DIA DE JUÍZO
Isto
que estou dizendo
Eu
tenho certeza plena
Porque
Padre Cícero disse:
Em
sessenta o chão empena
O
mundo vai arrochar
E
nesse tempo vão dançar
O
chumbrego da morena.
(“O Fim do Mundo Está
Próximo”- Manoel Tomaz de Assis, cantador e poeta popular)
Antes de começar o sermão da missa das sete-
a mais frequentada dos domingos – Padre Frederico fez uma advertência aos eu
rebanho: não se deixem iludir pelas falsas profecias desse folheto que estava
sendo vendido na feira. Era coisa de satanás. Invenção do cantador Né Quixaba
para enganar o povo. Nosso Senhor, em sua imensa bondade, não iria acabar o
mundo, sem antes nos dar avisos, pois Ele quer que as almas transviadas tenham
tempo de se regenerar, voltando ao aprisco. Portanto, minhas irmãs, ficar
tranquilos e confiantes em Deus.
Padre Frederico era o vigário de Serra Nova
há alguns anos. Magro, alto e vermelho como convém a todo padre de origem
alemã. Ele gostava de descompor do alto do púlpito as mulheres, que com seus
vestidos sem manga, transgrediam a recomendação afixada na porta do tempo:
MORAL E DECORO NA CASA DO SENHOR. Mas, certa vez, ao dizer “Orate frates”, notou entre o negrume de
mantilhas umas daquelas transgressoras e disse, ríspido, deixando no ar o gesto
litúrgico: - A senhora aí, retire-se!
Houve choro e ranger de dentes, como na
Bíblia.
O povo tolerava esta e outras besteiras de
padre Frederico, porque, inclusive, já tinha conta de tradição local. O velho
sacerdote escondia - segundo a expressão Maria Anunciada- “um coração de ouro”.
Além disso não puxava o saco da mulher do coronel Sinhô, como o vigário
anterior, e nem metia-se em porres de vinho e coisas menos bem-vistas, como Pe.
Ananias, de Boa Esperança.
Estava muito velho Padre Frederico. Naquela
idade, bem podia fazer que Padre Carlos, cuja ocupação na vida era sair de casa
em casa oferecendo Almanaque Ecos Marianos e folhinhas do sagrado coração de
Jesus.
Mas, como se ia dizendo: velho, Padre
Frederico sujeitava-se a certos vexames no desempenho do ofício de sacerdote.
Suas missas, ultimamente, não eram lá missas muito aprumadas. Às vezes,
celebrando, ele saltava trechos confundia-os.
Na primeira missa daquele sábado de aleluia,
Serra Nova em peso compareceu à igreja matriz. Não era todo dia que tinha missa
cantada e, ainda mais, acompanhada pela banda de música, sob a batuta do
maestro Janjão. Padre Frederico era o celebrante, vistoso nos paramentos
amarelos. Os santos do altar, despidos do roxo da paixão, mostravam-se como que
mais alegres. Em tudo transparecia um ar de festa: nas réstias do sol, nos
sorrisos de Maria, no dourado do sacrário, nos vitrais coloridos.
- Dominus
vobiscum.
- Et cum spiritu tuo – respondia o sacristão
Inocêncio.
- Amém.
Corre ali no sertão uma crendice de que, se o
padre, na missa da aleluia, não achar a dita aleluia, acontecerá o Juízo Final.
“Achar a aleluia”, isto é, ver no missal a palavra símbolo da ressurreição, o
que se dá, segundo o ritual católico, logo após a queda do celebrante, a figura
desse estendia sobre os degraus do altar, a significar humildade. Pois bem,
naquela missa, no momento da queda, Padre Frederico postou-se, dramático, mais
nada de levantar-se. Os fiéis já inquietos. Boatos surgindo em sussurros: “Ele
não achou a aleluia, valha-nos Deus”. Quando se verificou que o padre estava
apenas cochilando, a histeria já dominava a igreja de uma ponta a outra.
No
exato instante em que tais fatos sucederam, outros, mais graves, começaram a
convulsionar as ruas e a praça da matriz, para onde, aliás, já haviam corrido,
apavorados, algumas pessoas da igreja. Estranho fenômeno estava deixando todo
mundo de cara voltada para cima, olhos arregalados, boca aberta. Umas grandes
listras de fumaça branca riscavam de norte a sul o céu de Serra Nova. Que
danado seria aquilo? As listras estiravam-se paralelas no meio do azul, faziam
curvas e até davam cambalhotas.
- Arma secreta da Rússia – opinou o sapateiro
Ferreirinha, sempre do contra, pois a opinião geral era de que aquilo só podia
ser sinal do que o fim do mundo era chegado.
Rebuliço na praça que nem em dia de festa.
Gente correndo, se atropelando, o estouro da boiada. Mulheres com ataques de
histerias. Valentões pedindo penico. Crianças aos berros. E um chororô, um coro
de lamentações sem fim. O medo, o medo. Medo espalhado no ar, como algo
pestilento.
- O mundo não acabou, mas foi um dia de
Juízo, isso foi. Eu vi cada cena, cada arrumação, que nunca hei de esquecer
enquanto vivo for. Você sabe aquela doida, coitada, tão moça e tão bonita, que
vivia nua trancada num quarto na casa dos pais? Pois bem, esqueceram de fechar
a porta do quarto dela, nuinha como estava, saiu correndo, desembestada, pelo
meio da rua, cada pinote, cada grito feio que só vendo.
Menino, apareceram muitos pobres naquele dia.
Dona Carmem, lembra-se dela?, vivia botando chifres no marido, o pobre de seus
Anastácio, homem direito está ali, pois ela se ajoelhou aos pés dele, Anastácio
me perdoe, eu sou uma perdida, mas só amo você, só você, só você, juro que
nunca amei outro. Foi uma cena muito bonita aquela. Seu Anastácio também
chorou, os dois se abraçaram para morrer juntos. Na hora eu até me lembrei
drama que passou, uma vez no circo, o artista no fim dizia, chega me arrepiava
todo “E assim o céu uniu dois corações”.
Engraçado foi Inocêncio sacristão. Inocêncio
correu feito louco atrás de Padre Frederico, querendo por fim da força se
confessar; tinha um pecado – gritava, aflito-
que nunca havia dito nem no confessionário. “Ai, que se eu não encontro
o padre vou direto para o inferno. Meu Jesus, misericórdia! Desde menino eu
tenho esse pecado escondido.”
E Nezim da Camboa? De uma hora para outra
virou mão aberta, mandou chamar, correndo, os moradores do sítio, queria dar a
cada um deles uma casa com quintal e uma vaca parida. Mas, me diga uma coisa,
quem danado queria nada disso no dia de juízo? Um cabra mais atrevido disse:
“Ah! Seu Nezim, vosmecê, podre de rico, passou a vida escachado na gente,
chupando o tutano de nós, e agora ninguém quer nada, não. Agradecido. Daqui a
pouco vosmecê vai ajustar as contas com Deus.
Menino, um dia eu vou ter muita coisa para
contar aos meus netos.
Como oráculo local em questões de suma
sapiência, Dr. Aristóteles foi consultado a respeito das listas por uma
comissão de homens bons.
Grave e professoral, o velho deitou a
falação:
- Na história da humanidade assinalaram-se dois
fenômenos sobrenaturais analógicos a esse que ora se nos depara. O primeiro
constitui-se no terrível análogo tema- MENE, TEQUEL, UFARSIN – em letras de
fogo por mão misteriosa na parede do palácio do rei Belsazar, em meio a
herético banquete. Já o segundo fenômeno representou-se no aviso divino, dado
ao imperador Constantino através das ígneas palavras – IN HOC SIGNO VINCES- no
céu gravadas, em letras da simbólica cruz, aos olhos atômicos do soberano
guerreiro.
E concluiu, dogmático:
- Pelas circunstâncias extraordinárias de que
tais fenômenos de revestem, parece-me que as listas em tela são prenúncios de
hecatombe, quiçá do apocalipse.
E o velho ainda disse, com ar melancólico:
- Todavia, tal parafernália (sic) pouco se me
dá. Estou velho e minha única esperança jaz sob sete palmos de terra.
Magister
dixit.
- Mamãe, eu vi um avião na ponta da listra,
bem pequeninho.
- Besteira, menino. Quem já viu avião
soltando fumaça? Você está crescido, precisa tomar mais cuidado com o que diz.
Venha rezar com a gente.
Quando a noite caiu, cheia de presságios,
Serra Nova toda, apinhada em frente à matriz, respondia a ladainha tirada pelo
Padre Frederico , enquanto o final dos tempos não vinha. Grande fila formou-se
para a confissão. Beatas altercavam por um lugar na fila. Algumas delas
trocavam desaforos, foram às tapas. “isto era demais” – pensou Padre Frederico.
Aquele dia enchera-lhe as medidas. Para nunca mais. Um inferno. E foi o seu
último pensamento. Ainda no confessionário, sentiu-se mal. Levado às pressas
para o posto de saúde, no caminho disse para Inocêncio que o socorreu:
- Chega, me acuda, tem um açude arrombando
dentro de mim.
E num fio de voz, aflito:
- Não esqueça de botar água na gaiola do
canário.
Nada mais disse, porque se apagou “como um
passarinho”- para usar a expressão de Inocêncio”.
No velório – todos comentaram – não tinha
cara de defunto, parecia estar dormindo.
Para ele, sim, o mundo se acabou.
ONOFRE
JR., Manoel. Chão dos Simples.
Mossoró: Sarau das Letras, 2014.
Humor e criatividade na prosa
norte-rio-grandense: A criação do cômico a partir da leitura do conto “Dia de
Juízo” de Manoel Onofre Jr.
Introdução
DIA DE JUÍZO
Isto
que estou dizendo
Eu
tenho certeza plena
Porque
Padre Cícero disse:
Em
sessenta o chão empena
O
mundo vai arrochar
E
nesse tempo vão dançar
O
chumbrego da morena.
(“O Fim do Mundo Está
Próximo”- Manoel Tomaz de Assis, cantador e poeta popular)
Antes de começar o sermão da missa das sete-
a mais frequentada dos domingos – Padre Frederico fez uma advertência aos eu
rebanho: não se deixem iludir pelas falsas profecias desse folheto que estava
sendo vendido na feira. Era coisa de satanás. Invenção do cantador Né Quixaba
para enganar o povo. Nosso Senhor, em sua imensa bondade, não iria acabar o
mundo, sem antes nos dar avisos, pois Ele quer que as almas transviadas tenham
tempo de se regenerar, voltando ao aprisco. Portanto, minhas irmãs, ficar
tranquilos e confiantes em Deus.
