segunda-feira, 29 de setembro de 2014

MOTE: “Mas sou melhor do que tu" Jarcone Vital X ZéFerreira



No mote: “Mas sou melhor do que tu”

ZéFerreira:

Eu nasci na indigência,
cresci mendigando o pão,
nunca tive educação,
me faltou inteligência,
ingressei na delinquência
passeia a causar rebu,
em toda América do sul
eu já fui avaliado
não tô valendo um cruzado
Mas sou melhor do que tu

Jarcone Vital:

Eu já nasci um incréu,
e minto mais que "louvana",
a minha escola foi cana,
e meu viver foi cruel,
se eu morrer não vou pro céu,
sou ateu, faço vudu,
pras banda do pajeú,
quase mato um sacristão,
vivo sem ter um tostão,
mas sou melhor do que tu.

ZéFerreira:

Acho que fui abortado,
na vida não tive sorte,
Penso eu que até a morte
Pode ter me rejeitado.
Nisso cresci revoltado
Passei a beber pitu,
de bodega eu sou peru,
sou o pau que nasceu torto,
Não tenho onde cair morto,
Mas sou melhor do que tu.

Jarcone Vital:

Vivia na bagaceira,
apanhando e dando em gente,
polícia era meu parente,
cadeia era brincadeira,
fechei de bala um feira,
na cidade de patú,
no rabo de um urubu,
amarrei meu dente queiro,
só me chamam de fuleiro,
mas sou melhor do que tu


ZéFerreira:

foi expulso da escola
por bater num professor
ao invés de ser doutor
me tornei um cheira cola
se não me derem esmola
fazia igual gabiru,
pois pra conseguir “tutu”
eu minto roubo, inda nego.
só me chamam de nó cego
Mas sou melhor do que tu.

Jarcone Vital:

Namorei com mulher feia,
só pensando na herança,
roubei doce de criança,
para jogar na areia,
no cimento da cadeia,
eu já dormi bêbado e nú,
botei fogo num paú,
pra queimar a macaxeira,
sei que só falo besteira,
mas sou melhor do que tu

ZéFerreira:

Eu cresci a escutar
O resmungar de vovó:
“Tu num vale um cibazó,
Ruim que só falta de ar”.
Um dia quis me pegar
Eu, liso que só muçu,
Passei na veia um pitu,
Ela caiu emborcada.
Colega eu não valho nada
Mas sou melhor do que tu.

Jarcone Vital:

Dei de chibata em Sansão,
eu que matei Gengys Khan,
o estilo shotokam,
eu implantei no Japão,
derrotei Napoleão,
na guerra de watterloo,
se inchou que nem cururú,
mas se entregou desgostoso,
eu sei que sou mentiroso,
mas sou melhor do que tu

ZeFerreira:

Na ruindade eu tenho fama
Não perco para ninguém
Nem para Saddan Russeim
Muito menos pra Osama
Estou armando uma trama
Vou te passar um bizu 
na América do Sul
Vou provocar uma guerra
Não valho o que o gato enterra
Mas sou melhor do que tu.


Jarcone Vital:

Sou um bode expiatório,
já nasci um cão sem dono,
um gato no abandono,
rato de laboratório,
rasga-mortalha em velório,
sou a bába do mussú,
a inháca do timbú,
e a varijeira no lixo,
eu sou pior que um bicho,
mas sou melhor do que tu

ZéFerreira:

O meu nome é Zé Ninguém,
Sem passado e sem futuro,
Meu presente é um monturo
Que não  vale um vintém.
Se eu morrer dizem amém,
É Festa para urubu,
Comida pra tapuru ,
Um alívio para o mundo.
Sou o pior vagabundo
Mas sou melhor do que tu.

Jarcone Vital:

E eu sou um João sem braço,
de morto eu sei me fingir,
sou formado no mentir,
e gosto do embaraço,
sendo ruim eu me abraço,
tiro a roupa e ando nu,
com um fio dental do sul,
rebolando em qualquer praia,
dou até rabo de arraia,
mas sou melhor do que tu

ZéFerreira:

Amigo velho Jarcone,
O meu verso já arqueja
Vamos parar a peleja
Antes que eu abandone.
Pois sua mente é um clone
De Louro do Pajeú
Ou de Manoel Xudú
E a coisa pra mim tá feia,
Pra você não tem pareia,
Não sou melhor do que tú.

