SESSENTA
ANOS DE DINAMÉRICO
Gratas são as lembranças que tenho do escritor cuiteense Dinamérico Soares, poeta de estilos variados, cronista, dramaturgo, compositor, pensador e contador de causos:
Quando adolescente, com ele convivi e muito pude
aprender neste convívio; tive a oportunidade de assistir sua bem-humorada peça O último chanceler, na qual atuou também como
ator principal (inesquecível a reação da plateia diante daquele cujas tiradas de humor sofisticado nem sempre eram bem entendidas); o último livro que publicou, foi dedicado a mim
e a outros amigos seus, também sortudos; como se isso tudo não fosse o
suficiente, tornei-me objeto de suas reflexões em uma de suas crônicas,
intitulada O adolescente Gilberto, hoje constante em obra acadêmica escrita pelo professor Charliton Machado.
Havia, entre nós, seis anos de diferença. Adulto e
bem mais experiente na vida que eu, mostrava-se dotado de uma inteligência acima do normal. Além de poeta, era um humorista nato. Conversar com ele era sempre bom.
Alguns conterrâneos não
conseguem separar a pessoa dele do consumo de álcool e de outros entorpecentes,
nem da aparente visão pessimista da vida que resultou em sua morte. Fazem a
associação em tom de escárnio, possivelmente tentando diminuir sua importância
histórica para o Curimataú. Todavia, nisso ele não foi diferente de outros bons
escritores. Ernest Hemingway, por exemplo, dizia: "Um homem só existe
realmente quando fica completamente embriagado. Gostaria de ver todos os homens
bêbados. Adoro me embriagar. É uma das melhores sensações na vida."
Seria justo, perguntemo-nos,
desprezar ou diminuir a genial produção de Hemingway por causa de sua vida
particular? Antes, como bons leitores, não deveríamos saber fazer a
imprescindível separação entre eu poético ou lírico e autor?
Edgar Alan Poe, profundamente viciado
em álcool e ópio teve, no fim de seus dias, sintomas bem parecidos com os de
Dinamérico e também tentou o suicídio. Diminuiremos sua importância histórica e
deixaremos de ler O corvo, O gato preto e outros tantos maravilhosos textos
seus por causa de supostos deslizes pessoais? Claro que não.
À semelhança de Nietzsche, por razões
bem particulares, sempre fui refratário ao álcool; mas isso não me impedia de
ir, sempre que possível ao bar de Zé Soares onde ele atendia e, ao pé do
balcão, aproveitávamos os intervalos entre a vinda de um freguês e outro para aprofundarmos
nossos conhecimentos literários e embriagávamo-nos de poesia. Eram instantes de
ócio criativo bastante proveitosos!
Diferente e profundo era o olhar que
Dinamérico lançava sobre tudo que via ou que lhe estava oculto. Assim, podia
ver no nome de um comprimido o que o olhar desatento jamais captaria:
"Um dia,
Zé...
pam!".
Infelizmente, como aconteceu com Poe tomado pelo delirium tremens, seus
privilegiados olhos começaram a ver bem mais do que deveriam...
Quanto perdemos com a precoce morte
de Edgar Alan Poe, também aos 40 anos. Quantos contos e poemas maravilhosos deixou
de escrever!
Ficamos a imaginar como estaria Dinamérico
em 2018, do alto de seus sessenta anos. Provavelmente teria uma página bem sucedida nas redes sociais, onde encontraria centenas e/ou milhares de amigos e
admiradores. Cuité não teria ainda uma pista de skate com o seu nome, mas o veríamos em pessoa a andar pela cidade, tão diferente daquela que conheceu na infância e a falar-nos com sabedoria. Quem sabe quantos livros teria ainda a publicar e quanta música boa teria
feito em parceria com Amazan e outros? Talvez ocupasse cadeira em alguma
academia e até prêmios já tivesse recebido. Muito teríamos a ver através de sua
percepção amadurecida, aperfeiçoada pelo tempo. Provavelmente, nos deleitaríamos
com seus mordazes e inteligentes comentários acerca da tão espantosa conjuntura
política atual. Seria, sem dúvida, uma voz necessária em nossos dias!
Gostaria muito que ele me concedesse
mais um privilégio, o de poder caminhar com ele hoje, a fim de recordarmos os
sonhos que sonhamos juntos, alguns dos quais viraram realidade. Como isso não
será possível, convido a você, querido leitor, para que, juntos, passeemos com
Dinamérico através de seus escritos, onde ele jamais envelhecerá ou morrerá.
Gilberto Cardoso dos Santos, natural
de Cuité/PB, cidadão santacruzense.
Educador, poeta, dramaturgo e
cronista.
Mestre em Literatura e ensino pela
UFRN.
Membro da ANLiC (Academia
Norte-rio-grandense de Literatura de Cordel)
e fundador da APOESC
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