sábado, 22 de dezembro de 2018

O BOM E O MAU USO DA HIPNOSE – Bate-papo com Dr. Ramilton Marinho, educador e hipnólogo



O BOM E O MAU USO DA HIPNOSE – Bate-papo com Dr. Ramilton Marinho, educador e hipnólogo
 Entrevistador: Gilberto Cardoso dos Santos

01- Caro Ramilton, acho bom começarmos esta conversa tendo uma visão geral de sua pessoa, para benefício dos muitos que ainda não o conhecem bem.

Nasci em 12 de setembro de 1962. Morei em Nova Floresta e Cuité. Aos 13 anos sai pra estudar fora, morei em João Pessoa e Campina Grande. Voltei pra Cuité 30 anos depois para ajudar a instalar um campus avançado da UFCG na minha cidade. Foi com muita alegria que voltei e durante 13 anos dediquei-me à instalação e consolidação do campus, sendo vice-diretor por três anos e diretor por oito anos.
Tenho cinco filhos: Iuri Ravi, Ianna Radha, Yuan, Klara Liz e Hanah; e quatro netos: Matheus, Lara, José Ramilton e Melina, que nasceu essa semana.
Fiz graduação em Ciências Sociais ( Bacharelado e Licenciatura ), Mestrado em Sociologia Rural e Doutorado em Sociologia Politica. Especialização em Hipnose Clínica.
Campos de interesse: Sociologia e Antropologia política, psicanálise, subjetividade, sociabilidade, hipnose, PNL, Neurolinguística e a ficção - sempre.

Áreas de atuação social:

Sou atualmente professor titular da Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Educação de Saúde. Ingressei como professor da UFPB em 1990. Nesses 28 anos fui professor em João Pessoa, Campina Grande e Cuité.

Obras publicadas:
           
Alguns capítulos, textos e livros publicados:
Alguns capítulos, textos e livros publicados:



O Capa Verde: transformações econômicas e representações ideológicas dos trabalhadores do sisal – in Brasil: Norte e Nordeste, Estudos em Ciências Sociais. ANPOCS/ INTERAMERICAN FOUDATION, Rio de Janeiro, 1991.
Teias Invisíveis de Pegar Fantasmas ( os mecanismos ideológicos implícitos no comportamento eleitoral )in: Debates Regionais, N º 1, NIDHR/UFPB, João Pessoa, 2º Semestre de 1993.
A Incrível Estória da Mulher que Vira Peixe – in: Autores Campinenses 97 – Edições Caravelas / Núcleo Cultural Português, Campina Grande 1997.
Madalena e o Dia do Passado – in: Autores Campinenses 98 – Edições Caravelas / Núcleo Cultural Português, Campina Grande 1998.
Há um Santo no Telhado – Sem uma Razão Escolástica /Barco Negro – Pela Razão Invisível dos Fantasmas – in: Pérgula Literária 4, Editora Valença AS, Valença, Rio de Janeiro, 1999.
Entre Deuses e Demônios, Simbolismo e Comportamento Eleitoral – in: Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa de Mercado, São Paulo, maio de 2000.
Rebuliços nos Sinais do Mundo – PB Letras, Jornal Mensal de Cultura, Edições Caravela, Núcleo Cultural Português, Ano 1, n 2,  Campina Grande, PB. Junho 2000
O Campo Político, o Marketing e os seus Arredores – in: AD em revista – Revista da ADUFPB-CG, Campina Grande, janeiro 2001.
Subjetividade e Comunicação: entre o público e o privado – in: Comunicação & Política, Ns.V. IX – Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, Rio de Janeiro,  janeiro-abril de 2002.
Nas Esquinas do Mundo: representações e identidades – in: Paraiwa – PPGS/UFPB, no. 2, ISSN 1518-9015, www.cchla.ufpb.br/paraiwa/02-costa.htm. João Pessoa, Junho 2002.
O Ouro de Zé de Santana – Babélia, Mossoró, Novembro de 2007.
Sete ( Romance )- Clube dos Autores, 566p. maio de 2011.
Ninguém Matou Baltazar ( Contos ) – 1 ed. Campina Grande. Edufcg. 110p. ISBN 978-85-8001-078-7. 2012
A Irmandade do Caos – anáguas vermelhas e minhocas solitárias (Teatro ) – 84p. Clube dos autores, junho de 2014.

Obras lidas que recomenda:

Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Marquez e A Casa dos Espíritos de Isabel Allende

Filme marcante:
A Vida de Brian, do grupo inglês, Monty Phyton

Um ou mais pensamentos significativos para você:

“Always Look at the Bright Side of Life” – música de Bruce Cocburn, tema do filme A Vida de Brian. Frase que  representa a forma como procuro ver e viver a vida.

“Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você”.  Jean-Paul Sartre. Frase que norteia o meu diálogo com os pacientes em hipnoterapia clínica.


02-  Quando, por que e como foi despertado seu interesse pela hipnose?

Fiz um curso de hipnose, em um fim de semana desocupado, no início dos anos 90, a partir daí passei a usá-la apenas para diversão, brincando com amigos e familiares. Quando fiz meu doutorado, no inicio dos anos 2000, pesquisei por quatro anos sobre os mecanismos inconscientes e as formas de sedução publicitárias, em especial na publicidade política. Queria entender as formas pelas quais o marketing político fabricava mitos, imagens e marcas capazes de produzir a adesão, a identificação e a projeção do eleitor-consumidor. 
Foi quando estudei de forma mais aprofundada a psicanálise, a psicologia projetiva, a semiótica, a mitologia e a antropologia imagética e comecei a perceber a semelhança entre a hipnose e os fenômenos modernos de comunicação de massa – fato que havia sido descrito por Freud em seu livro Psicologia das Massas e Análise do Eu, onde analisa como a massa age segundo determinadas sugestões hipnóticas e afirma que a hipnose é uma massa com duas pessoas.

03- Fale-nos de suas primeiras experiências com a hipnose e que caminhos percorreu até chegar ao respeitável nível em que hoje se encontra.

