METICULOSAMENTE
METICULOSO
Estou fazendo o teste para saber quanto tempo gasto
para preencher este espaço aqui. No momento nenhuma ideia tenho do que irá ser
escrito. Não posso dizer que é a partir do nada porque tenho experiência há
mais trinta anos preenchendo espaços vazios. Antes de nascer já fazia isso. O
útero estava vazio. Lá fui eu preenchê-lo. Preenchi o silêncio do hospital com
meu choro. Era ótimo quando o exigido era apenas choro. O grau de dificuldade
foi aumentando. Preencha esses pontinhos, dizia a professora de caligrafia. Eu
me empolgava. Achava tudo uma brincadeira. Você precisa preencher o próximo ano
com sua presença, para isso tem que aprender a ler. Lá estava eu a decorar
letras, juntar sílabas, formar palavras... para ser reprovado. Não aprendi a
preencher, na primeira tentativa, o segundo ano. Fazia questão de não aprender
para ser contra a professora sem-noção. Pode?
Desde pequeno... rebelde... Se eu aprender ela vai ser laureada. Não
aprendo! Dizia comigo.
A autoestima forçou-me a mudar de ideia. Meus amigos
preenchendo o ano seguinte, e eu no vazio da turma nova. Chutaram-me para a
frente. A fila anda! Nesse tempo ainda não havia esse chavão, mas a fila andava
assim mesmo. Desorientado, bagunçava as aulas. Apenas na aula de arte ficava
quieto. Nas demais, preenchia o lugar de castigo na diretoria. Ficava sentado
olhando a diretora trabalhar. Não havia nenhum mal nisso. O ruim era ver os
outros no recreio brincando. Aqui e acolá um(a), de longe, olhava em minha
direção e balançava a mão para cima e para baixo. Uma forma de simbolizar a
surra moral. Ficou de castigo! Ficou de castigo! Não podia nem revidar senão piorava
a situação.
Não existia orientação pedagógica. Aprenda ou desista.
Ame-o ou deixe-o. Pra frente Brasil, salve a seleção! Nem sabia que muitos
estavam de castigo sendo torturados no Doi-codi. Tivesse nascido quinze anos
antes, era lá que eu estaria. Ninguém sabia disso. Só divulgavam o sucesso da
transamazônica sendo aberta. Quando eu crescer, vou trabalhar lá. Motorista de
caminhão. Caminhão naquela época era luxo. Motorista tinha o mesmo status de atual
presidente de multinacional. Cresci... nem uma coisa nem outra. Fico agora
contando em quanto tempo preencho uma tela de computador criando estórias. A
propósito, esta levou três semanas.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Natal/RN, 24/12/2020
16:58
Muito boa, Heraldo. - Gilberto Cardoso dos Santos
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