terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

SESSENTA ANOS DE DINAMÉRICO - Gilberto Cardoso dos Santos


SESSENTA ANOS DE DINAMÉRICO

Gratas são as lembranças que tenho do escritor cuiteense Dinamérico Soares,  poeta de estilos variados, cronista, dramaturgo, compositor, pensador e contador de causos:

Quando adolescente, com ele convivi e muito pude aprender neste convívio; tive a oportunidade de assistir sua bem-humorada peça  O último chanceler, na qual atuou também como ator principal (inesquecível a reação da plateia diante daquele cujas tiradas de humor sofisticado nem sempre eram bem entendidas); o último livro que publicou, foi dedicado a mim e a outros amigos seus, também sortudos; como se isso tudo não fosse o suficiente, tornei-me objeto de suas reflexões em uma de suas crônicas, intitulada O adolescente Gilberto, hoje constante em obra acadêmica escrita pelo professor Charliton Machado.

Havia, entre nós, seis anos de diferença. Adulto e bem mais experiente na vida que eu, mostrava-se dotado de uma inteligência acima do normal. Além  de poeta, era um humorista nato. Conversar com ele era sempre bom.

Alguns  conterrâneos não conseguem separar a pessoa dele do consumo de álcool e de outros entorpecentes, nem da aparente visão pessimista da vida que resultou em sua morte. Fazem a associação em tom de escárnio, possivelmente tentando diminuir sua importância histórica para o Curimataú. Todavia, nisso ele não foi diferente de outros bons escritores. Ernest Hemingway, por exemplo, dizia: "Um homem só existe realmente quando fica completamente embriagado. Gostaria de ver todos os homens bêbados. Adoro me embriagar. É uma das melhores sensações na vida." 

Seria justo, perguntemo-nos, desprezar ou diminuir a genial produção de Hemingway por causa de sua vida particular? Antes, como bons leitores, não deveríamos saber fazer a imprescindível separação entre eu poético ou lírico e autor?

Edgar Alan Poe, profundamente viciado em álcool e ópio teve, no fim de seus dias, sintomas bem parecidos com os de Dinamérico e também tentou o suicídio.  Diminuiremos sua importância histórica e deixaremos de ler O corvo, O gato preto e outros tantos maravilhosos textos seus por causa de supostos deslizes pessoais? Claro que não.

À semelhança de Nietzsche, por razões bem particulares, sempre fui refratário ao álcool; mas isso não me impedia de ir, sempre que possível ao bar de Zé Soares onde ele atendia e, ao pé do balcão, aproveitávamos os intervalos entre a vinda de um freguês e outro para aprofundarmos nossos conhecimentos literários e embriagávamo-nos de poesia. Eram instantes de ócio criativo bastante proveitosos!

Diferente e profundo era o olhar que Dinamérico lançava sobre tudo que via ou que lhe estava oculto. Assim, podia ver no nome de um comprimido o que o olhar desatento jamais captaria:

"Um dia,
           Zé...
               pam!".

Infelizmente, como aconteceu com Poe tomado pelo delirium tremens, seus privilegiados olhos começaram a ver bem mais do que deveriam...

Quanto perdemos com a precoce morte de Edgar Alan Poe, também aos 40 anos. Quantos contos e poemas maravilhosos deixou de escrever!

Ficamos a imaginar como estaria Dinamérico em 2018, do alto de seus sessenta anos. Provavelmente teria uma página bem sucedida nas redes sociais, onde encontraria centenas e/ou milhares de amigos e admiradores. Cuité não teria ainda uma pista de skate com o seu nome, mas o veríamos em pessoa a andar pela cidade, tão diferente daquela que conheceu na infância e a falar-nos com sabedoria.  Quem sabe quantos livros teria ainda a publicar e quanta música boa teria feito em parceria com Amazan e outros? Talvez ocupasse cadeira em alguma academia e até prêmios já tivesse recebido. Muito teríamos a ver através de sua percepção amadurecida, aperfeiçoada pelo tempo. Provavelmente, nos deleitaríamos com seus mordazes e inteligentes comentários acerca da tão espantosa conjuntura política atual. Seria, sem dúvida, uma voz necessária em nossos dias! 

Gostaria muito que ele me concedesse mais um privilégio, o de poder caminhar com ele hoje, a fim de recordarmos os sonhos que sonhamos juntos, alguns dos quais viraram realidade. Como isso não será possível, convido a você, querido leitor, para que, juntos, passeemos com Dinamérico através de seus escritos, onde ele jamais envelhecerá ou morrerá.


Gilberto Cardoso dos Santos, natural de Cuité/PB, cidadão santacruzense.
Educador, poeta, dramaturgo e cronista.
Mestre em Literatura e ensino pela UFRN.
Membro da ANLiC (Academia Norte-rio-grandense de Literatura de Cordel)

e fundador da APOESC

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