A partir do meu doutorado passei a ter uma nova compreensão da hipnose.  E para aprofundar busquei a capacitação. Fiz vários cursos, entre eles destaco o curso de hipnose com o professor doutor Antônio Carreiro, em Salvador ( onde abordava, entre outras coisas, a compreensão histórica, filosófica e sociológica da hipnose, além de aspectos do mesmerismo, toques de Charcot e hipnose não verbal ) e, no Rio de Janeiro, com Fábio Puentes e Fabrício Puentes ( abordando os aspectos práticos da hipnose clássica ).
A partir desses cursos e com a participação no Hipnopanrio e I Congreso Panamericano de Hipnose, no Rio de Janeiro, ampliei a compreensão da hipnose e das suas técnicas e tive conhecimento sobre diversos projetos sociais que utilizavam a hipnose na Europa e América Latina.
Então resolvi que eu devia ter uma especialização na área de hipnose clínica, estava prestes a deixar a direção do Centro de Educação e Saúde e precisava encontrar novos desafios.  Fiz a formação em Hipnose Clínica promovida pela Sociedade de Hipnose do Estado de Pernambuco. Uma formação com 170 horas, em Recife.


04- Alguma(s) vez(es) submeteu-se a alguma sessão de hipnose, ou sempre atuou como sujeito nessas experiências?  Se sim, quais foram os resultados?

Desde o primeiro curso em que participei descobri que tinha susceptibilidade e obtive a minha primeira experiência com regressão de memória – mas não foi lá grande coisa.  Fui desenvolvendo minha susceptibilidade hipnótica com o tempo, na prática, através de outros cursos e pela auto-hipnose.
Em um desses cursos tive a experiência com o uso da ayahuasca. Isso não só potencializou a minha susceptibilidade, mas também possibilitou um mergulho profundo no inconsciente, dando novos sentidos e significados a vida, a morte e ao meu lugar no universo.  Eu que achava que nada disso mais aconteceria, principalmente quando a gente passa dos 50.


05-   Todos são hipnotizáveis em algum nível, não é verdade?  Por que, porém, nem todos chegam ao ponto desejado pelo profissional em uma sessão propriamente dita?

A hipnose é uma alteração da consciência e, assim sendo, é um fenômeno frequente na nossa vida. Por exemplo, quando assistimos a um bom filme, a nossa consciência se altera e a nossa realidade interior subjetiva, baseada nas nossas experiências passadas, é nele projetada, podendo ocorrer alteração cardíacas, sudorese nas mãos, redução do ritmo respiratório, diminuição do senso crítico, podemos rir ou chorar. Estamos hipnotizados.
O mesmo ocorre, às vezes, ao ouvir uma música, ao sentir um perfume e até mesmo enquanto dirigimos e de repente percebemos que não estávamos dando conta da estrada e a direção estava entregue ao nível subconsciente.

06- Qual o percentual de pessoas objetivamente hipnotizáveis? Quais as características de tais indivíduos?

Assim, praticamente todas as pessoas são hipnotizáveis; com graus de suscetibilidade maiores ou menores.  Depende muito também do método utilizado para alcançar o transe, pois cada um pode responder melhor a um tipo e não ao outro. 
É importante lembrar que o transe hipnótico é um processo neurofisiológico. Através do relaxamento se produz uma diminuição do rimo cerebral, deixando-o entre 6.5 a 8.5 hertz. Nesse estado determinadas áreas do cérebro são irrigadas, baixando o nível de atividade e controle do cérebro pré-frontal ( onde estão os nossos princípios morais, nossas escolhas conscientes, nosso controle, nosso raciocínio lógico e as suas formas de indução e dedução ) e, ao mesmo tempo,  ativa-se o sistema límbico, onde estão as nossas emoções, traumas, etc. Em outas palavras, o controle da mente consciente é diminuído, deixando fluir a mente subconsciente com mais liberdade.
A partir daí a realidade interna da pessoa passa a predominar e o pensamento indutivo fica desativado, possibilitando sugestionar na pessoa fenômenos como: ideomotores (alterando respostas do sistema motor, fazendo sentir colas nas mãos, ficar presa na cadeira, catalepsia do corpo, etc); fenômenos ideosensores (alterando o sistema sensorial,  produzindo anestesia, fazendo sentir calor, frio, cócega); fenômenos ideoemocionais ( produzindo respostas emocionais, como sentir-se calmo, feliz, triste ) e fenômenos ideocognitivos (alterando respostas de processos mentais, como amnesia e alucinações).
No entanto, alguns desses fenômenos, principalmente aqueles ideocognitivos, geralmente se verificam num transe mais profundo ou sonambúlico, que só ocorre em 10% a 15% da população.


07- Faça-nos um relato da história da hipnose. Quando e como o ser humano tomou consciência dela? Onde foi primeiramente utilizada? Por quem e quando seu estudo foi primeiramente sistematizado?

A alteração da consciência é muito antiga; pesquisas recentes sugerem que muitas inscrições rupestres foram desenhadas sob a influência de plantas psicoativas. A doutrina magnética, mãe da hipnose, provem das tradições babilônicas, dos Templos dos Sonhos e das Sacerdotisas de Isis, no Egito; da mitologia, dos Templos de Sofrosine e da filosofia grega, origina-se das experiências magnéticas de Tales de Mileto; vem também dos saberes herméticos dos alquimistas medievais, desde Avicena até Paracelso.; vem também dos saberes herméticos dos alquimistas medievais, desde Avicena até Paracelso.
Todavia, só a partir de meados do século XVIII, com Franz Anton Mesmer (1734-1815), médico, astrônomo e filósofo alemão, buscou-se fundir todo esse conhecimento passado com um saber pretensamente científico, muito característico daquela época, prenhe de revoluções e influenciada pelo Iluminismo. Através de rituais magníficos no seu castelo em Paris, Mesmer promoveu tumultuadas sessões de transe coletivo nas quais, sob efeitos cartáticos, pessoas dos mais diferentes lugares sociais, julgavam-se curadas das mais diversas enfermidades do corpo e da alma. Entre os seus clientes famosos estavam Maria Antonieta (esposa do Rei Luis XVI) e o filósofo Montesquieu. Mesmer foi homenageado por Mozart, em sua ópera Così fan tutte e projetou a sua influência sobre Hippolyte L D Rivail, criador do Espiritismo, com o nome de Allan Kardec.
Depois dele, o processo foi sendo aprimorado. James Esdaille (1808-1859), médico escocês, descobriu o poder da anestesia magnética e com ela realizou prodígios com cirurgias sem dor, inclusive diversas amputações.
O Abade Faria (1756-1819)  foi um  religioso português e revolucionário nos tempos conturbados da França que buscou dar um status mais científico ao magnetismo, criando a doutrina da sugestão – mostrando que a hipnose não tinha nada de místico.
James Braid (1795-1860) era um médico escocês que também buscou estabelecer as causas físicas desse fenômeno psíquico, produzindo transe através de toques físicos, cheiros, cores e luzes, inaugurando a Escola Sensorial. Foi ele quem trocou o nome de magnetismo por  hipnose.
Henri Bernheim (1837-1919) foi o médico francês que fundou a Escola Mental na hipnose, definindo os efeitos pós-hipnóticos como elemento provocador de ações inconscientes e compulsivas. Teve Freud como aluno e discípulo.
Jean-Maartan Charcot (1825-1893) foi outro médico francês, que influenciado pelo Positivismo, buscou utilizar a hipnose como método anátomo-clínico, baseado na excitação sensorial, ele a entendida como um fenômeno objetivo, racional. Também recebeu Freud em Paris.  E também foi médico de Dom Pedro II.
A hipnose, portanto, está no berço da psicanálise. Existem textos fantásticos de Freud sobre o tema, alguns recentemente reunidos em livro, mas ainda sem tradução para o português.