Padre Frederico era o vigário de Serra Nova
há alguns anos. Magro, alto e vermelho como convém a todo padre de origem
alemã. Ele gostava de descompor do alto do púlpito as mulheres, que com seus
vestidos sem manga, transgrediam a recomendação afixada na porta do tempo:
MORAL E DECORO NA CASA DO SENHOR. Mas, certa vez, ao dizer “Orate frates”, notou entre o negrume de
mantilhas umas daquelas transgressoras e disse, ríspido, deixando no ar o gesto
litúrgico: - A senhora aí, retire-se!
Houve choro e ranger de dentes, como na
Bíblia.
O povo tolerava esta e outras besteiras de
padre Frederico, porque, inclusive, já tinha conta de tradição local. O velho
sacerdote escondia - segundo a expressão Maria Anunciada- “um coração de ouro”.
Além disso não puxava o saco da mulher do coronel Sinhô, como o vigário
anterior, e nem metia-se em porres de vinho e coisas menos bem-vistas, como Pe.
Ananias, de Boa Esperança.
Estava muito velho Padre Frederico. Naquela
idade, bem podia fazer que Padre Carlos, cuja ocupação na vida era sair de casa
em casa oferecendo Almanaque Ecos Marianos e folhinhas do sagrado coração de
Jesus.
Mas, como se ia dizendo: velho, Padre
Frederico sujeitava-se a certos vexames no desempenho do ofício de sacerdote.
Suas missas, ultimamente, não eram lá missas muito aprumadas. Às vezes,
celebrando, ele saltava trechos confundia-os.
Na primeira missa daquele sábado de aleluia,
Serra Nova em peso compareceu à igreja matriz. Não era todo dia que tinha missa
cantada e, ainda mais, acompanhada pela banda de música, sob a batuta do
maestro Janjão. Padre Frederico era o celebrante, vistoso nos paramentos
amarelos. Os santos do altar, despidos do roxo da paixão, mostravam-se como que
mais alegres. Em tudo transparecia um ar de festa: nas réstias do sol, nos
sorrisos de Maria, no dourado do sacrário, nos vitrais coloridos.
- Dominus
vobiscum.
- Et cum spiritu tuo – respondia o sacristão
Inocêncio.
- Amém.
Corre ali no sertão uma crendice de que, se o
padre, na missa da aleluia, não achar a dita aleluia, acontecerá o Juízo Final.
“Achar a aleluia”, isto é, ver no missal a palavra símbolo da ressurreição, o
que se dá, segundo o ritual católico, logo após a queda do celebrante, a figura
desse estendia sobre os degraus do altar, a significar humildade. Pois bem,
naquela missa, no momento da queda, Padre Frederico postou-se, dramático, mais
nada de levantar-se. Os fiéis já inquietos. Boatos surgindo em sussurros: “Ele
não achou a aleluia, valha-nos Deus”. Quando se verificou que o padre estava
apenas cochilando, a histeria já dominava a igreja de uma ponta a outra.
No
exato instante em que tais fatos sucederam, outros, mais graves, começaram a
convulsionar as ruas e a praça da matriz, para onde, aliás, já haviam corrido,
apavorados, algumas pessoas da igreja. Estranho fenômeno estava deixando todo
mundo de cara voltada para cima, olhos arregalados, boca aberta. Umas grandes
listras de fumaça branca riscavam de norte a sul o céu de Serra Nova. Que
danado seria aquilo? As listras estiravam-se paralelas no meio do azul, faziam
curvas e até davam cambalhotas.
- Arma secreta da Rússia – opinou o sapateiro
Ferreirinha, sempre do contra, pois a opinião geral era de que aquilo só podia
ser sinal do que o fim do mundo era chegado.
Rebuliço na praça que nem em dia de festa.
Gente correndo, se atropelando, o estouro da boiada. Mulheres com ataques de
histerias. Valentões pedindo penico. Crianças aos berros. E um chororô, um coro
de lamentações sem fim. O medo, o medo. Medo espalhado no ar, como algo
pestilento.
- O mundo não acabou, mas foi um dia de
Juízo, isso foi. Eu vi cada cena, cada arrumação, que nunca hei de esquecer
enquanto vivo for. Você sabe aquela doida, coitada, tão moça e tão bonita, que
vivia nua trancada num quarto na casa dos pais? Pois bem, esqueceram de fechar
a porta do quarto dela, nuinha como estava, saiu correndo, desembestada, pelo
meio da rua, cada pinote, cada grito feio que só vendo.
Menino, apareceram muitos pobres naquele dia.
Dona Carmem, lembra-se dela?, vivia botando chifres no marido, o pobre de seus
Anastácio, homem direito está ali, pois ela se ajoelhou aos pés dele, Anastácio
me perdoe, eu sou uma perdida, mas só amo você, só você, só você, juro que
nunca amei outro. Foi uma cena muito bonita aquela. Seu Anastácio também
chorou, os dois se abraçaram para morrer juntos. Na hora eu até me lembrei
drama que passou, uma vez no circo, o artista no fim dizia, chega me arrepiava
todo “E assim o céu uniu dois corações”.
Engraçado foi Inocêncio sacristão. Inocêncio
correu feito louco atrás de Padre Frederico, querendo por fim da força se
confessar; tinha um pecado – gritava, aflito-
que nunca havia dito nem no confessionário. “Ai, que se eu não encontro
o padre vou direto para o inferno. Meu Jesus, misericórdia! Desde menino eu
tenho esse pecado escondido.”
E Nezim da Camboa? De uma hora para outra
virou mão aberta, mandou chamar, correndo, os moradores do sítio, queria dar a
cada um deles uma casa com quintal e uma vaca parida. Mas, me diga uma coisa,
quem danado queria nada disso no dia de juízo? Um cabra mais atrevido disse:
“Ah! Seu Nezim, vosmecê, podre de rico, passou a vida escachado na gente,
chupando o tutano de nós, e agora ninguém quer nada, não. Agradecido. Daqui a
pouco vosmecê vai ajustar as contas com Deus.
Menino, um dia eu vou ter muita coisa para
contar aos meus netos.
Como oráculo local em questões de suma
sapiência, Dr. Aristóteles foi consultado a respeito das listas por uma
comissão de homens bons.
Grave e professoral, o velho deitou a
falação:
- Na história da humanidade assinalaram-se dois
fenômenos sobrenaturais analógicos a esse que ora se nos depara. O primeiro
constitui-se no terrível análogo tema- MENE, TEQUEL, UFARSIN – em letras de
fogo por mão misteriosa na parede do palácio do rei Belsazar, em meio a
herético banquete. Já o segundo fenômeno representou-se no aviso divino, dado
ao imperador Constantino através das ígneas palavras – IN HOC SIGNO VINCES- no
céu gravadas, em letras da simbólica cruz, aos olhos atômicos do soberano
guerreiro.
E concluiu, dogmático:
- Pelas circunstâncias extraordinárias de que
tais fenômenos de revestem, parece-me que as listas em tela são prenúncios de
hecatombe, quiçá do apocalipse.
E o velho ainda disse, com ar melancólico:
- Todavia, tal parafernália (sic) pouco se me
dá. Estou velho e minha única esperança jaz sob sete palmos de terra.
Magister
dixit.
- Mamãe, eu vi um avião na ponta da listra,
bem pequeninho.
- Besteira, menino. Quem já viu avião
soltando fumaça? Você está crescido, precisa tomar mais cuidado com o que diz.
Venha rezar com a gente.
Quando a noite caiu, cheia de presságios,
Serra Nova toda, apinhada em frente à matriz, respondia a ladainha tirada pelo
Padre Frederico , enquanto o final dos tempos não vinha. Grande fila formou-se
para a confissão. Beatas altercavam por um lugar na fila. Algumas delas
trocavam desaforos, foram às tapas. “isto era demais” – pensou Padre Frederico.
Aquele dia enchera-lhe as medidas. Para nunca mais. Um inferno. E foi o seu
último pensamento. Ainda no confessionário, sentiu-se mal. Levado às pressas
para o posto de saúde, no caminho disse para Inocêncio que o socorreu:
- Chega, me acuda, tem um açude arrombando
dentro de mim.
E num fio de voz, aflito:
- Não esqueça de botar água na gaiola do
canário.
Nada mais disse, porque se apagou “como um
passarinho”- para usar a expressão de Inocêncio”.
No velório – todos comentaram – não tinha
cara de defunto, parecia estar dormindo.
Para ele, sim, o mundo se acabou.
ONOFRE
JR., Manoel. Chão dos Simples.
Mossoró: Sarau das Letras, 2014.
Humor e criatividade na prosa
norte-rio-grandense: A criação do cômico a partir da leitura do conto “Dia de
Juízo” de Manoel Onofre Jr.
Introdução
Pouco
se sabe e quase nada se divulga sobre a literatura norte-riograndense. Na
academia, até mesmo aqueles que se propõe estudar sobre literatura regional, existe
uma predileção por autores e obras já consagrados pelo Cânone literário e nossa literatura quase não possui nenhuma
representatividade. Nossa prosa ainda é muito tímida em relação poesia que
sempre teve maior expressividade tanto no estado como fora dele. A ficção
contista potiguar, por exemplo, ainda é desconhecida do público e pouco se
escreveu sobre ela. Configura-se como um campo minado esperando ser explorado
por estudiosos e pesquisadores que se interessem por literatura norte-riograndense
e deseja descobrir o poder estético oriundo da ficção contista local.
Este
artigo nasce no intuito de contribuir com esses estudos e revelar a qualidade
literária existente na ficção contista potiguar a partir das principais teorias
de humor que já fomentaram reflexões sobre obras de escritores já consagrados
pelo Cânone. Nesse propósito, optamos
por analisar a obra ficcional do autor norte-riograndense Manoel Onofre Jr.
Para tanto, utilizaremos como recorte o conto “dia do Juízo” do livro “Chão dos
Simples” que teve sua edição comemorativa de 30 anos em 2014.