Jarcone Vital:

Meu amigo Zé Ferreira,
no dia em que eu ti ví,
me bateu um "calafrí”,
que'u já saí na carreira,
eu não ia dar bobeira,
de espichar meu couro crú,
és um Gonzaga de Exú,
eu sou só um grão de areia,
pra voçê não tem pareia,
não sou melhor do que tu.


sábado, 27 de setembro de 2014

Ave Maria da eleição - Leandro Gomes de Barros


No dia da eleição
O povo todo corria
Gritava a oposição
Ave Maria

Via-se grupos de gente
Vendendo voto nas praças
E a arma dos governos
Cheia de Graça

Uns e outros perguntavam
- O Sr. vota conosco?
Um chaleira respondia
Este Senhor é convosco.

Eu avistei duas panelas
Com miúdo de dez bois
Cumprimentei-a dizendo
Bendita sois.

Os eleitores com medo
Das espadas dos alferes
Chegavam a se esconderem
Entre as mulheres.

Os candidatos chegavam
Com seu ameaço bruto
Pois um voto para eles
É bendito fruto.

O mesário do governo
Pegava a urna contente
E dizia me gloreio
Do teu ventre.

A oposição gritava
De nós não ganha ninguém
Respondia os do governo
Amém.


Publicado em 1907

terça-feira, 23 de setembro de 2014

NORDESTE: AQUI É O MEU LUGAR - Carlinhos Cordel


Vou falar do meu lugar
Terra de cabra da peste
Terra de homem valente
Do sertão e do agreste
Terra do mandacaru
Do nosso maracatu
Meu lugar é o Nordeste!

Meu Nordeste tem riquezas
Só encontradas aqui
Sua música, sua dança
Sua gente que sorri
Nosso povo tem bravura
Tem tradição, tem cultura
Da Bahia ao Piauí.

A nossa música é linda
Temos coco e embolada
Aboio e banda de pife
Poesia improvisada
Axé, repente, baião
O forró do Gonzagão
Que faz a maior noitada.

Frevo, xote e xaxado
Violeiro, canturia
O martelo agalopado
O cordel e a poesia
O cantador de viola
Fazendo versos na hora
Pra nos trazer alegria.

Nossa dança é muito rica
E bastante popular
Tem ciranda, afoxé
Para quem quiser dançar
Bumba-meu-boi, capoeira
Essa dança brasileira
Querida em todo lugar.

Tem baião e tem forró
Pra dançar agarradinho
Tem maracatu, congada
Tem o cavalo-marinho
Festa junina animada
Pra toda rapaziada
Namorar um “bucadinho”.

Nossa culinária é rica
Em tradição e sabor
Tem cuscuz, tem macaxeira
Que têm um grande valor
Tem o xinxim de galinha
Rapadura com farinha
Tudo feito com amor.

Do bode tem a buchada
Carne de sol com pirão
O mocotó, a rabada
O bobó de camarão
Bredo no coco, paçoca
Vatapá e tapioca
Venha provar o qu’é bão.

Temos doce bem gostoso
Como o Bolo de Fubá
A cocada, a rapadura
O quindim e o mungunzá
Temos Beijinho de coco
Que deixa qualquer um loco
Venha aqui saborear.

As festas do meu Nordeste
Têm alegria e calor
O carnaval de Olinda,
De Recife e Salvador
Em Natal o “Carnatal”
Em Fortaleza o “Fortal”
Micaretas de valor.

Quando chega o São João
A "disputa" é pra valer
A "Capital do Forró"
Todos querem conhecer
Caruaru tem beleza
Campina Grande destreza
Para o forró não morrer.

Terra de Alceu Valença
E de Jackson do Pandeiro
Terra de Luís Gonzaga
Esse grande brasileiro
A terra de Elba Ramalho
E também de Zé Ramalho
Famosos no mundo inteiro.

A terra de Virgulino
O famoso Lampião
A terra de Vitalino
Rei do barro feito à mão
A terra do “Padim Ciço”
Dos milagres, “dos bendito”
Do poder da oração.

Piauí da Pré-História
Bahia do candomblé
Paraíba das cachaças
Em Sergipe eu boto fé
Pernambuco tem o frevo
Alagoas tem segredo
Vá descobrir o que é.

Maranhão é o estado
Pra dançar bumba-meu-boi
Ceará do “Padim Ciço”
Só conhece quem já foi
No Rio Grande do Norte
A cultura é muito forte
Vá! Não deixe pra depois.

Essa terra é muito boa
Dela ninguém me separa
Tem tudo pra se viver
Uma culinária rara
Uma beleza campestre
Só deixo o meu Nordeste
No último pau-de-arara.



domingo, 21 de setembro de 2014

ERA PATATIVA DO ASSARÉ UM GÊNIO SEMIANALFABETO?