08- Há quem veja todas as experiências de regressão a vidas anteriores como fantasiosas. Elas implicariam numa visão dogmática sobre reencarnação. Além disso,  é comum o paciente sempre ter sido alguém importante em outra existência. Não há um elemento de crença nos relatos de Marquês du Puységur e na experiência  citada por seu professor, que resultou na obtenção da certidão de óbito? Você concilia seu ceticismo com a crença na reencarnação ou tem outra explicação?

Quanto à regressão, realmente é impressionante. Mas varia muito a forma e maneira de acontecer
Na maior parte dos casos, ocorrem apenas associações de memória, tal como Freud faz no talk-cure e na associação de palavras; mas é muito propício para driblar a vigilância do consciente.
Em outros casos ocorrem regressões de memória, geralmente a pessoa vivencia e conta traumas que lembrava parcialmente ou havia esquecido. Tive alguns casos bem dramáticos de pessoas com depressão que sofreram abusos sexuais e tinham esquecido. É um processo bastante doloroso, mas necessário para mudar os efeitos e reprogramar uma vida melhor.
Nos pacientes de maior suscetibilidade ocorrem mudanças de voz, do jeito de falar, a postura, etc. 
Outros desses pacientes, em regressão à vida passada, narram e se expressãm de forma muito convincente e visceral - Quase nenhuma das pessoa que fiz regredir foi rainha, rei, general: eram pessoas comuns, camponeses, artistas, samurais - teve de tudo.
Não acredito em outras vidas (pelo menos até agora). Mas o que importa é que nessa viagem a outra vida é possível refletir, tratar e dialogar com traumas, dificuldades e problemas que o paciente enfrenta naquele momento da sua vida. Isso é o mais importante para o processo de ressignificação. E se o paciente acreditar em outras vida, embarco nessa viagem com ele, o importante é não contradizer as suas crenças, mas partir delas pra fazer o processo acontecer.
No entanto, tem coisas inexplicáveis. Eu me aventuro em duas respostas. Na primeira, vejo o inconsciente como um armazenamento de toda experiência, vivência, sensações e conhecimentos que você carrega desde a sua concepção - é muito poderoso, criativo, sábio - quando você o faz aflorar ele é capaz de tudo. Veja, por exemplo, no caso da esquizofrenia, a força incomum, a veracidade das visões e vozes que os pacientes apresentam.
Noutra possibilidade vejo a teoria do inconsciente coletivo de Jung. Além do inconsciente pessoal, teríamos o inconsciente coletivo, guardando a memória coletiva da espécie.  Em transe profundo, talvez fosse criado alguma espécie de "buraco de minhoca" para esta outra dimensão - mas nesse caso sempre acho que estou viajando demais.
09- Entendo que a hipnose esteja historicamente presente em todas as esferas da sociedade, geralmente não percebida como tal. Fale-nos, primeiramente, de seu uso na política.

Depois dos anos 50, o marketing apossou-se da psicanálise como técnica para vender produtos, serviços, marcas e imagens. Descobriram que melhor que convencer, utilizando a mente consciente do consumidor, seria direcionar mensagens ao inconsciente, incidindo sobre as suas carências, medos e desejos, ativando mecanismos idênticos ao da sedução.  Com Jung o marketing descobriria o inconsciente coletivo, passando a utilizar símbolos e mensagens arquetípicas na fabricação de marcas e imagens.
Na política isso passou a ser comum a partir dos anos 80 do século passado. Na minha tese de doutorado mostrei como Fernando Collor, com a sua marca de Caçador de Marajás, utilizou-se desses mecanismos, através do Mito do Herói. Naquela época, esse tipo de marketing era novo no Brasil, mas já havia sido utilizado com sucesso por Ronald Reagan nos EUA e por François Mitterand, na França.  A partir daí se popularizou. 


10- De acordo com Fábio Puentes, os líderes religiosos são os maiores hipnotizadores. Você ratifica isso?  Discorra à vontade sobre o emprego da hipnose na religião.

Todo ritual religioso utiliza-se em maior ou menor grau da alteração da consciência e da expansão da experiência subjetiva interna. Mais recentemente, vemos que muitas vertentes religiosas utilizam fortes rituais sugestivos para produzir transes individuais e coletivos. 
Em princípio isso é bom, pois pode atuar sobre manifestações psicossomáticas atendendo a uma massa da população sem escolaridade, sem acesso à terapia e a outras formas de práticas complementares de saúde. Porém, comumente, não o fazem como uma prática libertadora, mas como um meio descarado de manipulação, dominação e exploração. Deturpam, enganam e atribuem a si poderes inexistentes.

11- Qual sua percepção pessoal da mente humana – positiva ou negativa – à luz da hipnologia? Por que a mente humana se revela tão influenciável?

