INDIFERENÇA VERGONHOSA
Durante a semana não consegui esquecer aquela mendiga escrevendo em um caderno sem capa. Outras vezes tive de vê-la caminhando sem rumo pelas ruas do bairro, seguida por um cão rabugento. Minha falta de altruísmo permitiu-me que somente a observasse à distância. Seu semblante digno afastava-me da piedade.
O tempo passava e eu continuava os questionamentos: como pode uma educadora terminar naquela situação? Poderia ter sido a professora que esteve, pacientemente, ensinando-me a ler. No meu egoísmo fiquei indiferente a mais uma maltrapilha.
Arrependido pela falta de compaixão saí procurando-a pelos becos do bairro. Descobri que alguém havia lhe estendido a mão. Li a reportagem e reconheci Dona Neuza na capa da revista. Havia sido resgatada à beira da morte por Elísio, ex-colega meu. Ele fez o que, lamentavelmente, não tive coragem.
Lembrou-se das vezes que ela, pacientemente, acompanhava o progresso dele no caderno de caligrafia. Indiferente não poderia ter ficado. Relatou na entrevista que providenciou uma casa de saúde deixando-a confortável, sem limites de despesas.
Respirei aliviado por alguém ter suprido minha mesquinhez humanitária. Se eu soubesse que renderia notícias a nível internacional teria feito o mesmo, mas... depois que ela soubesse dos meus planos para beneficiar-me politicamente, diria: não valeu a pena ter sido sua professora.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 15/07/2021 – 19:38
Ironia na medida certa. - Gilberto Cardoso dos Santos
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