O
livro destaca-se como uma obra regionalista e numa concepção revisada do termo
visa superar o regionalismo apenas como período em que escritores escreviam
sobre temas sociais. Também não pode ser
entendido apenas como uma manifestação local ligado apenas a costumes, vícios
ou formas de falar de uma região. Aqui o regionalismo ganha status de moderno e,
portanto, pode ser entendido, a partir de estudos mais recentes, como universal
na medida em que o local, aqui representado pela linguagem, costumes, refletem
aspectos inerentes ao próprio ser humano, ou seja, experiências capazes de se
repetir em qualquer lugar do mundo.
O
conto está na página 89 a 96 do livro e narra uma situação trágico-cômica que
aconteceu 1969 com os moradores de Serra Nova, uma pequena cidade no interior
do Rio Grande do Norte. A narrativa apresenta um narrador onisciente que parece
relembrar o que aconteceu tempos depois de vivenciar os fatos narrados. Se
posicionando como morador da cidade e conhecedor da cultura e dos problemas
daquele lugarejo, o narrador de Dia de Juízo revela para o leitor alguns
aspectos da natureza de caráter de seus habitantes. A narrativa apresenta uma
ordem cronológica dos fatos e destaca um conflito desencadeado por uma crendice
popular de que o mundo se acabaria naquele ano, fato que provoca uma comoção e
uma agitação entre os moradores da cidade. Para intervir nessa situação, o
pároco local, mantenedor da ordem, e mais esclarecido do que a maioria das
pessoas daquela cidade procura aplanar suas inquietações, utilizando para isso o
púlpito da igreja para combater essas crendices populares. Nesse contexto, o
esforço do padre parece ser em vão, pois para a maioria, ele estaria idoso e
esclerosado e por isso preferem dar ouvidos ao um pseudo-sábio Dr. Aristóteles
que parece reforçar a crendice popular que o mundo estaria acabando.
O
conflito tem início com o aparecimento de uma nuvem de fumaça que se espalha
nos céus da cidade de Serra Nova. Esse fato desencadeia uma sequência de situações
trágico-cômicas vivenciadas pelas personagens durante aquele dia, gerando comoção
e agitação entre os moradores. O desespero torna-se tão grande que nas palavras
de Onofre (2014) é possível “ouvir o estouro da boiada”, “pessoas se atropelando”,
“mulheres com ataque de histeria”, “valentões pedindo penico” e “crianças aos
berros”. No meio da confusão, uma louca que vivia trancada num quarto sai totalmente
nua no meio rua; uma mulher conhecida popularmente como dona Carmem suplica o perdão
ao marido Anastácio confessando sua traição; Inocêncio, o sacristão, fica
desesperado à procura do padre para confessar seus pecados; Nezim de Camboa que
era conhecido como “mão de vaca” de repente começa a ser gentil com as outras
pessoas; pessoas desesperadas consultam o velho Dr. Aristóteles que interpreta aquele
fenômeno natural como um sinal de que o dia do juízo final havia chegado. O
conto se encerra com morte do padre Frederico que tentando acalmar confusão
acaba passando mal e morrendo sob os cuidados do sacristão Inocêncio.
Nesse
conto, objetivamos entender todas as formas como o riso pode se manifestar em
suas variadas formas e matizes. Para tanto, faz-se necessário contextualizar, a
partir dos estudos Alberti (1999), as manifestações do risível no pensamento e
na história a partir dos filósofos gregos como Platão, Aristóteles e latinos como Cícero e Quintiliano, bem como
o pensamento medieval e moderno a partir dos estudos sobre o riso presente na
teoria carnavalização de Bakhtin (2013) e do cômico presente na teoria de Bérgson
(1983).
Pouco
se sabe e quase nada se divulga sobre a literatura norte-riograndense. Na
academia, até mesmo aqueles que se propõe estudar sobre literatura regional, existe
uma predileção por autores e obras já consagrados pelo Cânone literário e nossa literatura quase não possui nenhuma
representatividade. Nossa prosa ainda é muito tímida em relação poesia que
sempre teve maior expressividade tanto no estado como fora dele. A ficção
contista potiguar, por exemplo, ainda é desconhecida do público e pouco se
escreveu sobre ela. Configura-se como um campo minado esperando ser explorado
por estudiosos e pesquisadores que se interessem por literatura norte-riograndense
e deseja descobrir o poder estético oriundo da ficção contista local.
Este
artigo nasce no intuito de contribuir com esses estudos e revelar a qualidade
literária existente na ficção contista potiguar a partir das principais teorias
de humor que já fomentaram reflexões sobre obras de escritores já consagrados
pelo Cânone. Nesse propósito, optamos
por analisar a obra ficcional do autor norte-riograndense Manoel Onofre Jr.
Para tanto, utilizaremos como recorte o conto “dia do Juízo” do livro “Chão dos
Simples” que teve sua edição comemorativa de 30 anos em 2014.
O
livro destaca-se como uma obra regionalista e numa concepção revisada do termo
visa superar o regionalismo apenas como período em que escritores escreviam
sobre temas sociais. Também não pode ser
entendido apenas como uma manifestação local ligado apenas a costumes, vícios
ou formas de falar de uma região. Aqui o regionalismo ganha status de moderno e,
portanto, pode ser entendido, a partir de estudos mais recentes, como universal
na medida em que o local, aqui representado pela linguagem, costumes, refletem
aspectos inerentes ao próprio ser humano, ou seja, experiências capazes de se
repetir em qualquer lugar do mundo.
O
conto está na página 89 a 96 do livro e narra uma situação trágico-cômica que
aconteceu 1969 com os moradores de Serra Nova, uma pequena cidade no interior
do Rio Grande do Norte. A narrativa apresenta um narrador onisciente que parece
relembrar o que aconteceu tempos depois de vivenciar os fatos narrados. Se
posicionando como morador da cidade e conhecedor da cultura e dos problemas
daquele lugarejo, o narrador de Dia de Juízo revela para o leitor alguns
aspectos da natureza de caráter de seus habitantes. A narrativa apresenta uma
ordem cronológica dos fatos e destaca um conflito desencadeado por uma crendice
popular de que o mundo se acabaria naquele ano, fato que provoca uma comoção e
uma agitação entre os moradores da cidade. Para intervir nessa situação, o
pároco local, mantenedor da ordem, e mais esclarecido do que a maioria das
pessoas daquela cidade procura aplanar suas inquietações, utilizando para isso o
púlpito da igreja para combater essas crendices populares. Nesse contexto, o
esforço do padre parece ser em vão, pois para a maioria, ele estaria idoso e
esclerosado e por isso preferem dar ouvidos ao um pseudo-sábio Dr. Aristóteles
que parece reforçar a crendice popular que o mundo estaria acabando.
O
conflito tem início com o aparecimento de uma nuvem de fumaça que se espalha
nos céus da cidade de Serra Nova. Esse fato desencadeia uma sequência de situações
trágico-cômicas vivenciadas pelas personagens durante aquele dia, gerando comoção
e agitação entre os moradores. O desespero torna-se tão grande que nas palavras
de Onofre (2014) é possível “ouvir o estouro da boiada”, “pessoas se atropelando”,
“mulheres com ataque de histeria”, “valentões pedindo penico” e “crianças aos
berros”. No meio da confusão, uma louca que vivia trancada num quarto sai totalmente
nua no meio rua; uma mulher conhecida popularmente como dona Carmem suplica o perdão
ao marido Anastácio confessando sua traição; Inocêncio, o sacristão, fica
desesperado à procura do padre para confessar seus pecados; Nezim de Camboa que
era conhecido como “mão de vaca” de repente começa a ser gentil com as outras
pessoas; pessoas desesperadas consultam o velho Dr. Aristóteles que interpreta aquele
fenômeno natural como um sinal de que o dia do juízo final havia chegado. O
conto se encerra com morte do padre Frederico que tentando acalmar confusão
acaba passando mal e morrendo sob os cuidados do sacristão Inocêncio.
Nesse
conto, objetivamos entender todas as formas como o riso pode se manifestar em
suas variadas formas e matizes. Para tanto, faz-se necessário contextualizar, a
partir dos estudos Alberti (1999), as manifestações do risível no pensamento e
na história a partir dos filósofos gregos como Platão, Aristóteles e latinos como Cícero e Quintiliano, bem como
o pensamento medieval e moderno a partir dos estudos sobre o riso presente na
teoria carnavalização de Bakhtin (2013) e do cômico presente na teoria de Bérgson
(1983).
O riso e o risível em
Platão
Para
entender o pensamento de Platão sobre o riso é preciso entender que o riso
existe pela existência tanto do risível como daquele que ri. Em O riso e o risível na história do pensamento, Alberti (1999) demonstra que
para entender o riso em Platão é preciso focar nas categorias de risível que
ele apresenta em obras como Filebo e A república. O autor desse estudo exemplifica,
a partir de um diálogo que Sócrates tem com o jovem Filebo, que o risível é
definido como um vício que se opõe diretamente ao oráculo de Delfos. Nas palavras
de Sócrates, o risível, portanto, revela então o total desconhecimento que o
objeto de risível tem de si próprio, ou seja, a ilusão que ele alimenta de si
mesmo. Alberti (1999), a partir dessa definição de Sócrates, demonstra que
aquele que se torna objeto do risível alimenta uma ilusão de si mesmo em
relação a sua fortuna (Acredita que mais
rico do que realmente é), ao físico (acreditam
que são mais belos do que são) e a virtude (quando julgam a possuir mais do que realmente possui). Nessa
concepção, o risível seria aquele que sendo fraco, se imagina “mais sábio, mais
belo, mais rico, mais virtuoso do que efetivamente é”.
Alberti
(1999) ainda demonstra que no diálogo que Sócrates teve com o jovem Filebo, o
filósofo não procurou destacar apenas as categorias do risível, mas passou a
discutir também sobre aquele que ri. O risível, nesse caso, surge como a vítima
da inveja dos amigos que passam a rir de suas fraquezas que imagina não ter.
Nessa concepção, Alberti (1999) exemplifica que “quando rimos de nossos amigos
fracos que se desconhecem, misturamos o riso à inveja, o prazer à dor”.
O
que se conclui de Filebo é uma
existência de “uma condenação moral tanto do risível (os mais fracos) quanto
daquele que ri (os amigos), porque mistura a inveja ao riso”
De
acordo Alberti (1999), se em Filebo o
riso e o risível aparecem como condenação ética do risível e daquele que ri, em
A república Platão passa a entender
essa categoria a partir de uma dimensão filosófica, pois diferente da poesia
que representa “a aparência das coisas” (paixões da alma, excessos), a
filosofia produz o verdadeiro “conhecimento” (razão, moderação, equilíbrio).