Em três anos de atividades em hipnose clínica tenho testemunhado o incrível potencial da mente humana, um potencial que pode resvalar e revelar-se tanto de forma positiva quanto negativa na nossa vida.
Isso ocorre porque processos inconscientes afetam o nosso comportamento e a nossa experiência atual, mesmo sem a percepção dessa influência. Muitos desses processos originam-se na infância, permitindo muitas vezes o surgimento de crenças limitantes que passam a habitar no interior da nossa subjetividade. E essa realidade interna é tão mais forte que a realidade externa que acaba exercendo um forte poder sobre ela.
Por exemplo, fobias e transtornos de ansiedade são processos inconscientes que afetam o comportamento e experiências, com sintomatologias (física ou emocional) mesmo que o sujeito não tenha a percepção dessa influência. Ou seja, toda situação vivida no presente é parcialmente determinada e vivida (fisiológica, psicológica e emocionalmente) por experiências do passado, sob o influência de representações internas.
Nesse sentido, a hipnose pode ser uma técnica importante para auxiliar na ressignificação dessas crenças, na remoção de bloqueios emocionais e na substituição de sugestões negativas por sugestões positivas.
Diferentemente das terapias convencionais, a hipnose atua mais através do sistema límbico, no interior de processos inconscientes, com o paciente em estado de relaxamento profundo e transe. Isso potencializa e acelera os seus resultados. Mas a hipnose em si é apenas uma ferramenta, não é uma terapia. O ideal é que possa ser usada consorciada com algum tipo de terapia convencional.

12- Que elementos são essenciais para que uma boa sessão hipnótica seja plenamente satisfatória?

Do lado do hipnotista, deve haver o conhecimento das diversas técnicas e possibilidades, que vão da hipnose convencional, à hipnose Ericksoniana, à Programação Neurolinguística e até ao mesmerismo e à hipnose não verbal.
Do lado do paciente, deve haver vontade e empenho em participar daquela experiência ou querer resolver um problema ou melhorar algum aspecto na sua vida.
Digo sempre que não é o hipnotista, mas o paciente o principal ator e o responsável direto pelo sucesso de uma sessão, seja de hipnose de palco, ou de  hipnose clínica.


13- Seria interessante que você também, como filho de ex-dono de cinema e escritor discorresse um pouco sobre o processo hipnótico presente nos filmes e na literatura em geral.

É verdade! Vivi a minha infância e adolescência no cinema do meu pai e ainda hoje acho difícil fazer a leitura crítica de um filme, pois que mergulho intensamente nele e nessa imersão encontro profundas memórias afetivas.
Mas ao assistir um filme ou ler um livro geralmente o fazemos com a consciência de forma alterada, onde a nossa realidade interna e subjetiva contribui na nossa decodificação e na fruição de uma obra.
Sou fascinado, sobretudo, pela Escola Surrealista, que advoga que a arte possa ser uma expressão do inconsciente, da pulsão, do desejo, fundindo fantasia e realidade. O realismo fantástico é marcante, seja na pintura (Max Ernest, Salvador Dali, Miró, Oswald de Andrade), mas também na literatura ( Gabriel Garcia Marquez, Isabel Allende, Franz Kafka, Andre Breton, Murilo Mendes, Mário de Andrade); no cinema destaco a obra de Luis Buñuel, em especial o filme Um Cão Andaluz; o filme Brazil, de Terry Gilliam; o filme O  Sentido da Vida, do Monty Phyton, entre outros . Mais recentemente, gostei muito do filme: Um Pombo Pousou num Galho Refletindo Sobre a Existência, de Roy Andersson.

14- O Coaching e a autoajuda  parecem beber a largos sorvos no campo da hipnose. Fale-nos sobre isso.

Na verdade existem influências mútuas que também engloba a PNL; há ainda o aspecto mercadológico onde buscam posicionamento dos seus produtos e serviços no mercado hoje bastante competitivo e lucrativo.

15- Em artes marciais e terapias alternativas vê-se a hipnose sendo utilizada para fins enganosos. Comente sobre isso e diga o que pensa da parapsicologia.

Sou um adepto das artes marciais, já fui mais. Cheguei à faixa marrom em Karatê, depois pratiquei Muay Tai e até tentei a capoeira, sem muito sucesso. Todas elas ajudam a trabalhar o corpo e mente. Das terapias alternativas, utilizei a acupuntura com muito resultado – hoje o meu irmão mais novo é especialista em acupuntura e medicina chinesa.
A hipnose tem sido usada com sucesso na preparação de atletas nas mais diversas modalidades, do automobilismo ao badminton.
O uso desvirtuado, fora da ética, sem conhecimento e compromisso é comum em todos os ramos da atividade humana, não é diferente na hipnose e nas terapias alternativas.
Há dois anos tenho participado com um grupo de professores, técnicos, psicólogos da UFCG de um projeto envolvendo práticas complementares de saúde, que inclui também a hipnose, e vejo o potencial que várias terapias alternativas apresentam no conforto e alívio da existência humana, principalmente quando se dá dentro de um projeto pedagógico, com propósitos e práticas libertadoras e não  mistificadoras.

16- Como os meios de comunicação utilizam princípios da hipnose para fins nada nobres?

Tem um livro de Freud, escrito em 1921, Psicologia das Massas e Análise do Eu  em que ele preconiza na sua análise das massas esse fenômeno do mass media que ainda não existia naquela época. Por exemplo, ele diz que na massa a capacidade intelectual encontra-se sempre abaixo da do indivíduo, que as massas nunca conheceram a sede da verdade, elas exigem ilusões, às quais não podem renunciar; nelas o irreal sempre tem precedência sobre o real, influenciando tanto quanto este, e tendem a não fazer qualquer distinção entre ambas. Ele mostra, por fim, que esse predomínio da vida da fantasia e da ilusão sustentada pelo desejo irrealizado é determinante para a psicologia das neuroses. Nada mais atual, não é mesmo? Qualquer semelhança com a última eleição presidencial é mera coincidência!
Resumindo, vivemos num amplo mercado de ilusões sempre prometidas e incentivadas, mas nunca completamente realizadas. Estamos arrodeados de sugestões que dialogam colorida e ruidosamente com o nosso inconsciente – eis os meios de comunicação de massa na atualidade.


