DIA DE PAZ E TRANQUILIDADE
Ginga com tapioca!, gritava a mulher com uma vasilha transparente debaixo do braço oferecendo a quem tivesse coragem de chegar perto. Um pitbull solto lhe acompanhava no trajeto servindo de proteção. Quem garante que aquele bicho não ataca, pensei ao passar distante mesmo gostando muito da "especiaria."
Umas jovens, tomando sol, compraram vários, depois que ouviram o rosnar do cão. A de biquini vermelho pagou tudo, e assim que ela aceitou o preço acima da média, o cão afastou-se como quem soubesse que a venda havia sido concluída. Este cachorro é uma bênção, pensava a mulher utilizando outras mercadorias para passar o troco. A menina mudou de opinião quando o cão voltou para saber se ela aceitaria, ou não, balas no lugar de moedas. Tudo bem! eu gosto muito das de hortelã, disse a de biquini preto, sorriso amarelo, com a mão estirada sem tirar o olho da fera a lhe encarar.
A senhorita pode me presentear com aquela toalha que não está sendo usada?, falou a "mulher da ginga" sem muita ginga, porém confiando no seu animal rosnador. Bem... O cão notando a indecisão da moça, aproximou-se. Pode levar, sim, afinal de contas nós já temos duas, e quando meu namorado chegar ele sentará na areia, sem problema. Muito obrigada, disse a preta roliça colocando a toalha sobre a cabeça e saindo gritando olha a ginga com tapioca sem olhar para as meninas que comiam e imaginavam o que diriam para o dono da toalha.
Olha o picolé!, passou outra com um gato na coleira. Não quero, disse a de preto “encarando” o gato. O bichano tentou rosnar, entretanto saiu só um miado desafinado pelo "cano da desnutrição." O empoderamento da de preto foi tão forte que deu vontade de ir atrás da toalha presenteada sob pressão. Têm certeza que não querem comprar os picolés da minha irmã?, perguntou um “negão” chegando todo molhado ajeitando a sunga apertada na frente. As meninas se entreolharam sem conseguir levantar a vista acima da cintura do irmão da vendedora de picolé. Será que isto é natural ou fake?, pensou a de vermelho ficando vermelha de vergonha por aquilo estar quase na sua cara. Vai chupar ou não vai? Perguntou o “negão” quase colocando na boca da branquinha. Quanto é? Quer com pau ou sem pau? Sem pau é sorvete, explicou o gato através de miados um pouco mais afinados. Tem de chocolate? Tem sim, também de mandioca, batata, só não tem de manjericão. Nunca chupei de manjericão. A senhorita não chupou porque desse sabor, que eu saiba, nunca foi fabricado rsrsrsrs. Este branco é de cocaína? É de coco, de cocaína está em falta. Então deixa para outra vez, falou o namorado chegando e já armando a sombrinha de proteção.
Como está o dia? minhas lindas! Quer tapioca com ginga? Aceito sim, gosto muito! Onde conseguiram? Passou um cachorro vendendo e achamos melhor guardar para você. O namorado continuou cavando outros buracos e de quando em quando tirava uma “dentada” da comida na mão da sua amada.
Hoje o dia está ótimo para pegar um bronze, disse, enquanto se aproximava, bem descontraída, a irmã do namorado da de vermelho. Deu "tchauzinho" para a turma e foi logo beijar a de preto. Balas de hortelã!? Humm... que gostosura! Quero pegar essa que está na sua boquinha, e voltou à língua, demorando-se bastante naquela pegação.
