O OURO
DE APOLÔNIO
Nas noites vagarosas, o vento cambaleando nas ruas desertas, Apolônio
empurrava o carro-de-mão, como se carregasse essa angústia de que se sentem
ameaçados os mortais.
Recolhia o sustento do aluguel do seu carro-de-mão emplacado, coberto de
enfeites e ostentando uma placa orgulhosa: "Táxi". Passava os dias
transportando roupeiros, guarda-louça, petisqueiros e camiseiros daqueles
convencidos a se transferirem de residência a cada novo quadrante da lua, nos
aumentos dos aluguéis e nas rinhas de vizinhos.
Sabe-se que ao chegar em casa, Apolônio ligava os dois televisores,
procurando entre as opções algum tiroteio, quando lhe ensinavam os cowboys os
truques das armas, as tramas dos jogos e a sorte com as mulheres.
Ao aproximar-se à madrugada, ao mesmo tempo em que permanecia preso à
tela, ele saia trajando um chapéu de dublê mal remunerado, a rondar pela noite
empurrando o carro-de-mão, enquanto todos os vultos o perseguiam impunes.
Entre os que o viram em casa e, ao mesmo tempo, na rua, nenhum
sobreviveu lúcido o suficiente para explicar as asperezas e as desilusões de um
álibi indevassável.
Quando já o dia clareava, no fim de uma
dessas inúmeras noites duplicadas, ele sentiu arranhar os pesadelos um barulho
agudo embaixo da rede. Com a rapidez de um John Wayne sacou os dois revólveres
de madeira e ameaçou sem pestanejar:
- Solte o ouro, bandido!
Na frente da mira, a sua velha mãe tremia,
segurando na mão um gasto penico de ágata, reparando nos olhos do filho um
sinal luminoso, cristalizado como um coágulo de lua.
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