17- À luz da neurociência moderna, é possível entender plenamente o fenômeno da hipnose? O que destacaria neste campo?

A hipnose é um fenômeno neurofisiológico, que envolve um ciclo chamado Loop Hipnótico, um ciclo de influências mútuas através do qual a coisa acontece: crenças – experiências – imaginação - fisiologia.
A partir daí, a hipnose conduz a um relaxamento físico e mental, dentro do qual é possível abrir um diálogo profundo com os porões do nosso inconsciente, onde estão as nossas emoções e traumas recalcados, transformados em imagens e símbolos. Esse diálogo ocorre em uma linguagem diferente daquela do nosso consciente, que é lógica, serial, temporal. A hipnose, diminuindo o controle do consciente, faz aflorar o inconsciente com a sua linguagem paralela, simbólica, imagética e emocional. 
O famoso neurologista, Antônio Damásio, em seu livro O Mistério da Consciência, fala dos indutores de emoções através dos quais, vez ou outra, nos percebemos num estado de tristeza ou felicidade. A causa real disso pode ser a imagem inconsciente de um acontecimento passado. Ele resume: não precisamos necessariamente prestar atenção às representações que induzem emoções e que depois conduzem a sentimentos. Representações do exterior ou do interior podem ocorrer independentemente do consciente e induzir reações emocionais.
Envolvendo crenças, experiências, imaginação e a fisiologia, a hipnose pode remover ou ressignificar gatilhos emocionais ou substituí-los, permitindo que traumas do passado, esquecidos ou não, deixem de influenciar negativamente comportamentos, sentimentos e crenças atuais.

18-  Que dicas daria a quem quer se resguardar do mau uso da hipnose?

Pesquisar, conversar, buscar referências com pessoas que atuam na área. Hoje temos maior facilidade pra fazer isso.  É muito comum amigos solicitarem dicas sobre profissionais nesta área em diversas cidades e estados do país. É preciso indicar um bom profissional, tanto porque é um processo em que você investe muito das suas esperanças e possibilidade, quanto por ser um investimento bem mais caro que o das terapias convencionais.

19-  Qual a eficácia da hipnose no uso medicinal? Cite alguns exemplos dessa utilização.

O hipnotista Esadaille, um médico escocês que viveu entre 1808 e 1859, morando muito tempo na Índia, fez  3 mil intervenções cirúrgicas utilizando-se da hipnose, conseguindo inclusive 19 amputações com anestesia magnética. A hipnose era então a única forma de aliviar a dor e o sofrimento, e só deixou de ser usada com o emprego do éter e clorofórmio.
Depois de conquistarem lugar cativo em instituições internacionais de prestígio, como o Columbia-Presbyterian e o Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, ambos em Nova York, a hipnose (e outras terapias comportamentais) começaram a ser utilizadas no Brasil. Um bom exemplo é o Hospital das Clínicas em São Paulo, onde há mais de dez anos, o hipnotista Fabio Puentes, atua dentro de uma equipe multiprofissional para tratar da dor.
Na França e Bélgica, anestesistas estão oferecendo a hipnossedação, que é uma combinação da hipnose com anestesia local como alternativa à anestesia geral em cirurgias.
Hoje, a hipnose também está auxiliando bastante no parto, o “hypnobirthing” permite um parto mais tranquilo e sem dor. A Sociedade Brasileira de Hipnose há algum tempo ganhou uma licitação da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais para realizar treinamentos de hipnose com a equipe de obstetrícia do Hospital Antônio Dias.
A hipnodontia costuma ser uma cadeira em algumas universidades, como a UFBA, e permite realizar tratamentos odontológicos diversos auxiliados pelas ferramentas da hipnose.
Além do que, como grande parte das doenças tem características psicossomáticas, a hipnose consegue ajudar muito, aumentando o relaxamento, a autoestima, diminuindo a ansiedade, a depressão, dores e fobias variadas.

20- Que feitos você julga mais espantosos, dos obtidos por um hipnotizador? Você mesmo, em suas sessões, que limites dessa capacidade já atingiu?

Espanta-me sempre as possibilidades que a hipnose oferece.  Já tratei de casos de depressão profunda com tentativas de suicídio onde obtivemos êxitos surpreendentes. Tratamentos de fobias também são muito rápidos e eficazes.
Um fenômeno sempre intrigante é o da regressão de memória. Tive um professor, renomado psicanalista e hipnotista de Pernambuco, que narrou o caso de uma regressão que realizou com um jovem em Salvador. Em regressão ele afirmou que morava em Lisboa, nos meados do século XX, numa suposta vida passada. O professor enviou o nome daquela suposta pessoa para um amigo em Portugal, em algum tempo recebeu a sua certidão de óbito.
Nas sessões de regressão com pacientes de maior suscetibilidade (geralmente chamados de sonambúlicos) presenciei também coisas impressionantes, manifestações emocionais profundas, alterações de voz e comportamento, etc.
Numa dessas sessões de regressão com uma paciente, quando chegou ao útero materno ela apresentou uma forte crise emocional com choros e gritos quase convulsivos; aproveitamos o processo para realizar uma ressignificação profunda daquela representação que, de uma forma ou outra, estava tendo influências diretas nos seus transtornos de ansiedade.
Outro paciente, um jovem estudante de 22 anos, viu-se como cantor de rock nos anos 60. Em transe cantou em inglês numa pronúncia fluída e sotaque convincente. Ao final da sessão soube que ele não entendia praticamente nada de inglês, nem de música.

21- Você realiza sessões de hipnose e ministra cursos nessa área. Fale-nos sobre isso.

Através do Projeto Hypnos – que é um projeto de extensão aprovado pelo meu departamento no Centro de Educação e Saúde da UFCG e com bolsistas aprovados pela Pro-reitoria de Extensão, desenvolvemos atividades diversas. Nas escolas, com pais e professores mostramos como são construídas crenças e como estas podem influenciar positiva e negativamente na vida das crianças e adultos. Faço isso como espetáculo de hipnose de palco, mostrando na prática experiências como: comandos pós-hipnóticos, amnésia, alucinações, etc. Para alunos (da universidade e das escolas de ensino fundamental e médio) realizamos palestras-vivências com a utilização da hipnose, PNL, psicanálise e filosofia.
Na universidade tenho um gabinete oferecido pela Direção do Centro onde faço hipnose clínica. Dedico uma média mensal de 35 horas de atendimentos, completamente gratuitos, para alunos, professores, técnicos e servidores do Centro, mas também atendo alunos das escolas da região e pessoas da comunidade.