Olha o crepe!, anunciou um homem "cavalgando" um elefante. Vão querer crepe? Não. O elefante deu um passo à frente. É só nove inteiros e noventa e nove centavos, cada. O homem desceu escorregando pela tromba do bicho que estava procurando a origem do cheiro de protetor solar em algumas entrepernas disponíveis. O recheio é de banana caramelizada, queijo e carne de sol. Enquanto pensavam em dizer “não” novamente, o elefante derrubou a barraca que o rapaz havia providenciado. Não se preocupem que ele mesmo coloca no lugar. O namorado da de vermelho já tinha escapulido para "pegar uma onda." O elefante deu mais um passo e mijou na toalha. Isso ele não tem como consertar, tem?! Tem sim, ele leva para lavar no mar. A senhorita vai querer o crepe? O elefante adiantou-se mais um pouco, levantou a jovem e a colocou nas costas. Um passeio será muito bom para fazê-la decidir. Se a gente for comprar tudo que passa, eu vou engordar, choramingou a do biquini preto. Ah, não, disse sua namorada. Ponha ela no chão, ordenou para o elefante dando-lhe umas “capacetadas”. O paquiderme levantou as patas dianteiras berrando e fazendo o composto biquini vermelho se transformar em fio dental na frente e atrás, o que se pode dizer que "desembeiçou." Percebendo que daquela bolsa não mais se conseguiria extrair dinheiro, os "descrepantes" saíram para novas abordagens.
Todos os domingos esse pessoal passa perturbando. Daqui a pouco passa um “coiceiro”. Cheguei!, disse o mendigo pedindo esmola montado no jegue. O senhor não trabalha não? Trabalho cuidando do jumento e desse furão. Agora cria um furão? Meu sonho, desde menino, era possuir um desses porque minha mãe morreu dizendo: meu filho, nunca ande sozinho, arranje pelo menos um furão, e eu estou fazendo os gostos de mãe. Dá para o senhor tirar a traseira desse jumento da minha cara? Tem um trocado? Tenho ginga com tapioca, serve? O jumento deu um coice que ela virou de costas. Tenho balas de hortelã. Se fosse crepe ele aceitava, pegue outro coice, dessa vez na de preto. Vou chamar a polícia, gritou a irmã do namorado da de vermelho. Tome coice também. Quando a polícia chegou os três, jumento, mendigo e furão, saíram correndo na beira da praia tão velozes que nem as lanchas da capitania dos portos conseguiu detê-los.
Podem ficar tranquilas que ninguém mais vai perturbar vocês, disse o guarda com o cacetete em uma das mãos, e na outra, uma girafa na corda. Para que é essa girafa?, perguntou a que havia chegado por último. Serve de observatório. Qualquer coisa vamos pendurados no pescoço dela sem medo de perdermos o meliante de vista.
Muito bem, o senhor pode devolver meus óculos de sol? Ah, sim! Pensei que fosse do mendigo. Falar nele, lá vem voltando fugindo do pitbull “pega num pega.” É melhor prendê-los, inclusive o cachorro, disse o guarda esporeando a girafa acompanhado pelos ajudantes montados em avestruzes.
A chuva chegou e com ela trouxe os vendedores de capas. Quando as senhoritas saírem poderão ir protegidas para o ponto de ônibus. Nós viemos de carro e ela de moto. Ah, tá, então aqui nós temos limpadores de para-brisas e óleo de freio. Aproveitem porque o óleo está sem areia e os limpadores do seu carro podem ter desaparecidos, pois aqui tem muito moleque que os furta para vender aos próprios donos. Esse periquito é da senhorita? Sim, eu sempre trago ele para passear. Nesse momento, um carcará lançou suas garras no periquito da moça provocando gritinhos e rasgão na beirada, do umbigo. O namorado vinha chegando na hora e deu uma "pranchada" no vilão que voou penas. O bicho saiu se batendo e lá na frente socou-se dentro do depósito de cavaco chinês para ninguém mais dar notícias dele.
Pouco tempo depois, a maré alta trouxe uma tartaruga agarrada na outra e se alojaram em cima da caixa de bebidas continuando a fazer amor naquela rapidez característica de tartarugas.
Só se sabe que no final da tarde elas voltaram para casa prometendo que no próximo domingo não iriam perder a oportunidade de ficar naquela praia tão tranquila.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 26.03.2023 – 12h18min.
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