Segundo
Alberti (1999), o que se conclui da teoria que Platão é uma concepção negativa
do riso e do risível em que a filosofia se configura “como prazer puro e única
forma de apreensão da verdade, em oposição à ilusão características das paixões.
O riso e o risível seriam prazeres falsos, experimentados pela multidão
medíocres de homens privados da razão”.
Para
entender o pensamento de Platão sobre o riso é preciso entender que o riso
existe pela existência tanto do risível como daquele que ri. Em O riso e o risível na história do pensamento, Alberti (1999) demonstra que
para entender o riso em Platão é preciso focar nas categorias de risível que
ele apresenta em obras como Filebo e A república. O autor desse estudo exemplifica,
a partir de um diálogo que Sócrates tem com o jovem Filebo, que o risível é
definido como um vício que se opõe diretamente ao oráculo de Delfos. Nas palavras
de Sócrates, o risível, portanto, revela então o total desconhecimento que o
objeto de risível tem de si próprio, ou seja, a ilusão que ele alimenta de si
mesmo. Alberti (1999), a partir dessa definição de Sócrates, demonstra que
aquele que se torna objeto do risível alimenta uma ilusão de si mesmo em
relação a sua fortuna (Acredita que mais
rico do que realmente é), ao físico (acreditam
que são mais belos do que são) e a virtude (quando julgam a possuir mais do que realmente possui). Nessa
concepção, o risível seria aquele que sendo fraco, se imagina “mais sábio, mais
belo, mais rico, mais virtuoso do que efetivamente é”.
Alberti
(1999) ainda demonstra que no diálogo que Sócrates teve com o jovem Filebo, o
filósofo não procurou destacar apenas as categorias do risível, mas passou a
discutir também sobre aquele que ri. O risível, nesse caso, surge como a vítima
da inveja dos amigos que passam a rir de suas fraquezas que imagina não ter.
Nessa concepção, Alberti (1999) exemplifica que “quando rimos de nossos amigos
fracos que se desconhecem, misturamos o riso à inveja, o prazer à dor”.
O
que se conclui de Filebo é uma
existência de “uma condenação moral tanto do risível (os mais fracos) quanto
daquele que ri (os amigos), porque mistura a inveja ao riso”
De
acordo Alberti (1999), se em Filebo o
riso e o risível aparecem como condenação ética do risível e daquele que ri, em
A república Platão passa a entender
essa categoria a partir de uma dimensão filosófica, pois diferente da poesia
que representa “a aparência das coisas” (paixões da alma, excessos), a
filosofia produz o verdadeiro “conhecimento” (razão, moderação, equilíbrio).
Segundo
Alberti (1999), o que se conclui da teoria que Platão é uma concepção negativa
do riso e do risível em que a filosofia se configura “como prazer puro e única
forma de apreensão da verdade, em oposição à ilusão características das paixões.
O riso e o risível seriam prazeres falsos, experimentados pela multidão
medíocres de homens privados da razão”.
O riso e o risível em Aristóteles
Alberti
(1999) compara as teorias de Platão as de Aristóteles e conclui que diferente de
Platão, Aristóteles defende a poesia como uma atividade filosófica. O filósofo,
para desenvolver sua teoria, compara a poesia a crônica. Esta, numa perspectiva
histórica, tende a revelar o que realmente aconteceu e já aquela ‘não diz o que
aconteceu realmente, mas o que poderia ter acontecido na ordem do verossímil ou
do necessário’. Nesse sentido, Aristóteles “reconhece na comédia o atributo de
revelar o caráter universal da poesia”. Como exemplo, ele cita a comédia que é
“o modelo mais acabado da história construída a partir do verossímil”,
distanciando-se do pensamento de Platão que ligava a comédia e o cômico a
valores negativos “experimentados pela multidão medíocres de homens privados da
razão”.
Alberti
(1999) procurou analisar ainda, a partir do que o filósofo coloca sobre o
cômico na primeira parte da obra A
Poética, a relação entre comédia
e tragédia, demonstrando que o
personagem, diferente de Platão em que o cômico se dá por negação ao trágico,
“não seria horrivelmente punido, o que se ajuda, aliás, à definição de defeito
ou torpeza que não causa dor nem destruição”.
Alberti (1999) conclui que do mesmo modo em que em Platão “o cômico só
se verifica naqueles cujo desconhecimento de si não causa temor nem ódio”, em
Aristóteles “o objeto do riso é o que não causa temor nem ódio”, ou seja, “o
cômico é apenas parte do torpe que não causa dor nem destruição”.
Para
Aristóteles, o cômico se dá pela “representação de homens baixos” própria da
comédia (não-trágico), que diferente
da tragédia, tem como finalidade “representar as ações humanas baixas, ou mais
especificamente os personagens em ação piores do que nós”. Segundo Alberti
(1999), o ponto de divergência entre essas duas modalidades de representação
poética se dá pelo fato de que na tragédia as ações dos homens baixos causam
dor e destruição, enquanto na comédia não.
Aristóteles
ainda amplia seu pensamento sobre o riso, o filósofo aponta o homem como um
animal que se difere dos outros por sua capacidade de rir. Alberti (1999), ao
analisar o pensamento sobre o filósofo indica que, além de A Poética, Aristóteles pode também formular uma teoria sobre o
cômico ao escrever sobre oratória em A
retórica. No contexto da obra, o filósofo classifica o cômico em três
elementos: homens, discursos e atos. Nesse
contexto, o risível “adquire funções do discurso oratório” e é provocado pelas “coisas
agradáveis”, ou seja, no que produz prazer. É por meio do discurso que o orador
deve se tornar agradável para o público, ou seja, na capacidade que o orador
tem de suscitar “paixões” na alma do ouvinte. Para tanto, o filósofo menciona
alguns recursos estilísticos capazes de produzir esses efeitos, tornando o
discurso agradável àqueles que o ouvem. Para ele, “a palavra modificada pela
troca de letra produz um efeito diferente do esperado”, gerando assim o efeito
do risível (do cômico).
Alberti
(1999) compara as teorias de Platão as de Aristóteles e conclui que diferente de
Platão, Aristóteles defende a poesia como uma atividade filosófica. O filósofo,
para desenvolver sua teoria, compara a poesia a crônica. Esta, numa perspectiva
histórica, tende a revelar o que realmente aconteceu e já aquela ‘não diz o que
aconteceu realmente, mas o que poderia ter acontecido na ordem do verossímil ou
do necessário’. Nesse sentido, Aristóteles “reconhece na comédia o atributo de
revelar o caráter universal da poesia”. Como exemplo, ele cita a comédia que é
“o modelo mais acabado da história construída a partir do verossímil”,
distanciando-se do pensamento de Platão que ligava a comédia e o cômico a
valores negativos “experimentados pela multidão medíocres de homens privados da
razão”.
Alberti
(1999) procurou analisar ainda, a partir do que o filósofo coloca sobre o
cômico na primeira parte da obra A
Poética, a relação entre comédia
e tragédia, demonstrando que o
personagem, diferente de Platão em que o cômico se dá por negação ao trágico,
“não seria horrivelmente punido, o que se ajuda, aliás, à definição de defeito
ou torpeza que não causa dor nem destruição”.
Alberti (1999) conclui que do mesmo modo em que em Platão “o cômico só
se verifica naqueles cujo desconhecimento de si não causa temor nem ódio”, em
Aristóteles “o objeto do riso é o que não causa temor nem ódio”, ou seja, “o
cômico é apenas parte do torpe que não causa dor nem destruição”.
Para
Aristóteles, o cômico se dá pela “representação de homens baixos” própria da
comédia (não-trágico), que diferente
da tragédia, tem como finalidade “representar as ações humanas baixas, ou mais
especificamente os personagens em ação piores do que nós”. Segundo Alberti
(1999), o ponto de divergência entre essas duas modalidades de representação
poética se dá pelo fato de que na tragédia as ações dos homens baixos causam
dor e destruição, enquanto na comédia não.
Aristóteles
ainda amplia seu pensamento sobre o riso, o filósofo aponta o homem como um
animal que se difere dos outros por sua capacidade de rir. Alberti (1999), ao
analisar o pensamento sobre o filósofo indica que, além de A Poética, Aristóteles pode também formular uma teoria sobre o
cômico ao escrever sobre oratória em A
retórica. No contexto da obra, o filósofo classifica o cômico em três
elementos: homens, discursos e atos. Nesse
contexto, o risível “adquire funções do discurso oratório” e é provocado pelas “coisas
agradáveis”, ou seja, no que produz prazer. É por meio do discurso que o orador
deve se tornar agradável para o público, ou seja, na capacidade que o orador
tem de suscitar “paixões” na alma do ouvinte. Para tanto, o filósofo menciona
alguns recursos estilísticos capazes de produzir esses efeitos, tornando o
discurso agradável àqueles que o ouvem. Para ele, “a palavra modificada pela
troca de letra produz um efeito diferente do esperado”, gerando assim o efeito
do risível (do cômico).
O pensamento latino sobre o riso e o
risível
Assim como os filósofos gregos, os
filósofos latinos formularam um pensamento sobre o riso e o risível. Segundo
Alberti (1999), diferente de Aristóteles, que aponta para “oposição entre as
afeições próprias da tragédia e da comédia”, o filósofo latino Quintiliano enfatiza
a oposição entre os discursos do “sério” e do “não sério”. Para Quintiliano “o
discurso não-sério, trata-se de uma simulação evidente (fingimento)” que se
opõe aos “princípios racionais, da lógica e da verdade”. O filósofo cita, como
exemplo, “a desculpa, a atenuação ,
o procedimento e rebater uma brincadeira com outra e o rebater uma mentira com
outra, entender as palavras de forma diferente do que são ditas, deturpar o
sentido de um pensamento”.
Já Cícero, outro filósofo latino, não
concebe com ideia de fingimento e simulação de Quintiliano e sim com a
formulação que Aristóteles apresenta em A
Retórica em que o risível seria os “homens, discursos e atos”. No contexto
dessa teoria desenvolvida por Cícero, “os discursos e os atos” consistem no
fazer rir por meio de palavras e ações e os “homens” seria o risível, ou seja,
o objeto do riso capaz de estabelecer a divisão ente ele mesmo e os outros.