22- Fale-nos da auto-hipnose – sua eficácia e modos de praticá-la.

A auto-hipnose é um processo pelo qual a própria pessoa se conduz ao transe. Segundo Melvin Powers “Você se hipnotiza pelo poder emitido por sua própria inteligência e concentração”.  Geralmente, quando trato pacientes ofereço-lhes instruções, áudios ou textos através dos quais ele possa se utilizar dessa ferramenta.
Mas é muito fácil, basta um lugar tranquilo e a dedicação de alguns minutos para a tarefa. O transe na auto-hipnose pode ser utilizado como meditação e relaxamento; mas também possibilita tratar alguns sintomas emocionais e permite formular sugestões. Com a prática a pessoa obtém resultados surpreendentes. As etapas da auto-hipnose são: respiração e relaxamento físico e mental, indução ao transe, aprofundamento, sugestão e retirada do transe.

23- Crê na eficiência da meditação? Há alguma relação entre esta e a hipnose?

A meditação usa a respiração e o relaxamento para situarem o individuo profunda, intensa e tranquilamente no aqui e no agora. A hipnose também pode seguir o mesmo procedimento – em ambas se processa uma alteração da consciência. A diferença é que na hipnose você pode buscar propositadamente o transe, seja para aprofundar a meditação, seja para alcançar outros objetivos.

24- Seus aprofundamentos nos estudos da neurociência e da hipnose propriamente dita corroboraram sua descrença no sobrenatural? Por favor, discorra generosamente sobre isso.

O estudo do inconsciente é um poderoso desmistificador de fenômenos aparentemente místicos, comumente gerenciados por religiões diversas. Em dois livros fantásticos: O Futuro de uma Ilusão e O Mal-estar na Cultura, Freud mostra como a história da civilização se faz sobre a repressão dos nossos impulsos e desejos, e como a religião surge então numa espécie de neurose coletiva, fundamentalmente dependente de sentimentos infantis não resolvidos e de um generalizado sentimento de culpa.
No entanto, entre as pessoas de maior susceptibilidade encontra-se certo número daqueles capazes de, em transe, vivenciar fenômenos como hiperestesia, clarividência, premonição e transmissão de pensamento.
Um dos percussores da hipnose, Marquês du Puységur (1705 – 1825), que era um militar francês, verificou nas proximidades do seu castelo localizado no sul da França essa curiosa possibilidade. Pôs em transe um camponês de 18 anos que sofria de uma afecção pulmonar e nesse estado de consciência alterada ele vivenciou repouso, ao invés das crises de convulsão, e naquele estado parecia reproduzir pensamentos superiores à sua cultura de camponês e com uma linguagem diferente da sua chegou mesmo a indicar um tratamento para sua enfermidade, obtendo êxito.
 A partir daí, o Marquês passou a explorar esse fenômeno. Fazia alguns dos seus pacientes, hipnotizados, descreverem coisas que se passavam distantes ou verem, como se estivessem vendo num raio-X, o que estava ocorrendo  com os órgãos internos de um enfermo posto à sua frente.
O Barão Jules Denies Du Potet de Sennevoy ( 1796-1881)  ampliou essa linha de pesquisa, misturando mágica magnética e paranormalidade. Ele acabou influenciando na moda europeia das “mesas girantes” em sessões de magnetismo e, depois, no surgimento do Espiritismo Kardecista, por Hippolyte Rivail ( 1804-1860 )

25-  Que obras recomendaria a quem deseja se aprofundar no tema?

Para uma leitura básica inicial recomendaria: O Hipnotismo, Psicologia, Técnica e Aplicação, de Karl Weismann; Cristo Hipnotizador, de Marcos Hochhel; Hipnose, de Antônio Carreiro e Auto-Hipnose, manual do usuário, de Fábio Puentes.

26- Cite-nos alguns praticantes da hipnose dignos de nossa atenção e/ou que exerceram influência em sua prática e vida.

Destaco três grandes mestres, com os quais tive a oportunidade de estudar. O Dr. Antônio Carreiro, doutor em Ciências e professor aposentado da UFBA, escritor, palestrante e divulgador da hipnose através dos seus cursos, realizados no Brasil e na Europa – Em 2014, realizei com ele um curso em Salvador;  o psicanalista, Dr. Reginaldo Rufino, doutor em hipnose clínica pela Universidade Privada de Barcelona, presidente da Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE) e Diretor-presidente da Sociedade de Hipnose do Estado de Pernambuco (SHEPE) - Ele foi coordenador e professor do meu curso de especialização em hipnose clínica no Recife, em 2016;  e o hipnotista, Fábio Puentes, que coordenou o I Congresso Panamericano de Hipnose, do qual participei, por quase uma semana, no Rio de Janeiro, em 2015.

27- Na conclusão dessa instrutiva conversa, brinde-nos com alguma reflexão baseada no tema: O BOM E O MAU USO DA HIPNOSE.

A hipnose nos últimos anos tem tido um incrível desenvolvimento e uma divulgação como jamais havia tido, seja na academia, seja nas instituições de saúde, seja através das pesquisas, na grande produção de textos, vídeos, etc. É possível, através dela, obter resultados bastante satisfatórios para fazer a vida das pessoas melhor e mais feliz.  
O mau uso da hipnose provém da sua mistificação por parte dos que a propagam como um poder pessoal – o que absolutamente não é; da falta de ética na sua utilização (como ocorre em todas as áreas e profissões) e na falta de relativização do seu uso.
A hipnose não pode substituir o conhecimento médico, farmacêutico, psicológico – deve, pelo contrário, a partir deles e respeitando as suas prescrições, colaborar com as suas técnicas e ferramentas de sugestão. Estas técnicas e ferramentas não deixam de ser surpreendentes e eficazes, mas também apresentam limites e casos de insucesso.
E, por fim, é necessário compreender e praticar a hipnose dentro de um referencial teórico e prático mais amplo, o que inclui a psicanálise, a filosofia, a psicologia, a antropologia e a neurociência, entre outros ramos de estudo.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

AMIZADE (Nailson Costa)



AMIZADE (Nailson Costa, 12.12.2018.)