 "PATATIVA DO ASSARÉ NÃO ERA ANALFABETO

 [...] O poeta Arievaldo Viana teria dito em entrevista que Patativa não era analfabeto. Hoje, trago trecho do livro CORDÉIS, de Patativa do Assaré, o qual é iniciado com um texto de Luiz Tavares Júnior – professor do Curso de Mestrado em Letras da Universidade Federal do Ceará – no qual o autor confirma essa afirmação de Arievaldo:

“Embora sua instrução formal tenha sido muito diminuta, seu contato com os livros foi constante e permanente, tendo convivido intensamente com a poesia de Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Castro Alves e a prosa de Coelho Neto, como afirma Luzanira Rego, a partir de uma visita à casa do poeta, ao se deparar com os livros desses escritores; e Rosemberg Cariry vai um pouco mais além, ao enunciar: ‘Patativa é homem que sabe ler, de muitas leituras e informações sobre o que acontece no mundo (...). Basta dizer que, mesmo quando Patativa era violeiro e encantava os sertões com o som de sua viola e a beleza de seus versos de repente, já estudava o tratado de versificação de Guimarães Passos e Olavo Bilac e lia Os Lusíadas’. Em face dessas afirmações e, se acrescentarmos que, de fato, estamos diante de uma pessoa de inteligência invulgar e espantosa memória, como sempre afirmam seus biógrafos, haveremos facilmente de compreender a grandiosidade de seu engenho e arte no manejo do verso e na criação de sua poesia, atestado por quantos se aproximam de sua obra, aqui, no Brasil, como no estrangeiro”.

Percebe-se, portanto, que Patativa agia deliberadamente quando escrevia na forma matuta presente em Aos Poetas Clássicos


Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês.

O fato é que Patativa foi realmente um fenômeno, desses que aparecem a cada século, quando muito. Basta fazer uma pesquisa com o nome “Patativa do Assaré” no Google para ver a imensa quantidade de páginas que se dedicam a ele. Eu, aliás, fiz isso hoje, e achei coisas interessantíssimas, como, por exemplo, o estudo 
“Relações entre Estética, Hermenêutica, Religião e Arte”, de Cristiane Moreira Cobra.
Também encontrei o divertido poema da Prefeitura sem Prefeito:


PREFEITURA SEM PREFEITO

Nessa vida atroz e dura
Tudo pode acontecer
Muito breve há de se ver
Prefeito sem prefeitura;
Vejo que alguém me censura
E não fica satisfeito
Porém, eu ando sem jeito,
Sem esperança e sem fé,
Por ver no meu Assaré
Prefeitura sem prefeito.

Por não ter literatura,
Nunca pude discernir
Se poderá existir
Prefeito sem prefeitura.
Porém, mesmo sem leitura,
Sem nenhum curso ter feito,
Eu conheço do direito
E sem lição de ninguém
Descobri onde é que tem
Prefeitura sem prefeito.

Ainda que alguém me diga
Que viu um mudo falando
Um elefante dançando
No lombo de uma formiga,
Não me causará intriga,
Escutarei com respeito,
Não mentiu este sujeito.
Muito mais barbaridade
É haver numa cidade
Prefeitura sem prefeito.

Não vou teimar com quem diz
Que viu ferro dar azeite,
Um avestruz dando leite
E pedra criar raiz,
Ema apanhar de perdiz
Um rio fora do leito,
Um aleijão sem defeito
E um morto declarar guerra,
Porque vejo em minha terra
Prefeitura sem prefeito.

A sua morte, em 08 de julho de 2002, deixou órfãos todos os poetas populares do Brasil. 

Texto editado, disponível em http://olhosdoaprender.blogspot.com.br/2012/08/patativa-do-assare-nao-era-analfabeto.html

sábado, 20 de setembro de 2014

Saudações aos cantadores - Manuel Bandeira e Djavan


Anteontem, minha gente,
Fui juiz numa função
De violeiros do Nordeste
Cantando em competição,
Vi cantar Dimas Batista,
Otacílio, seu irmão,
Ouvi um tal de Ferreira,
Ouvi um tal de João.
Um a quem faltava um braço
Tocava cuma só mão;
Mas como ele mesmo disse,
Cantando com perfeição,
Para cantar afinado,
Para cantar com paixão,
A força não está no braço,
Ela está no coração.
Ou puxando uma sextilha,
Ou uma oitava em quadrão,
Quer a rima fosse em inha
Quer a rima fosse em ao,
Caíam rimas do céu,
Saltavam rimas do chão!
Tudo muito bem medido
No galope do Sertão.
A Eneida estava boba,
O Cavalcanti bobão,
O Lúcio, o Renato Almeida,
Enfim toda comissão.
Saí dali convencido
Que não sou poeta não;
Que poeta é quem inventa
Em boa improvisação
Como faz Dimas Batista
E Otacílio seu irmão;
Como faz qualquer violeiro,
Bom cantador do Sertão,
A todos os quais humilde
Mando minha saudação.”