Assim como os filósofos gregos, os
filósofos latinos formularam um pensamento sobre o riso e o risível. Segundo
Alberti (1999), diferente de Aristóteles, que aponta para “oposição entre as
afeições próprias da tragédia e da comédia”, o filósofo latino Quintiliano enfatiza
a oposição entre os discursos do “sério” e do “não sério”. Para Quintiliano “o
discurso não-sério, trata-se de uma simulação evidente (fingimento)” que se
opõe aos “princípios racionais, da lógica e da verdade”. O filósofo cita, como
exemplo, “a desculpa, a atenuação ,
o procedimento e rebater uma brincadeira com outra e o rebater uma mentira com
outra, entender as palavras de forma diferente do que são ditas, deturpar o
sentido de um pensamento”.
Já Cícero, outro filósofo latino, não
concebe com ideia de fingimento e simulação de Quintiliano e sim com a
formulação que Aristóteles apresenta em A
Retórica em que o risível seria os “homens, discursos e atos”. No contexto
dessa teoria desenvolvida por Cícero, “os discursos e os atos” consistem no
fazer rir por meio de palavras e ações e os “homens” seria o risível, ou seja,
o objeto do riso capaz de estabelecer a divisão ente ele mesmo e os outros.
O pensamento medieval sobre o riso
Segundo Alberti (1999), no pensamento
medieval o riso não distingue o homem apenas de outros animais como observado em
Aristóteles, mas também de Deus. Para tanto tomam como modelo o próprio Jesus Cristo
que se distingue do homem comum por nunca ter rido. No contexto do pensamento
medieval, o riso corresponde “à felicidade das coisas terrenas e passageiras,
que fazia com que o homem esquecesse sua missão” e se opõe “a verdadeira
felicidade, aquela que atingia sua maior realização após a morte”. O risível,
portanto, era proibido porque fazia “parte do discurso superficial e inútil, de
que o homem devia prestar contas no juízo final”.
Segundo Alberti (1999), no pensamento
medieval o riso não distingue o homem apenas de outros animais como observado em
Aristóteles, mas também de Deus. Para tanto tomam como modelo o próprio Jesus Cristo
que se distingue do homem comum por nunca ter rido. No contexto do pensamento
medieval, o riso corresponde “à felicidade das coisas terrenas e passageiras,
que fazia com que o homem esquecesse sua missão” e se opõe “a verdadeira
felicidade, aquela que atingia sua maior realização após a morte”. O risível,
portanto, era proibido porque fazia “parte do discurso superficial e inútil, de
que o homem devia prestar contas no juízo final”.
O pensamento moderno sobre o riso: O
cômico nas teorias de Michael Bakhtin e do Francês Henri Bergson
Michael Bakhtin (2013), ao analisar a
obra de François Rabelais, demonstra que “o tom sério e exclusivo do riso”
caracterizava apenas “a cultura medieval oficial”. Segundo ele “O riso tinha
sido expurgado do culto religioso, do cerimonial feudal, da etiqueta e de todos
os gêneros da ideologia elevada”. Seus estudos ainda reforçam que “a riquíssima
cultura popular do riso na idade média viveu e desenvolveu-se fora da esfera
oficial da ideologia e da literatura elevada”.
Segundo Bakhtin (2013), durante mil anos
o riso existia apenas como manifestação extraoficial entre as camadas populares,
mas no Renascimento passa a ser incorporado à alta técnica literária através de
escritores como Shakespeare, Boccaccio, Cervantes e Rabelais.
Posteriormente, nos séculos XVII e XVIII,
o riso, mesmo livre das questões teológicas, estava muito ligado ao pensamento
medieval. O filósofo se referia a fenômenos negativos típicos da vida social
creditados à época. No pensamento dos séculos XVII e XVIII “O que é essencial
não pode ser cômico; a história e os homens que encaram (reis, chefes de
exércitos, heróis)”. Para a época, “O domínio do cômico é restrito e especifico
(vícios dos indivíduos e da sociedade); não se pode exprimir na linguagem do
riso a verdade primordial sobre o mundo e o homem”. Nessa concepção assim como
na medieval “apenas o tom sério é adequado”.
Na literatura se atribui ao riso um lugar entre os
gêneros menores, que descrevem a vida de indivíduos ou dos estratos mais baixos
da sociedade; o riso é um divertimento ligeiro, ou espécie de castigo útil que
a sociedade usa para os seres inferiores e corrompidos. (BACKTHIN, 2013).
Esse
apanhado histórico permite-nos encontrar uma explicação moderna sobre o Riso.
Dentro desse contexto, as contribuições do próprio Bakhtin, aliadas a de outros
pensadores do século XX como o Francês Henri Bergson, abrem caminhos para
compreensão desse assunto.
Bakhtin
(2013), ao apresentar o riso dentro do contexto das camadas populares na idade
média e no Renascimento, aponta os folguedos e as manifestações carnavalescas
como formas não oficiais do riso em que povo é representado o que rompe com a
ordem representativa dos reis, chefes de exércitos que intencionam perpetuar
ritos e valores da sociedade feudal. Nas contribuições de D'angeli e Paduano (2007), o cômico,
em Bakhtin, nada mais é do que “linguagem da praça pública” e exprime uma
concepção carnavalesca do mundo:
A oposição entre cultura popular entre e
cultura dominante é vista por Bakhtin em especial na festa do carnaval, de
origem medieval, que inverte os comportamentos e as hierarquias usuais e, em
uma antítese aos ritos sérios e religiosos, (D'ANGELI e PADUANO, 2007).
Se
Bakhtin procurou reconhecer que o riso, oriundo das manifestações populares
medievais, tinha uma “significação positiva,
regeneradora e criadora”, na teoria de Bergson (1983), nota-se uma distinção que o
filósofo faz entre o riso e o cômico. Nessa distinção, o riso associa-se a
“recuperação de valores e do equilíbrio social”, enquanto o cômico representa,
o que o riso representou no pensamento oficial medieval, desvios dos valores
positivos.
Em
relação ao Cômico, Bergson (1983) procura fazer a distinção entre o cômico das formas e o cômico das palavras. Ao discutir o
cômico das formas, o filósofo aponta para dois tipos de deformidades: física e
moral, em que a primeira tem implicação na segunda. A física pode se
manifestar, por exemplo, nas caricaturas e a moral em relação à profissão que
exerce. De certa forma Bergson (1983) aponta para um tipo de disfarce ou
máscara social que pode está explícita ou latente pela deformidade que
apresenta. Para tanto, cita como exemplo situações antagônicas como o caso de
pessoas modernas usando roupas de época em contraste com pessoas modernas
vestindo-se adequadamente ao período histórico em que vive. Em ambos os casos
evidencia o cômico, porque as roupas representam um disfarce que se evidencia
em menor ou maior grau. O mesmo acontece em relação o nariz do palhaço em contraste
a uma pessoa que fica com o nariz vermelho de tanto espirrar. Ambas as situações
são cômicas, porque o nariz vermelho tem, para efeito cômico, o mesmo valor que
o nariz do palhaço tem diante daqueles que o consideram engraçado.
Na
concepção de Bergson (1983), a comicidade surge na possibilidade de termos um
mecanismo vivo enrijecido. Na história e na literatura o cômico passa a existir
na possibilidade de uma pessoa passar a ser representada como coisa. Nesse
sentido, o filósofo aponta para uma espécie de rigidez e automatismo em que as pessoas passam agir como marionetes diante da
ordem social estabelecida, ou seja, substituem o comportamento “natural” pelo
“artificial”. O filósofo cita como exemplo algumas profissões que formatam
alguns tipos de comportamentos artificiais e que um pequeno desvio pode causar
o efeito cômico.
Conclui-se,
então, dessa teoria que as pessoas passam a usar máscaras para representar os
papéis que a mídia e sociedade determinada e acabam exercendo a função de
palhaço ou bobo da corte diante da ordem vigente.
As narrativas literárias, por exemplo,
tornam-se cômicas à medida que suas personagens passam agir como marionetes,
apresentando comportamentos artificiais e mecânicos. Essa condição marionetes exercida
pelas personagens, torna-se cômica a medida que esta se ignora. O cômico é inconsciente. Nas palavras de
Bergson (1983), ela “torna-se invisível para si mesmo ao torna-se visível para
todos”.
Tal reflexão converge com a teoria que
Platão apresenta em Filebo em que o
diálogo de Sócrates com o jovem Filebo demonstra que um personagem cômico passa
ser risível pelo desconhecimento de si próprio. Em Bergson (1983), aprendemos que
esse desconhecimento de si mesmo é revelado para o público, porque este passa a
ter controle da situação à medida que conhece aquilo que a personagem ignora.
Nesse contexto, o cômico aparece na
possibilidade de distração do espectador, pois a ele é dado alguns fios de
marionete, passando a controlar e prever os movimentos das personagens que
estavam condenados ao automatismo, gerando assim o prazer de quem as observa.
Michael Bakhtin (2013), ao analisar a
obra de François Rabelais, demonstra que “o tom sério e exclusivo do riso”
caracterizava apenas “a cultura medieval oficial”. Segundo ele “O riso tinha
sido expurgado do culto religioso, do cerimonial feudal, da etiqueta e de todos
os gêneros da ideologia elevada”. Seus estudos ainda reforçam que “a riquíssima
cultura popular do riso na idade média viveu e desenvolveu-se fora da esfera
oficial da ideologia e da literatura elevada”.
Segundo Bakhtin (2013), durante mil anos
o riso existia apenas como manifestação extraoficial entre as camadas populares,
mas no Renascimento passa a ser incorporado à alta técnica literária através de
escritores como Shakespeare, Boccaccio, Cervantes e Rabelais.
Posteriormente, nos séculos XVII e XVIII,
o riso, mesmo livre das questões teológicas, estava muito ligado ao pensamento
medieval. O filósofo se referia a fenômenos negativos típicos da vida social
creditados à época. No pensamento dos séculos XVII e XVIII “O que é essencial
não pode ser cômico; a história e os homens que encaram (reis, chefes de
exércitos, heróis)”. Para a época, “O domínio do cômico é restrito e especifico
(vícios dos indivíduos e da sociedade); não se pode exprimir na linguagem do
riso a verdade primordial sobre o mundo e o homem”. Nessa concepção assim como
na medieval “apenas o tom sério é adequado”.
Na literatura se atribui ao riso um lugar entre os
gêneros menores, que descrevem a vida de indivíduos ou dos estratos mais baixos
da sociedade; o riso é um divertimento ligeiro, ou espécie de castigo útil que
a sociedade usa para os seres inferiores e corrompidos. (BACKTHIN, 2013).