E eis que na minha amizade
Vejo uma árvore discreta,
Com sentimento despido
De falsidade secreta.
Com a gratidão na raiz,
com uma sombra feliz
Na sua folhagem completa.

Ela está bonsai, não muda.
Tem gene raro especial,
 O que nela há grandioso?
Um rock, pop, um metal,
Primas, obras, um Nobel
E um bom  Papai-Noel
Nos enfeites de Natal!

Árvore genealógica
 Oriunda de Adão,
 Costela de Portugal,
No útero um embrião
Minha árvore fez-se assim
Um Costa tupiniquim,  
A família tal e qual.

Amizade de Natal
É mais bonita e profunda
Na grandeza que ela tem.
É Tradição que se oriunda
Dos celtas ou dos romanos
O certo é que há muitos anos
Um peru à ceia abunda.

Uma amizade não bota
Em sua árvore amarrado
Com cordas que nem o Judas
O Deus Javé arborizado.
Já basta ver meu Jesus
pregado naquela cruz
Dois mil anos pendurado

Viva a semente da vida!
Viva a emoção sem defeito
Na sintaxe de meu arado
Amizade é sujeito
Árvore é predicado
Tudo puro, sem pecado
Sem mágoa, tudo perfeito.

domingo, 9 de dezembro de 2018

CONVERSA COM BRUM, CHARGISTA DA TRIBUNA DO NORTE


Gilberto Cardoso dos Santos (entrevistador) e Brum (entrevistado)

GCS: Brum, gostaria que iniciasse esta conversa falando-nos de suas origens e infância.

BRUM: Minha família é de uma cidade chamada Maricá, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro.  Eu passei minha infância entre Maricá e São Gonçalo, onde estudei até o inicio do segundo grau. Depois fui estudar na cidade do Rio de Janeiro... aí que o negocio desembestou mesmo pro lado dos desenhos e eu nunca mais parei. Minha infância foi como a da maioria das crianças do meu tempo: vivíamos na rua, de turma. Eu nunca fui muito de jogar bola e tal, era mais dos vídeos games, quadrinhos e desenhos. E como eu era o único da rua que tinha essas características, sempre que algum colega precisava de algo relacionado a desenhos, sobrava pra mim... o que foi bacana, fui pegando gosto pelas coisas. Gostava muito de assistir um programa do Daniel Azulay, que ensinava as crianças a desenharem. Daí, corria pra mesa, pra copiar o que ele ensinava ou desenhos das revistas Mad. Meu pai era bancário, e naquela época, os computadores não estavam em tanta evidencia, não era tão comum a sua presença nos lares, então sempre que precisava colocar algum recado na agência que trabalhava, ele pedia que eu fizesse o cartaz com um desenho e xerocava. Ou seja, tava começando no mercado publicitário mesmo sem saber. Mas foi ótimo esse tempo. Nasci numa cidade que amo, uma família que mesmo não entendendo muito o que eu queria, sempre me apoiou, excelentes amigos, que trago comigo até hoje e uma infância sadia, que queria muito passar pras minhas filhas.

GCS: Você é hoje, ao lado de Laerte, um dos mais renomados chargistas do Brasil. Quando começou a sentir interesse pelo gênero? Conte-nos momentos marcantes, impulsionadores de sua carreira e que autores foram fundamentais em desenvolver seus interesses e habilidades.

BRUM: Bem, eu acho que ainda tenho muito lápis pra apontar até chegar no nível do Laerte, mas mesmo assim, agradeço o elogio. Talvez eu sempre tivesse interesse pelo gênero e nunca havia percebido. Desde que me entendo por gente, eu gostava de pegar os jornais e ficar olhando pras charges, mesmo sem entender o que elas queriam dizer. Mas tinha algo que me atraia. Tanto que muitos desenhos que fiz na infância, eram caricaturas de políticos, charges. Lia o título da noticia e rabiscava uma piadinha com aquilo. Mas não tinha a menor intenção de viver disso, queria sim, trabalhar com desenhos, mas como publicitário. Tanto que me formei em publicidade e trabalhei muito tempo na área. Até jogar as agências pro alto e me dedicar somente as ilustrações, e com o andar da carruagem, virar chargista. Não tinha como fugir. Meus desenhos sempre foram críticos, era apenas uma questão de tempo. Talvez, o momento mais marcante tenha sido no atentado das Torres Gêmeas, onde tive a minha primeira charge publicada em um site, o charge on line, e desde então não parei mais. Ali percebi que não era um "ilustrador", e sim um chargista. Claro que depois disso vieram vários momentos inesquecíveis, como a vez que recebi o Troféu Angelo Agostini de melhor cartunista no mesmo ano que o Marcatti estava sendo premiado. E ele foi o maior culpado de eu decidir trabalhar com desenhos. Outro momento desses, foi quando acompanhei pela internet, ao vivo, a votação do Vladimir Herzog, e vi os julgamento de uma charge minha, que acabou me rendendo o prêmio naquele ano, e pra completar, o mesmo me foi entregue nas mão da Laerte, umas das minhas maiores influencias. Mas claro que tiveram outros momentos bem legais, como ver seu o Papa gargalhando ao receber um livro reunindo varias charges em sua homenagem (e eu ali no meio), como receber a foto de um cartaz no Metro de São Paulo com a sua charge, convidando pra exposição sobre Oscar Niemeyer, mesmo após essa charge ter sido alvo de várias críticas. Momentos como os bate papos com alunos de escolas (adoro esses papos), como ser o assunto de teses de mestrado e doutorado, e até mesmo como as discussões com leitores contrários a sua opinião, o que é interessante, pois um dos objetivos da charge é levantar uma discussão sadia sobre determinado assunto.

GCS: Fale-nos dos prêmios já recebidos.

