quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

ARMADILHA PARA HUMANOS - Heraldo Lins

 







ARMADILHA PARA HUMANOS


Comecei dando uma festa no apartamento recém-comprado na cidade em que vim morar. Organizei uma extensa biblioteca com os livros que peguei emprestado das ex-mulheres e montei o que poderia ser chamado de acervo cultural do ocidente.  

No andar de baixo, deixei um espaço para colocar poltronas junto ao bar que tanto as pessoas gostam em uma casa. Acham que devem visitar para não perder a chance de beber de graça o que existe de mais requintado. Consegui um “piano de meia-idade” e o coloquei num canto.   

Minhas alunas estavam eufóricas naquele primeiro encontro com o professor novo, há apenas dois meses lecionando na universidade patrocinada por pais e amantes ricos. 

No relógio de parede, batia meia-noite e elas continuavam alegres como se estivessem na mais perfeita reunião familiar. Na sala, um amigo delas tocava e, com seu jeito desinteressado, levantava-se para receber aplausos toda vez que terminava uma peça. Quando era pouco aplaudido, inventava uma desculpa para ir ao banheiro e por lá passava o tempo necessário para sentirmos sua falta.  

Na escada do andar de cima, alguns suéteres jogados coloriam a arquitetura facilitando a compreensão do que estava acontecendo. Na cama, alunas já usufruíam de uma liberdade sem restrições entre um drinque e outro. Uma menina, que sempre fazia questão de discursar nos seminários, dissertou sobre um “quadro-cópia” que estava afixado ao lado do piano.    

O sofá sofrera algumas invasões líquidas, mas não demonstrei nenhuma preocupação. Fazia parte do plano passar a imagem de ser uma pessoa desapegada aos caprichos de uma casa bem-arrumada. 

Saias levantadas eram vistas sob aplausos. As brincadeiras de beijos com venda nos olhos não demoraram a começar ao som de música executada com mais vigor no momento do encontro salivar. Até entrei na brincadeira por ter despertado curiosidade nelas em saber que gosto tinha o tímido professor. 

Muitas já haviam saído para se esconderem acompanhadas das amiguinhas e colegas. As mais corajosas demonstravam sua desenvoltura ali junto ao pianista que sorria sem errar a execução. 

No início, fiquei com algumas restrições em me enturmar, depois fui convidado para conversar entre duas alunas com livros nas mãos, o que por sinal, no dia seguinte senti a falta de muitas obras do acervo cedido. Se houve alguma revolução sexual na história da humanidade, ali estava uma amostra de como foi. 

Garotas com atitudes antes reprimidas, soltavam-se sem se preocuparem com o que poderia acontecer com a pílula do dia seguinte. Estamos entre irmãos, dizia-lhes para estimulá-las a se libertarem das amarras da vergonha, mesmo assim, as recatadas permaneciam “por fora”.

Na parte inicial da festinha, poemas foram recitados, trechos de livros debatidos e até novos autores tiveram seus nomes divulgados. Demos o nome ao ambiente, de sala jaqueta, já que pelo chão encontravam-se muitas espalhadas.   

Na primeira vez que a vi nua, foi com ela fazendo strip em cima da mesa do centro. As demais aplaudiam e gritavam para que o show continuasse. Seu corpo bronzeado estava em perfeita forma e sua mente possuía características da sabedoria repousante.  

Tudo planejado para “pegarmos o sol com a mão”, até que a nossa dançarina teve uma convulsão e a única alternativa foi chamar o carro da funerária. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 21.12.2022 – 10h28min


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”