Esse
apanhado histórico permite-nos encontrar uma explicação moderna sobre o Riso.
Dentro desse contexto, as contribuições do próprio Bakhtin, aliadas a de outros
pensadores do século XX como o Francês Henri Bergson, abrem caminhos para
compreensão desse assunto.
Bakhtin
(2013), ao apresentar o riso dentro do contexto das camadas populares na idade
média e no Renascimento, aponta os folguedos e as manifestações carnavalescas
como formas não oficiais do riso em que povo é representado o que rompe com a
ordem representativa dos reis, chefes de exércitos que intencionam perpetuar
ritos e valores da sociedade feudal. Nas contribuições de D'angeli e Paduano (2007), o cômico,
em Bakhtin, nada mais é do que “linguagem da praça pública” e exprime uma
concepção carnavalesca do mundo:
A oposição entre cultura popular entre e
cultura dominante é vista por Bakhtin em especial na festa do carnaval, de
origem medieval, que inverte os comportamentos e as hierarquias usuais e, em
uma antítese aos ritos sérios e religiosos, (D'ANGELI e PADUANO, 2007).
Se
Bakhtin procurou reconhecer que o riso, oriundo das manifestações populares
medievais, tinha uma “significação positiva,
regeneradora e criadora”, na teoria de Bergson (1983), nota-se uma distinção que o
filósofo faz entre o riso e o cômico. Nessa distinção, o riso associa-se a
“recuperação de valores e do equilíbrio social”, enquanto o cômico representa,
o que o riso representou no pensamento oficial medieval, desvios dos valores
positivos.
Em
relação ao Cômico, Bergson (1983) procura fazer a distinção entre o cômico das formas e o cômico das palavras. Ao discutir o
cômico das formas, o filósofo aponta para dois tipos de deformidades: física e
moral, em que a primeira tem implicação na segunda. A física pode se
manifestar, por exemplo, nas caricaturas e a moral em relação à profissão que
exerce. De certa forma Bergson (1983) aponta para um tipo de disfarce ou
máscara social que pode está explícita ou latente pela deformidade que
apresenta. Para tanto, cita como exemplo situações antagônicas como o caso de
pessoas modernas usando roupas de época em contraste com pessoas modernas
vestindo-se adequadamente ao período histórico em que vive. Em ambos os casos
evidencia o cômico, porque as roupas representam um disfarce que se evidencia
em menor ou maior grau. O mesmo acontece em relação o nariz do palhaço em contraste
a uma pessoa que fica com o nariz vermelho de tanto espirrar. Ambas as situações
são cômicas, porque o nariz vermelho tem, para efeito cômico, o mesmo valor que
o nariz do palhaço tem diante daqueles que o consideram engraçado.
Na
concepção de Bergson (1983), a comicidade surge na possibilidade de termos um
mecanismo vivo enrijecido. Na história e na literatura o cômico passa a existir
na possibilidade de uma pessoa passar a ser representada como coisa. Nesse
sentido, o filósofo aponta para uma espécie de rigidez e automatismo em que as pessoas passam agir como marionetes diante da
ordem social estabelecida, ou seja, substituem o comportamento “natural” pelo
“artificial”. O filósofo cita como exemplo algumas profissões que formatam
alguns tipos de comportamentos artificiais e que um pequeno desvio pode causar
o efeito cômico.
Conclui-se,
então, dessa teoria que as pessoas passam a usar máscaras para representar os
papéis que a mídia e sociedade determinada e acabam exercendo a função de
palhaço ou bobo da corte diante da ordem vigente.
As narrativas literárias, por exemplo,
tornam-se cômicas à medida que suas personagens passam agir como marionetes,
apresentando comportamentos artificiais e mecânicos. Essa condição marionetes exercida
pelas personagens, torna-se cômica a medida que esta se ignora. O cômico é inconsciente. Nas palavras de
Bergson (1983), ela “torna-se invisível para si mesmo ao torna-se visível para
todos”.
Tal reflexão converge com a teoria que
Platão apresenta em Filebo em que o
diálogo de Sócrates com o jovem Filebo demonstra que um personagem cômico passa
ser risível pelo desconhecimento de si próprio. Em Bergson (1983), aprendemos que
esse desconhecimento de si mesmo é revelado para o público, porque este passa a
ter controle da situação à medida que conhece aquilo que a personagem ignora.
Nesse contexto, o cômico aparece na
possibilidade de distração do espectador, pois a ele é dado alguns fios de
marionete, passando a controlar e prever os movimentos das personagens que
estavam condenados ao automatismo, gerando assim o prazer de quem as observa.
Dia de Juízo: A criação do cômico em
Manoel Onofre Jr.
A
criação do cômico em “dia de Juízo” se dá pela relação de antagonismo existente
no conto. No conto nós temos algumas situações que representam o discurso do
sério, da rigidez social e da ordem natural das coisas em oposição aos fatos
que representam a inversão dessa ordem.
É
possível observar, nesse conto, um processo carnavalização que vai de encontro
à ordem vigente daquele espaço narrativo mencionado no conto. Esse processo
acontece porque assim como temos um ano inteiro em que as pessoas agem pelo
convencionalismo ou rigidez social, procurando manter o discurso do sério, é
durante o carnaval que ele pode extravasar e romper com essa ordem.
No
conto Dia de Juízo, o rompimento dessa ordem se deu em oposição ao que vinha
acontecendo o ano inteiro. No contexto teoria de Bergson (1983), os moradores
tiveram um ano inteiro formatados num comportamento artificial e mecanizado e
naquele dia pode agir de forma natural e espontânea. Como acontece na maioria
do ano em que as pessoas vivem de aparência, assim foi a cidade durante aquele
ano de 1969. Naquele dia, porém, os moradores puderam revelar quem realmente
eles eram. Aqueles que se declaram os valentões passaram a “pedir penico”; Dona
Carmem que passara o ano inteiro como mulher piedosa e devota na igreja,
naquele dia, confessa sua traição ao marido; Nezim da Camboa que durante o ano
não havia dado uma esmola a ninguém, de repente, naquele dia, começa a gentil
com os outros moradores; por fim, a louca que havia ficado presa todo o ano sem
perturbar a ordem da cidade, naquele dia, pode ter finalmente sua liberdade.
O
maior antagonismo se estabelece no conto seria o antagonismo das personagens e
aqui em particular gostaria de destacar o Padre Frederico e o Dr. Aristóteles.
Essa relação se estabelece primeiramente pelo antagonismo dos nomes que no caso
do padre não parece passar muita credibilidade. Federico não é um nome que
inspira confiança. O efeito cômico sobre o sacerdote se dá exatamente pelo o
fato de seu nome desconstruir o discurso do sério e da rigidez moral sob o qual
padre é apresentado no conto.
Padre Frederico
era o vigário de Serra Nova há alguns anos. Magro, alto e vermelho como convém
a todo padre de origem alemã. Ele gostava de descompor do alto do púlpito as
mulheres, que com seus vestidos sem manga, transgrediam a recomendação afixada
na porta do tempo: MORAL E DECORO NA CASA DO SENHOR. (ONOFRE JR., 2014)
De
acordo com a descrição acima, o padre é rígido e sério e, portanto, deveria
manter a ordem social e o decoro entre os moradores da cidade, mas os moradores
se mostram descrentes em relação a essa rigidez do padre. O narrador parece
reforçar essa descrença ao incorporar em sua fala o que a maioria dos cidadãos
serranovenses pensava:
Mas, como se ia
dizendo: velho, Padre Frederico sujeitava-se a certos vexames no desempenho do
ofício de sacerdote. Suas missas, ultimamente, não eram lá missas muito
aprumadas. Às vezes, celebrando, ele saltava trechos confundia-os. (ONOFRE JR.,
2014)
Na
concepção dos moradores ele só deveria estar exercendo a função de pároco local
por questão de conveniência:
O povo tolerava
esta e outras besteiras de padre Frederico, porque, inclusive, já tinha conta
de tradição local. O velho sacerdote escondia - segundo a expressão Maria
Anunciada- “um coração de ouro” (ONOFRE JR., 2014)
O padre aqui é um
objeto risível à medida que a rigidez do padre não é levada a sério. No
contexto da teoria de Bergson (1983) e de Platão demonstrado nos estudos de
Alberti (1999), o efeito de humor ocorre porque o padre ignora o que os
moradores pensam dele e remete ao fato do padre não “conhecer a si mesmo”.
Tomando como referência a teoria Bergson (1983), o padre seria um objeto do
risível, pois demonstra ignorância de si mesmo, tornando-se conhecido para os
outros. Esse fato para o leitor torna-se engraçado, pois o discurso do “sério” torna-se
o discurso do “não sério” em oposição a rigidez social representa aqui na
pessoa do vigário.
A narrativa apresenta
diversas situações em que a seriedade do Padre Frederico é colocada em cheque.
Na noite do sábado de Aleluia, Serra Nova inteira estava reunida para assistir
à missa de aleluia. O padre Frederico
era o celebrante naquela noite e ao se abaixar para pegar o missal deixa todos os
fiéis apreensivos, pois demora-se a levantar, reforçando a crença popular de
que se o padre na noite de aleluia não encontrasse o missal era porque o dia do
Juízo Final havia chegado.
Padre Frederico
postou-se, dramático, mais nada de levantar-se. Os fiéis já inquietos. Boatos
surgindo em sussurros: “Ele não achou a aleluia, valha-nos Deus”. Quando se
verificou que o padre estava apenas cochilando, a histeria já dominava a igreja
de uma ponta a outra. (ONOFRE JR., 2014)
Nesse
trecho, o etos construído pela
personagem do padre parece ser desconstruído à medida que ele mesmo rompe com a
ordem estabelecida. Nesse sentido, o padre deixa de representar a rigidez moral
e social existente num primeiro momento da narrativa. O fato de dormir durante
o sermão revela o contrário, tornando-o caricato e, portanto, cômico.
Diferente
do padre, o Dr. Aristóteles inspira confiança, não só pelo título de doutor que
recebe e nem pelo peso dos anos que carrega, mas pelo próprio nome
“Aristóteles” que reforça a credibilidade da personagem, tendo em vista que
remete a um filósofo grego, considerado a voz da sabedoria da filosofia antiga.
O
Dr. Aristóteles seria uma espécie de oráculo local a quem a população consulta
quando os primeiros sinais de fumaça apareceram no céu e pessoas começam a
temer o fim do mundo:
Como oráculo
local em questões de suma sapiência, Dr. Aristóteles foi consultado a respeito
das listas por uma comissão de homens bons.
