SINTA AZUL - Conto de Valdenides Cabral

 

SINTA AZUL

Valdenides Cabral

A avó materna de Nena nunca foi dada aos afetos. Ostentava um nome forte; aliás, nela, tudo era forte, inclusive o mau humor. Dona Augusta era flor que não se cheirava, para a família.

Tinha por volta de 10 anos, quando presenciei nela, um gesto de ternura.

Sua irmã mais velha se vestia de noiva para o casamento. Vó Augusta surgiu com um pequeno embrulho nas mãos. É uma recordação de sua avó, para andar cheirosa.

Não deu um abraço, não verteu uma lágrima de emoção por estar casando a neta mais velha. A irmã se apressou em agradecimento e abriu o presente. Era um talco de marca "Cinta azul", que ela tratou de colocar na penteadeira.

Todos saíram a caminho da igreja. Em casa, cuidando dos irmãos mais novos, enquanto estavam no casamento, o pensamento no talco, o desejo de sentir o cheiro. Como pode alguém tão insensível gostar de um perfume suave?

Já adulta, a mãe anunciou que iam cuidar da avó, debilitada, com noventa e seis anos. Banho, comida, tudo faziam por ela, em revezamento com a outra irmã e tias, em horários de folga do trabalho.

Começou a desenvolver pela avó um sentimento esquisito. Ao pentear seus cabelos, sentia o cheiro do talco e revolvia os pensamentos em busca daquela figura austera, que nunca acarinhou um neto. Não existia mais. Papel invertido, se queria algo, só chamava pelo nome da neta.

Numa madrugada de segunda-feira, segurou na mão da avó uma vela de chama azulada, fechou seus olhos e a vestiu com mortalha azul celeste. Não acompanhou o cortejo fúnebre. De longe, ficou pensando nas palavras do padre, no amor que nasce dos pequenos gestos, nos cheiros que ficam para sempre atando lembranças. E hoje, basta ver um talco, qualquer que seja, lembra a avó e sente um cheiro, um Céu azul, azul.