BRUM: Até o momento foram quatro: o Angelo Agostini, como melhor cartunista de 2015, o Vladimir Herzog em 2016, um bem bacana numa exposição virtual sobre os 50 anos da Magali e, nesse ano, ganhei novamente o Vladimir Herzog. Sou bicampeão do prêmio. Todos sensacionais. E tive a sorte (como já disse antes) de ter nessas premiações duas pessoas responsáveis pelo que sou hoje: a Laerte e o Marcatti. E o bacana, é que a forma de premiação de cada um dos quatro prêmios foi diferente. No Angelo Agostini foi pela votação do público, com base no conjunto do meu trabalho naquele ano; o da Magali foi pela votação de chargistas participantes do tal concurso, eu tava sendo "julgado" por amigos da área, gente de peso, que também queria ganhar o concurso. E no caso do Vladimir Herzog, foi votado/julgado por uma bancada de profissionais respeitadíssimos no meio jornalístico brasileiro em cima de uma charge que fiz pro dia-a-dia do jornal, e não, algo pensado com calma pra um concurso. Isso dá uma sensação que a gente vem acertando no nosso trabalho. Ver o tal julgamento do Vladimir foi algo interessantíssimo. Era um júri, com gente defendendo e gente criticando  seu trabalho, cada um querendo convencer o outro pela vitória ou derrota da charge antes de dar o seu veredicto. E todos os argumentos inteligentíssimos, não tinha como discordar, até mesmo dos que eram contra minha charge. Mas no fim, deu tudo certo, venci. Mas isso não quer dizer que sou melhor que outra pessoa por conta desses prêmios. Nosso trabalho é diário, estamos passível de errar e acertar todos os dias. Hoje, posso dar a sorte de fazer algo considerado melhor, mas amanha posso errar e fazer uma porcaria. Prêmio não quer dizer nada nesse sentido, e sim as discussões e criticas que nascem graças as nossas charges. O mais bacana desses prêmios é, claro, você ter o momento de euforia, comemoração; mas depois você parar e ver que eles só chegaram até você porque algumas pessoas confiaram no seu trabalho, algumas pessoas te julgarem merecedor naquele momento, então em respeito a essas pessoas, e pelo fato da maior visibilidade que você acaba ganhando, você se policia mais, querendo fazer algo realmente bom, e não apenas fazer por fazer, pra cumprir o expediente no jornal. Hoje é muito mais difícil pra mim pensar numa charge, tenho uma cobrança interna maior. Vem um monte de idéias, bacanas, mas nem sempre me convencem, quero sempre fazer algo melhor. E isso é positivo demais para o trabalho.

GCS: Quais as diferenças entre charge e cartum?

BRUM: A diferença básica é o tempo de vida e a base. Ambas são críticas visuais. No caso do cartum, em alguns casos, apenas uma piada. Mas a maior diferença é que o cartum não precisa ter como fonte algo real, pode ser inventado. É uma arte que será compreendida  sempre. Não tem prazo de validade ou a necessidade de um conhecimento do assunto. Se for bem feito, qualquer um vai rir, hoje ou daqui a mil anos. Já a charge traz com ela uma responsabilidade maior, ela tem que ter uma base, tem que ter como ponto de partida um acontecimento de conhecimento do leitor. Ela deve despertar um pensamento crítico no leitor, e não apenas uma risada. Deve se ter um cuidado com o que será dito, pois querendo ou não, ela é uma formadora de opiniões, ela vai gerar uma discussão, um julgamento sobre determinado fato. E todo bom julgamento tem que ter a verdade como base. Claro que o chargista pode colocar a sua opinião, a sua posição política, mas nunca mentir. Nunca inventar um fato. E como ela precisa dessa base, ala acaba tendo uma vida curta. Pois todos os dias temos novos acontecimentos sendo noticiados, o que acaba colocando o do dia anterior no esquecimento, e com isso, a não compreensão da charge. É como um inseto: chega "assustando", picando, atacando, mas rapidinho morre.  Mas as conseqüências ficam!

GCS: A respeito da charge abaixo, vi-a pela primeira vez em  um seminário sobre Gêneros  Textuais. Este trabalho, em particular, foi muito elogiado durante a apresentação  e  teve grande relevância no debate por se diferenciar do que comumente vemos em charge ou cartum.  Alguns, entendidos em jogos, chamaram a atenção para detalhes das teclas escolhidas por você para escrever determinadas coisas. Mas não ficou só nisso: surgiu a dúvida se seria de fato uma charge ou um cartum. Pareceu-nos, também que não se tratava de um desenho, mas de uma foto inteligentemente manipulada. Debatemos se  uma imagem já existente, apenas trabalhada pelo artista, poderia resultar em algo totalmente dentro do gênero proposto, e não chegamos a um comum acordo. Posteriormente, você me explicou que de fato produziu tudo que aparece na charge.  Todos saímos do seminário encantados com sua criatividade e desejosos de conhecer melhor seu trabalho.



BRUM: Gilberto, fiquei muito contente com o que disse. Obrigado. Com relação aos botões escolhidos, confesso que não entendo nada de vídeo games modernos, parei de jogar há muito tempo por ser um viciado confesso, então preferi me afastar pra conseguir fazer outras coisas, senão era o tempo todo no console. Parei lá atrás, quando ainda não existia esses controles modernos. Por isso antes de fazer a charge pesquisei na internet o que cada botão fazia pra ver qual "falcatrua" da Fifa se adaptaria melhor a ele. Com relação a ser charge ou cartum, eu classificaria como uma charge, pois foi feita com base em uma notícia que vem tomando conta dos noticiários atualmente, algo "temporal". Não se se daqui a um mês, alguém vai a atender, afinal, basta aparecer um novo escândalo para que os brasileiros esqueçam de tudo de ruim que ocorreu antes. Por isso não a considero um cartum, visto que o cartum é algo de uma compreensão atemporal. Porém, mesmo sendo um chargista e não um cartunista, é sempre bacana conseguir colocar em uma charge, algo que tenha a ver com um acontecimento daquele momento, mas que possa ser compreendida daqui há anos, o que descaracteriza uma charge e a classifica como um cartum.


ALGUNS TRABALHOS DE BRUM:
Charge vencedora no Vladimir Herzog 2018










Charge vencedora no Vladimir Herzog 2016


Rodrigo Brum na premiação, ao lado de Laerte