Grave e
professoral, o velho deitou a falação: (ONOFRE Jr., 2014).
Ao
ser consultado sobre as listas, Dr. Aristóteles reforça essa crença dos
moradores ao dizer para eles que de fato o mundo chegava ao seu fim, interpretando
o sinal recebido pelo rei Belsazar no momento em que todos os príncipes e
magistrados se deliciam com o banquete real e o sinal recebido pelo imperador
Constantino como prenúncio do juízo ao qual os moradores serranovenses estavam
destinados.
A
luz das teorias do riso, o efeito do risível, nesse caso, se dá pela ignorância
que a personagem Dr. Aristóteles tem de si mesmo e também da população que
acredita nele. No contexto da teoria de Bergson (1983), é possível concluir que
a personagem não tem consciência dessa situação, agindo de forma mecânica e,
portanto, tornando-se cômico para o leitor que passa a ter o controle da
situação, interpretando como falso o etos criado sobre o profeta de que ele
deveria ser levado a sério.
Assim
como o padre, o Dr. Aristóteles representa o “sério” que passa a vigorar como o
“não sério”, tornando-se objeto do risível, pois seria aquele que nas palavras
de Platão “acredita ser mais sábio do que realmente é” e que na verdade é
apenas um pseudo-sábio cuja rigidez do nome é desconstruída pelo testemunho
falso que cria o efeito cômico do conto.
Outro
antagonismo que o conto apresenta seria a descrença do sapateiro Ferreirinha em
relação ao que a maior parte dos moradores de Serra Nova acreditava estar
acontecendo.
- Arma secreta
da Rússia – opinou o sapateiro Ferreirinha, sempre do contra, pois a opinião
geral era de que aquilo só podia ser sinal do que o fim do mundo era chegado. (ONOFRE
Jr., 2014).
Nesse
trecho, o efeito cômico se dá principalmente em relação ao fato de que, ao
interpretar as listras no céu, sua opinião diverge da ordem instituída pelos
moradores a partir do momento que estes acreditaram que o fim havia chegado,
provocando a quebra de uma sequência de comportamentos que passaram a se
repetir “mecanicamente” (BERGSON, 1983) entre eles, desestabilizando a nova
ordem criada dentro da narrativa.
O
mesmo antagonismo ocorre com uma criança, personagem que ao avisar para mãe que
um avião aparecia na ponta da listra, passa a ser ignorado por ela:
-
Mamãe, eu vi um avião na ponta da listra, bem pequeninho.
- Besteira,
menino. Quem já viu avião soltando fumaça? Você está crescido, precisa tomar
mais cuidado com o que diz. Venha rezar com a gente. (ONOFRE
Jr., 2014).
O
cômico, nesse caso, se dá pelo fato de uma criança, que não deve ser levada a
sério, era quem estava, de fato, com a verdade, contrastando o senso comum de
que os mais velhos sempre estão com a razão. O que vemos é uma inversão de
ordem em que nem a mãe e nem o Dr. Aristóteles, um dos moradores mais velhos da
cidade, sabiam o que realmente estava acontecendo e ainda incrementava a falsa
crença de que o mundo chegava ao seu fim. A mãe, assim como o padre e o Dr.
Aristóteles representa o discurso do “sério” que não deveria ser levada a sério
e, portanto, torna-se cômica por “desconhecido de si” em detrimento de ter se
tornando “conhecida de todos”. (BERGSON, 1983).
A
criação do cômico em “dia de Juízo” se dá pela relação de antagonismo existente
no conto. No conto nós temos algumas situações que representam o discurso do
sério, da rigidez social e da ordem natural das coisas em oposição aos fatos
que representam a inversão dessa ordem.
É
possível observar, nesse conto, um processo carnavalização que vai de encontro
à ordem vigente daquele espaço narrativo mencionado no conto. Esse processo
acontece porque assim como temos um ano inteiro em que as pessoas agem pelo
convencionalismo ou rigidez social, procurando manter o discurso do sério, é
durante o carnaval que ele pode extravasar e romper com essa ordem.
No
conto Dia de Juízo, o rompimento dessa ordem se deu em oposição ao que vinha
acontecendo o ano inteiro. No contexto teoria de Bergson (1983), os moradores
tiveram um ano inteiro formatados num comportamento artificial e mecanizado e
naquele dia pode agir de forma natural e espontânea. Como acontece na maioria
do ano em que as pessoas vivem de aparência, assim foi a cidade durante aquele
ano de 1969. Naquele dia, porém, os moradores puderam revelar quem realmente
eles eram. Aqueles que se declaram os valentões passaram a “pedir penico”; Dona
Carmem que passara o ano inteiro como mulher piedosa e devota na igreja,
naquele dia, confessa sua traição ao marido; Nezim da Camboa que durante o ano
não havia dado uma esmola a ninguém, de repente, naquele dia, começa a gentil
com os outros moradores; por fim, a louca que havia ficado presa todo o ano sem
perturbar a ordem da cidade, naquele dia, pode ter finalmente sua liberdade.
O
maior antagonismo se estabelece no conto seria o antagonismo das personagens e
aqui em particular gostaria de destacar o Padre Frederico e o Dr. Aristóteles.
Essa relação se estabelece primeiramente pelo antagonismo dos nomes que no caso
do padre não parece passar muita credibilidade. Federico não é um nome que
inspira confiança. O efeito cômico sobre o sacerdote se dá exatamente pelo o
fato de seu nome desconstruir o discurso do sério e da rigidez moral sob o qual
padre é apresentado no conto.
Padre Frederico
era o vigário de Serra Nova há alguns anos. Magro, alto e vermelho como convém
a todo padre de origem alemã. Ele gostava de descompor do alto do púlpito as
mulheres, que com seus vestidos sem manga, transgrediam a recomendação afixada
na porta do tempo: MORAL E DECORO NA CASA DO SENHOR. (ONOFRE JR., 2014)
De
acordo com a descrição acima, o padre é rígido e sério e, portanto, deveria
manter a ordem social e o decoro entre os moradores da cidade, mas os moradores
se mostram descrentes em relação a essa rigidez do padre. O narrador parece
reforçar essa descrença ao incorporar em sua fala o que a maioria dos cidadãos
serranovenses pensava:
Mas, como se ia
dizendo: velho, Padre Frederico sujeitava-se a certos vexames no desempenho do
ofício de sacerdote. Suas missas, ultimamente, não eram lá missas muito
aprumadas. Às vezes, celebrando, ele saltava trechos confundia-os. (ONOFRE JR.,
2014)
Na
concepção dos moradores ele só deveria estar exercendo a função de pároco local
por questão de conveniência:
O povo tolerava
esta e outras besteiras de padre Frederico, porque, inclusive, já tinha conta
de tradição local. O velho sacerdote escondia - segundo a expressão Maria
Anunciada- “um coração de ouro” (ONOFRE JR., 2014)
O padre aqui é um
objeto risível à medida que a rigidez do padre não é levada a sério. No
contexto da teoria de Bergson (1983) e de Platão demonstrado nos estudos de
Alberti (1999), o efeito de humor ocorre porque o padre ignora o que os
moradores pensam dele e remete ao fato do padre não “conhecer a si mesmo”.
Tomando como referência a teoria Bergson (1983), o padre seria um objeto do
risível, pois demonstra ignorância de si mesmo, tornando-se conhecido para os
outros. Esse fato para o leitor torna-se engraçado, pois o discurso do “sério” torna-se
o discurso do “não sério” em oposição a rigidez social representa aqui na
pessoa do vigário.
A narrativa apresenta
diversas situações em que a seriedade do Padre Frederico é colocada em cheque.
Na noite do sábado de Aleluia, Serra Nova inteira estava reunida para assistir
à missa de aleluia. O padre Frederico
era o celebrante naquela noite e ao se abaixar para pegar o missal deixa todos os
fiéis apreensivos, pois demora-se a levantar, reforçando a crença popular de
que se o padre na noite de aleluia não encontrasse o missal era porque o dia do
Juízo Final havia chegado.
Padre Frederico
postou-se, dramático, mais nada de levantar-se. Os fiéis já inquietos. Boatos
surgindo em sussurros: “Ele não achou a aleluia, valha-nos Deus”. Quando se
verificou que o padre estava apenas cochilando, a histeria já dominava a igreja
de uma ponta a outra. (ONOFRE JR., 2014)
Nesse
trecho, o etos construído pela
personagem do padre parece ser desconstruído à medida que ele mesmo rompe com a
ordem estabelecida. Nesse sentido, o padre deixa de representar a rigidez moral
e social existente num primeiro momento da narrativa. O fato de dormir durante
o sermão revela o contrário, tornando-o caricato e, portanto, cômico.
Diferente
do padre, o Dr. Aristóteles inspira confiança, não só pelo título de doutor que
recebe e nem pelo peso dos anos que carrega, mas pelo próprio nome
“Aristóteles” que reforça a credibilidade da personagem, tendo em vista que
remete a um filósofo grego, considerado a voz da sabedoria da filosofia antiga.
O
Dr. Aristóteles seria uma espécie de oráculo local a quem a população consulta
quando os primeiros sinais de fumaça apareceram no céu e pessoas começam a
temer o fim do mundo:
Como oráculo
local em questões de suma sapiência, Dr. Aristóteles foi consultado a respeito
das listas por uma comissão de homens bons.
Grave e
professoral, o velho deitou a falação: (ONOFRE Jr., 2014).
Ao
ser consultado sobre as listas, Dr. Aristóteles reforça essa crença dos
moradores ao dizer para eles que de fato o mundo chegava ao seu fim, interpretando
o sinal recebido pelo rei Belsazar no momento em que todos os príncipes e
magistrados se deliciam com o banquete real e o sinal recebido pelo imperador
Constantino como prenúncio do juízo ao qual os moradores serranovenses estavam
destinados.
A
luz das teorias do riso, o efeito do risível, nesse caso, se dá pela ignorância
que a personagem Dr. Aristóteles tem de si mesmo e também da população que
acredita nele. No contexto da teoria de Bergson (1983), é possível concluir que
a personagem não tem consciência dessa situação, agindo de forma mecânica e,
portanto, tornando-se cômico para o leitor que passa a ter o controle da
situação, interpretando como falso o etos criado sobre o profeta de que ele
deveria ser levado a sério.