VIOLEIROS (Djavan)


quinta-feira, 18 de setembro de 2014

PORQUE TANTA CRUELDADE? ME RESPONDA CAÇADOR! - Adriano Bezerra


O lambu corre ligeiro
Quando cansa ele se deita
Faz a cama, se ajeita
Na sombra do marmeleiro
Alegre e todo faceiro
Porém chega o predador
Sem ter dó nem ter amor
E atira só por maldade
Porque tanta crueldade?
Me responda caçador!


A rolinha acorda cedo
Olha os filhos depois voa
Seu canto baixinho ecoa
No galho do arvoredo
Contente sem sentir medo
Bonita feita uma flor
Mas a espreita o matador
Dispara sem piedade
Porque tanta crueldade?
Me responda caçador!


O preá numa coivara
Constrói a sua morada
Prevendo qualquer cilada
Uma trilha ele prepara
Porém no caminho para
Sangrando cheio de dor
Na pedra que o traidor
Armou por perversidade
Porque tanta crueldade?
Me responda caçador!


Sem peso na consciência
O homem caça os bichinhos
Matam os pais e os filhinhos
Nos ninhos com inocência
Morrem sem ter assistência
De fome e sede, que horror!
Guarde as armas malfeitor
Não lhes roube a liberdade
Porque tanta crueldade?
Me responda caçador!

terça-feira, 16 de setembro de 2014

MANHECENÇA - Jorge Fernandes


MANHECENÇA

O dia nasce grunindo pelos bicos
Dos urumarais...
Dos azulões... da asa branca...
Mama o leite quente que chia nas cuias espumando...
Os chocalhos repicam na alegria do chouto das vacas...
As janels das serras estão todas enfeitadas
De cipó florado...
E o coên! coên! do dia novo —
Vai subindo nas asas peneirantes dos caracarás...
Correndo os campos no mugido do gado...
No — mên — fanhoso dos bezerros...
Nas carreiras da cutias... no zunzum de asas dos besouros,
das abelhas... nos pinotes dos cabritos...
Nos trotes fortes e luzidos dos poltros...
E todo ensangüentado do vermelhão das barras
Leva o primeiro banho nos açudes
E é embrulhado na toalha quente do sol
E vai mudando a primeira passada pelos
Campos todo forrado de capim panasco..

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Grito Negro - José Craveirinha


Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu serei o teu carvão, patrão.

domingo, 14 de setembro de 2014

Bilhetes de viagem - Samih al-Qasim (poeta palestino)

Quando eu um dia for morto,
O assassino vai encontrar em meu bolso
bilhetes de viagem:
Um rumo à paz,
Um rumo aos campos e à chuva,
Um
Rumo à consciência dos seres humanos
Por favor, não desperdice os bilhetes
Meu caro assassino
Por favor, viaje

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

QUANDO SE CALA UM ARTISTA (EM HOMENAGEM AO SAUDOSO NILSON SILVA)

   

 Adriano Bezerra (12/09/2014)

A arte fica sem cor
Quando se cala um artista
Falta rima ao repentista
Falta voz ao cantador
Falta texto ao escritor
E ao poeta inspiração
Falta a interpretação
Ao interprete de rua
E o mímico não mais atua
Porque lhe falta expressão.

De dor e de comoção
Fica sem riso o palhaço
Fica também sem abraço
E sem aperto de mão
O seu jeito brincalhão
E aquela sua esperteza
Fica faltando a beleza
E no seu rosto pintado
Uma lágrima em cada lado
Revela a sua tristeza.

Fica faltando a leveza
No passo do dançarino
Ao mestre do violino
Fica faltando a destreza
Fica também sem clareza
A obra do desenhista
No circo o malabarista
Fica sem coordenação
E o rapper de emoção
Não consegue entrar na pista.

