acidente, em demonstração de plena solidariedade, pulavam na areia da quadra de vôlei. A boca se contorcia no fervor da dor. O que pude ver é que os olhos foram insensíveis. Nem choraram. Épocas passadas eles eram os primeiros que se manifestavam jogando água para aguar o rosto. Agora nem bateram a passarinha.

 

Nunca pensei que fosse tão complicado cuidar de um mindinho. É sim. Cinco a seis meses de fisioterapia. Compressa quente pela manhã e fria quando for se deitar. Digo se deitar porque dormir nem pensar. A dor não deixa. Avisto, da minha cama, a bola no seu canto rindo da minha desgraça. Estou só esperando sarar para chutá-la até estourá-la. No dia seguinte continuo com as compressas além das massagens, ultra-som e luz infravermelha. Isso sem contar um mês e meio com ele imobilizado. É muita tecnologia envolvida para que eu volte a escrever as letras Q A Z no teclado. Não sei de outra utilidade que o dedo mindinho tenha. Se fosse o indicador eu saberia que é apontar, principalmente, o defeito dos outros. O dedo médio eu sempre uso para desaforo, mas o mindinho... bom... ele está em recuperação. Incha que parece um polegar. Acredito que o dedo mindinho sempre teve inveja do polegar. Não tem cabimento ele estar se parecendo tanto. Há com certeza um desejo enrustido. Querer ser polegar. Depois desse acidente vou fazer uma história, imitando a história do pequeno polegar, será o grandioso mindinho.

 

O dedo mindinho da mão direita está doido também para ser acidentado. Eu noto. Fica coçando querendo ser o da mão esquerda. Pura inveja, porque o seu semelhante está sendo, ultimamente, a estrela da TV mão. Esta semana uma pessoa me pediu uma informação, e quando apontei com o dedo indicador em direção ao lugar, o mindinho duro foi junto. Ficou apontando também. Aí foi que descobri que ele queria ser na verdade o dedo indicador. É tanto que, para não o frustrar, quando preciso apontar algo, utilizo-o como instrumento. Aliás dei férias ao dedo médio, e se precisar estirar o dedo, apresento o mindinho duro. Ele sente-se realizado. Nunca foi tão prestigiado. Lavo a lente de contato com ele, experimento doce de leite, ainda quente na panela, com ele, inclusive, utilizo-o nos momentos íntimos com as periguetes. Elas adoram sua espessura avantajada. Depois que passei a utilizá-lo nessas farras percebi que ele está melhorando. Acho que era falta de atenção. Indicaram-me sebo de carneiro capado para que ele voltasse às suas atividades normais, mas parece que vou ficar utilizando esse outro tipo de sebo.  



 

Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Santa Cruz/RN, 09/01/2021 – 11:05

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3 comentários:

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