Assim
como o padre, o Dr. Aristóteles representa o “sério” que passa a vigorar como o
“não sério”, tornando-se objeto do risível, pois seria aquele que nas palavras
de Platão “acredita ser mais sábio do que realmente é” e que na verdade é
apenas um pseudo-sábio cuja rigidez do nome é desconstruída pelo testemunho
falso que cria o efeito cômico do conto.
Outro
antagonismo que o conto apresenta seria a descrença do sapateiro Ferreirinha em
relação ao que a maior parte dos moradores de Serra Nova acreditava estar
acontecendo.
- Arma secreta
da Rússia – opinou o sapateiro Ferreirinha, sempre do contra, pois a opinião
geral era de que aquilo só podia ser sinal do que o fim do mundo era chegado. (ONOFRE
Jr., 2014).
Nesse
trecho, o efeito cômico se dá principalmente em relação ao fato de que, ao
interpretar as listras no céu, sua opinião diverge da ordem instituída pelos
moradores a partir do momento que estes acreditaram que o fim havia chegado,
provocando a quebra de uma sequência de comportamentos que passaram a se
repetir “mecanicamente” (BERGSON, 1983) entre eles, desestabilizando a nova
ordem criada dentro da narrativa.
O
mesmo antagonismo ocorre com uma criança, personagem que ao avisar para mãe que
um avião aparecia na ponta da listra, passa a ser ignorado por ela:
-
Mamãe, eu vi um avião na ponta da listra, bem pequeninho.
- Besteira,
menino. Quem já viu avião soltando fumaça? Você está crescido, precisa tomar
mais cuidado com o que diz. Venha rezar com a gente. (ONOFRE
Jr., 2014).
O
cômico, nesse caso, se dá pelo fato de uma criança, que não deve ser levada a
sério, era quem estava, de fato, com a verdade, contrastando o senso comum de
que os mais velhos sempre estão com a razão. O que vemos é uma inversão de
ordem em que nem a mãe e nem o Dr. Aristóteles, um dos moradores mais velhos da
cidade, sabiam o que realmente estava acontecendo e ainda incrementava a falsa
crença de que o mundo chegava ao seu fim. A mãe, assim como o padre e o Dr.
Aristóteles representa o discurso do “sério” que não deveria ser levada a sério
e, portanto, torna-se cômica por “desconhecido de si” em detrimento de ter se
tornando “conhecida de todos”. (BERGSON, 1983).
O
trágico e o cômico em “Dia de Juízo”
No
conto é possível extrair o cômico, mesmo diante de situações trágicas vividas
pelas personagens a exemplo da morte do padre, da mulher confessando a traição.
Isso acontece porque, dentro uma concepção aristotélica, ao contrário da tragédia
no cômico as ações dos homens baixos não causam dor e destruição e sim o riso.
A morte do padre, por exemplo, revela que o cômico se encontra mascarado por
uma situação trágica.
Diante
do trágico “- Chega, me acuda, tem um açude arrombando dentro de mim” (ONOFRE
JR. 2014), o efeito do risível surge no momento em que o padre pede ao
sacristão para não esquecer de “botar água na gaiola do canário” (ONOFRE JR.
2014). O que é muito inesperado para alguém que está morrendo e que, portanto,
deveria estar desesperado diante daquela situação.
Nesse
caso, a morte do padre, acontecimento trágico, é atenuado pela leveza e sua fala,
ou seja, um acontecimento trágico sem consequências dolorosas o que de fato
produz o humor do conto. O leitor encontra no pedido do padre ao sacristão um
motivo para rir, mesmo diante de uma situação trágica.
Isso explica o que temos de mais concreto sobre
o pensamento do cômico que Aristóteles falou ao propor a diferença entre
tragédia e comédia, porque diante de uma situação desconfortável é possível produzir
o efeito do risível, pois, diferente das tragédias gregas, o conto não traz
consequências dolorosas para a história. No caso do conto, a dor, que deveria
corroborar para o desfecho trágico da história, acaba sendo atenuada pela forma
como se dá a morte do padre:
“Nada mais
disse, porque se apagou ‘como um passarinho’- para usar a expressão de Inocêncio”
(ONOFRE JR. 2014).
O
eufemismo, aqui registrado nas palavras de Inocêncio, mas comumente utilizado
pela sabedoria popular, promove um certo alívio ao leitor que não encontrando
sofrimento na morte do padre, tem a sensação de alívio diante uma situação
trágica, pois o pároco morre “como um passarinho”. É bom lembrar também que
para os moradores de Serra Nova, que deveriam estar tristes com o velório, o
padre “não tinha cara de defunto, parecia estar dormindo”
(ONOFRE JR. 2014). O que, consequentemente, apresenta um
desfecho que não causa dor nem destruição para os personagens, como diria o
filósofo Aristóteles nas discussões apresentadas nesse estudo (ALBERTI, 1999).
No
conto é possível extrair o cômico, mesmo diante de situações trágicas vividas
pelas personagens a exemplo da morte do padre, da mulher confessando a traição.
Isso acontece porque, dentro uma concepção aristotélica, ao contrário da tragédia
no cômico as ações dos homens baixos não causam dor e destruição e sim o riso.
A morte do padre, por exemplo, revela que o cômico se encontra mascarado por
uma situação trágica.
Diante
do trágico “- Chega, me acuda, tem um açude arrombando dentro de mim” (ONOFRE
JR. 2014), o efeito do risível surge no momento em que o padre pede ao
sacristão para não esquecer de “botar água na gaiola do canário” (ONOFRE JR.
2014). O que é muito inesperado para alguém que está morrendo e que, portanto,
deveria estar desesperado diante daquela situação.
Nesse
caso, a morte do padre, acontecimento trágico, é atenuado pela leveza e sua fala,
ou seja, um acontecimento trágico sem consequências dolorosas o que de fato
produz o humor do conto. O leitor encontra no pedido do padre ao sacristão um
motivo para rir, mesmo diante de uma situação trágica.
Isso explica o que temos de mais concreto sobre
o pensamento do cômico que Aristóteles falou ao propor a diferença entre
tragédia e comédia, porque diante de uma situação desconfortável é possível produzir
o efeito do risível, pois, diferente das tragédias gregas, o conto não traz
consequências dolorosas para a história. No caso do conto, a dor, que deveria
corroborar para o desfecho trágico da história, acaba sendo atenuada pela forma
como se dá a morte do padre:
“Nada mais
disse, porque se apagou ‘como um passarinho’- para usar a expressão de Inocêncio”
(ONOFRE JR. 2014).
O
eufemismo, aqui registrado nas palavras de Inocêncio, mas comumente utilizado
pela sabedoria popular, promove um certo alívio ao leitor que não encontrando
sofrimento na morte do padre, tem a sensação de alívio diante uma situação
trágica, pois o pároco morre “como um passarinho”. É bom lembrar também que
para os moradores de Serra Nova, que deveriam estar tristes com o velório, o
padre “não tinha cara de defunto, parecia estar dormindo”
(ONOFRE JR. 2014). O que, consequentemente, apresenta um
desfecho que não causa dor nem destruição para os personagens, como diria o
filósofo Aristóteles nas discussões apresentadas nesse estudo (ALBERTI, 1999).
Conclusão
O
conto Dia de Juízo de Manoel Onofre
Jr., ao ser alinhado com as teorias filosóficas sobre o riso, apresenta alguns procedimentos
estéticos presentes na prosa de alguns escritores que se propõem em trabalhar
com o cômico. O riso se manifesta da forma mais risível, porque muito mais que
uma história para divertir o leitor, revela a condição real de uma sociedade
mecanizada e artificial que perdeu sua identidade e se condenou a viver de
aparências sob os ritos de uma ordem social vigente.
Apesar
de pouca representatividade da prosa norte-riograndense, espera-se que este
estudo sobre o conto de Onofre Jr. possa contribuir para o enriquecimento e amadurecimento
de nossa literatura, demonstrando sua importância tanto para o ensino como para
a formação de uma identidade cultural local.
O
conto Dia de Juízo de Manoel Onofre
Jr., ao ser alinhado com as teorias filosóficas sobre o riso, apresenta alguns procedimentos
estéticos presentes na prosa de alguns escritores que se propõem em trabalhar
com o cômico. O riso se manifesta da forma mais risível, porque muito mais que
uma história para divertir o leitor, revela a condição real de uma sociedade
mecanizada e artificial que perdeu sua identidade e se condenou a viver de
aparências sob os ritos de uma ordem social vigente.
Apesar
de pouca representatividade da prosa norte-riograndense, espera-se que este
estudo sobre o conto de Onofre Jr. possa contribuir para o enriquecimento e amadurecimento
de nossa literatura, demonstrando sua importância tanto para o ensino como para
a formação de uma identidade cultural local.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ALDERI,
V. O riso e risível na história e do
pensamento. Rio de Janeiro/FGV, 1999.
ARISTÓTELES.
Poética. Rio de Janeir: Abril, 1973.
(Os pensadores)
BAKHTIN, M. A cultura popular na idade média e
no renascimento: O contexto de Fançois Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2013.
BERGSON, H. O riso. Rio de Janeiro: Zahar,
1983.
CHIAPPINI, L. Do Beco ao belo: Dez teses sobre o
regionalismo na literatura: Estudos históricos. Rio de Janeiro, vol., n. 15,
1995.
D'ANGELI, Concetta. PADUANO, Guido. O Cômico.
EDUFPR: PR, 2007.
OGLIARI, L. A poética do conto pós-moderno e a
situação do gênero no Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012.
ONOFRE
JR., Manoel. Chão dos Simples.
Mossoró: Sarau das Letras, 2014.
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Poética. Rio de Janeir: Abril, 1973.
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BAKHTIN, M. A cultura popular na idade média e
no renascimento: O contexto de Fançois Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2013.
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1983.
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regionalismo na literatura: Estudos históricos. Rio de Janeiro, vol., n. 15,
1995.
D'ANGELI, Concetta. PADUANO, Guido. O Cômico.
EDUFPR: PR, 2007.
OGLIARI, L. A poética do conto pós-moderno e a
situação do gênero no Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012.
ONOFRE
JR., Manoel. Chão dos Simples.
Mossoró: Sarau das Letras, 2014.
Discente: Gilvan de Oliveira
Artigo apresentado ao prof. Dr. Derivaldo dos Santos na disciplina de Literatura Comparada II: Ironia e Humor na Tradição Contista Norte Rio-grandense.
Discente: Gilvan de Oliveira
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