terça-feira, 27 de setembro de 2022

DOMÍNIO VIRTUAL - Heraldo Lins




DOMÍNIO VIRTUAL

 

Foi ficando escrava do celular a ponto de almoçar com ele ao lado do prato. Enquanto os demais conversavam, ela respondia aos grupos de WhatsApp. Essa amiga aqui fica me enviando mensagens anexadas a coraçãozinhos, quão melosa ela é; vou bloquear minha vizinha, e se ela perguntar eu digo que foram as meninas mexendo. 

Com o transcorrer do tempo, ficou tão viciada que chegou a confundi-lo com o sabonete na hora do banho. Putz! só faltava essa! Ainda bem que salvei minha agenda, mesmo assim vou ter que sair para comprar logo dois aparelhos. Deixar um de reserva, é uma boa ideia.  

Um dia, ela desapareceu. Onde se meteu sua mãe? perguntou o marido ao chegar à noite em casa. Não sei, respondeu a filha sem olhar para o pai, afinal de contas ela precisava responder as mais de trezentas mensagens acumuladas na última hora. Ele a procurou em todos os lugares já desconfiado que haviam lhe sequestrado. 

Ligou para ela e ouviu, do outro lado da linha, um coral respondendo. Ele pensou que era um novo aplicativo, porém sua filha disse que desconhecia. As perguntas que ele fazia, eram respondidas por várias vozes ao mesmo tempo. Ele ficou espantado porque as conversas sempre terminavam em: “vem pra cá você também, vem!” Ele achou que era uma propaganda de um banco, contudo não teve certeza.    

O telefone abandonado dentro de uma gaveta, foi encontrado pela filha que chegara de viagem. Sabendo que a mãe havia desaparecido, foi bisbilhotar por lá e o encontrou, em modo silencioso, debaixo das correspondências. Estranho! mamãe nunca deixou o celular aqui. Não há marca de sangue nem de violência. Parece que o criminoso não estava interessado em roubar. 

Conectou-se e viu sua mãe falando como se fosse uma ligação de vídeo. Mamãe! gritou a filha misturando emoção com aflição. A mãe acenava para ela, sorridente, braços estendidos e dizia venha, querida, venha...  A senhora está aonde? Estou onde não se sente dor nem sono. Estou acordada desde o dia que vim morar aqui dentro. A senhora está dentro do celular? perguntou a filha, e sem esperar pela resposta, jogou ele no chão e saiu correndo para chamar o pai. 

De início ele tomou um susto, depois foi mantendo o diálogo até ela sugerir que ele rolasse a tela da direita para a esquerda que queria lhe mostrar uns vídeos inéditos. Quando ele encostou o dedo na tela, uma multidão o puxou para dentro do smartphone e até hoje as filhas procuram pelos pais. Caso alguém veja um celular dando sopa por aí, é melhor nem se aproximar. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 26.09.2022 – 09:18





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