quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

A IDADE DA IMPRUDÊNCIA - Heraldo Lins

 



A IDADE DA IMPRUDÊNCIA  

 

 

Há um bilionário presenteando motocicletas a adolescentes. Para receber o presente o candidato tem que assinar um contrato doando a medula óssea caso tenha morte cerebral. O motivo desse interesse pela medula dos jovens é que sua equipe de neurocirurgiões levantou uma hipótese de que se a medula for nova o sangue por ela produzido rejuvenescerá todo o organismo. São experimentos feitos na segunda guerra mundial e que agora está vindo à tona. Não só basta assinar o contrato. Tem também que ter o sangue zero positivo. Após um ano sem ter morrido, o jovem ganha uma moto maior e um salário proporcional para gastar nas noites de farra. Mais um ano vivo, terá aulas de paraquedismo e poderá entrar na fórmula um. No terceiro ano sem ter sido doador, passará a fazer parte da turma de elite. Será selecionado para correr na floresta fugindo de outros bilionários que o caçarão como se animal selvagem. Se escapar dos tiros de fuzil, aí sim, será esfaqueado.

 

Legalizado em alguns países, o comércio de órgãos está se proliferando de tal forma que é necessário muito cuidado para não ser selecionado erroneamente como doador. Tem gente trocando rim por moto, um olho por apartamento, tudo de acordo com a lei dos fora-da-lei. Quem tem dinheiro troca a fortuna pelo prazer de ser jovem novamente. Os filhos dos miseráveis já nascem predestinados a salvar a família. Desde novinho tem um acompanhamento médico da associação dos velhos ricos. Quando chega entre vinte e trinta anos, será feito os exames para saber para qual idoso o corpo será destinado. A família sente orgulho desse descendente. Eles acham melhor do que ele ir ser homem bomba, pelo menos a família consegue tirar o pé da lama.

 

Mesmo com essa opção profissional à disposição, há muitos que preferem ir para o paraíso ficar com sete mil virgens. Nos dois ramos há os recrutadores que tentam convencer os jovens a seguir adiante na profissão de suicida consciente. Há festas de aniversário regressivo. Quando chega aos vinte anos começa: só faltam nove! Toda sociedade entorno do jovem o parabeniza pela decisão. Ele tem um símbolo na testa com a numeração que falta. Quanto mais perto, mais ele é reverenciado. As portas das casas são abertas e eles podem almoçar, jantar e até deitarem-se com as filhas dos casais. Seus descendentes são orgulho para gerações futuras. Podem andar nos ombros dos fortes, pisar nos pés dos chatos e ainda limpar o nariz em público sem que ninguém os repreendam.

 

Esbofetear os desafetos foi mais uma mordomia concedida a eles recentemente. Podem comer em restaurantes chiques e nem precisam pagar. Essas despesas são custeadas pela associação. Há um controle na qualidade da carne que eles irão oferecer. Não podem consumir drogas nem bebidas alcoólicas. Mulheres, à vontade. Os dois planos de morte oferecem cada vez mais mordomias. Se o jovem quiser ser jogador de futebol, pode. Ele entra em campo na posição do melhor em campo. Se quiser ser cantor, mesmo desafinado, sua estreia acontecerá em horário nobre. Os telespectadores dirão: aí canta ruim! Ainda bem que tem prazo de validade. Vamos nos ver livre dele daqui a alguns dias. Fala-se isso, mas se forem pegos são presos. O importante é que os doares suicidas vivam no mundo da fantasia. A morte virá de forma suave e festiva. Nem saberá o momento exato que passará para outra vida. Mesmo sendo esfaqueado sentirão apenas cócegas. Se a pessoa só soube agora desse comércio, e tem mais de trinta anos, pode tirar o cadáver da chuva. Não terá chance alguma de ser a elite no mundo das profissões. Vá ser médico, engenheiro ou mesmo empresário. Mas suicida, jamais! Se contente com a esperança de futuramente fazer parte da associação. Se não pôde ser jovem suicida, pelo menos seja velho rico.


 

 

Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Natal/RN, 05/01/2021 – 15:35

showdemamulengos@gmail.com

84-99973-4114

 

 

2 comentários:

  1. Muito boa, Heraldo. Como as demais. - Gilberto Cardoso dos Santos

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    1. Obrigado Gilberto. Estou tentando fazer uma por dia. Vamos que vamos.

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