Porém sua arte à vista
Ficará por toda a história
Sempre viva na memória
Por mais que o tempo persista
Nos versos do cordelista
Nos quadros de um pintor
Nos gestos de um ator
Por onde for a cultura
Pois sua arte tão pura
Jamais ficará sem cor.


terça-feira, 9 de setembro de 2014

Só Jesus é quem pode consertar os estragos da seca no sertão - João Paraibano e Valdir Teles


João Paraibano

 Andar mais no sertão ninguém suporta
Que só vê o agave virar bucha
As abelhas peitando em rosa murcha
Sertanejo pisando em planta morta
Onde água é vendida porta a porta
Já se paga um real pelo galão
Dói na alma comprar à prestação
Uma lágrima que o céu não quis chorar
Só Jesus é quem pode consertar
Os estragos da seca no sertão

Valdir Teles

 Nossas reses estão escaveiradas
Fora muitas que a fome já matou
A beleza da mata se acabou
As lagoas tão secas e rachadas
Tem carcaças nas beiras das estradas
De animais que morreram sem ração
Que se enche carreta e caminhão
Sem gastar meia hora pra juntar
Só Jesus é quem pode consertar
Os estragos da seca no sertão

Ouça mais aqui:


segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A PARTIDA DE JOÃO PARAIBANO LEVA JUNTO UM PEDAÇO DO SERTÃO


MOTE DO POETA. HELENO ALEXANDRE
ESTROFE DO POETA BIU SALVINO:

CANTADOR, CIDADÃO E COMPANHEIRO
A MAIOR EXPRESSÃO DA CANTORIA
GÊNIO POBRE COM RICA POESIA
CONQUISTOU COM REPENTE O MUNDO INTEIRO
VAI COM ELE O ABOIO DO VAQUEIRO
FOLHAS MORTAS CAÍDAS PELO CHÃO
O CANTAR MELANCÓLICO DO CARÃO
O PROFETA DA SECA TODO ANO
A PARTIDA DE JOÃO PARAIBANO
LEVA JUNTO UM PEDAÇO DO SERTÃO





quarta-feira, 3 de setembro de 2014

VOU CHORAR ASSISTINDO CANTORIA, RECORDANDO JOÃO PARAIBANO



(Marciano Medeiros)

O Nordeste gemeu com a notícia
Da partida do gênio cultural,
Homem simples, bondoso e sem igual,
Nunca soube na vida o que é malícia.
O destino mostrou muita imperícia
Parecendo um fantasma desumano,
Massacrou o poeta veterano,
Nosso povo sofreu tendo agonia:
Vou chorar assistindo cantoria,
Recordando João Paraibano.

Ao cantar relembrou de Virgolino,
Andarilho e guerreiro do sertão,
Era o grande e temível Lampião,
Um terror para o povo nordestino.
João mostrou o famoso campesino
Que lutou num período desumano,
Descreveu tendo estilo soberano,
O querido parceiro de Maria:
Vou chorar assistindo cantoria,
Recordando João Paraibano.

Gerou pranto e saudade tormentosa
Nas veredas do solo sertanejo,
Quem irá descrever o relampejo
De maneira tão linda e vigorosa?
Acabou sua voz melodiosa,
Após tombo no chão pernambucano,
Começou o terrível desengano,
Destruindo o jardim da alegria:
Vou chorar assistindo cantoria,
Recordando João Paraibano.

Escutei o poeta sem rival
Cantar seu repente desmedido,
Formulando improviso comovido,
Numa noite bucólica de Natal.
Severino Dionísio é outro igual,
Nessa terra cantaram sem ter plano.
Foi gerado trabalho sobre-humano,
Num evento sem guerra e sem porfia:
Vou chorar assistindo cantoria,
Recordando João Paraibano.


O horror metafísico de Outrem!


Fernando Pessoa

O horror metafísico de Outrem!

O horror metafísico de Outrem!
O pavor de uma consciência alheia,
Como um deus a espreitar-me! Quem me dera
Ser a única consciência animal
Para não ter olhares sobre mim!
Dos olhos de cada um me fita, vivo,
O mistério de ver; e o horror de verem-me
Abisma-me.
Não posso conceber-me outro, ou pensar
Que a consciência que de mim é gémea
Possa ter outra forma, e um conteúdo
Diferentemente diferente. Só vejo
Homens, bichos, as feras e as aves,
Horrivelmente vivas e fitando.
Sou como um Deus supremo que se houvesse
Reconhecido em mim o único,
E a cujo olhar inúmero se abeira
O horror de mais inúmeros olhares.
Ah, se em mim se reflecte o transcendente
Brilho além de Deus!