terça-feira, 27 de setembro de 2011

ENTREVISTA COM BIÓGRAFO DE ROBERTO CARLOS

     

Paulo César de Araújo, fã de Roberto Carlos há décadas, pesquisou durante 15 anos sobre sua vida e escreveu um livro realmente cheio de detalhes, como sugere o título. Roberto Carlos não gostou do feito, moveu uma ação contra o autor  e proibiu que os 11 mil exemplares fossem vendidos. Que motivos teria o rei para fazer isso? Saiba mais detalhes dessa interessante história ainda inconclusa através desta entrevista.


1- GILBERTO:      Começo essa entrevista, Paulo, perguntando-lhe sobre sua origem, formação, trabalho, defeitos, virtudes e interesses.

PAULO CÉSAR: Sou baiano de Vitória da Conquista, mas moro há mais de vinte anos em Niterói. Eu me formei em história na Universidade Federal Fluminense e em jornalismo na PUC-Rio. Sou estudioso da história da música popular brasileira, mas me interesso também por outras histórias, especialmente as do futebol e do cinema. Sobre qualidades e defeitos, prefiro ouvir a opinião dos outros.

2-  GILBERTO:    Quais suas reais intenções ao escrever um livro sobre a vida de Roberto Carlos?

PAULO CÉSAR:  “Roberto Carlos em detalhes” é resultado de 15 anos de pesquisa e nasceu a partir de duas principais motivações: uma afetiva e outra intelectual. Eu cresci ouvindo canções de Roberto Carlos. Ele foi o meu primeiro ídolo na infância. Mais tarde, quando me interessei pelo estudo da história do Brasil e, particularmente, pelo estudo da história da MPB, constatei uma grande lacuna na historiografia: não havia nenhuma obra que analisasse em profundidade o fenômeno Roberto Carlos: de onde ele veio, por quem foi influenciado, a quem influenciou, como construiu sua carreira, qual a sua repercussão, por que ele é chamado rei? O livro nasceu a partir dessas motivações. E fui à luta, realizando um trabalho de pesquisa histórica, entrevistando músicos, radialistas, produtores, vasculhando jornais, revistas, discos e outros documentos. Mais que uma biografia, escrevi uma história da moderna música brasileira, tendo Roberto Carlos como fio condutor. Além de passagens da vida pessoal do artista, analisei a era do rádio, a bossa nova, o tropicalismo, a jovem guarda, os festivais da canção, a ditadura militar...

3-   GILBERTO:   Qual sua reação ao saber que seu livro fora rejeitado pelo biografado? Exatamente por qual motivo ele, ou pessoas ligadas a ele, tiveram tal atitude? Acha que ele foi influenciado nessa decisão?

PAULO CÉSAR: A reação dele me deixou muito mal, triste, especialmente porque ele nem leu o livro – conforme afirmou o seu advogado Marco Antônio Campos. É como se alguém condenasse um disco de Roberto Carlos e depois dissesse que não ouviu o disco. Sobre a insatisfação do cantor, transcrevo abaixo declaração dele próprio, quando se manifestou publicamente pela primeira vez contra a biografia, durante uma entrevista coletiva: “Para mim é muito estranho que alguém lance mão desse patrimônio que é a minha história. A minha história é um patrimônio meu! Eu acho que eu tenho que escrever esse livro e contar, quando eu quiser, essa história porque ninguém vai contar a minha história melhor que eu e de forma verdadeira. Então eu acho que é um absurdo quando alguém lança mão do meu patrimônio em seu benefício, principalmente num produto para tirar proveito comercial. Porque, sem dúvida alguma, o livro é um produto comercial. Então eu não concordo com isso, estou realmente muito aborrecido com isso e muito triste com isso. Meus advogados estão estudando o caso e com certeza a gente vai cuidar disso dentro da forma da lei”. 

4-  GILBERTO:    Parece-lhe justo que alguém de vida pública tão aberta quanto Roberto Carlos tenha o apoio da lei para impedir que se escreva algo a seu respeito, algo que, necessariamente, não denigre a sua imagem?

PAULO CÉSAR: O problema não é tanto da lei. A rigor, se as leis fossem devidamente interpretadas pelos magistrados, ou seja, com ponderação, bom senso, um livro como este não seria jamais proibido. Concordo sim que o grau de proteção conferido à imagem e intimidade de pessoas que pautam suas vidas pelo anonimato não pode ser o mesmo que os das celebridades, pois estas voluntariamente se submetem à exposição pública. Faz parte do trabalho de artistas, esportistas e políticos a ampla exposição de suas imagens e, quanto mais expostos, mais sucesso obtém. É absurdo uma figura pública querer que só seja publicado a seu respeito o que ele deseja, pois o bônus de ser famoso traz o ônus de suportar que se exponham fatos que ele não gostaria de mostrar. É o preço da fama. Quem não concordar com esse preço que fique longe dos holofotes, não queira ser famoso, admirado, adorado pelo público.

5- GILBERTO:   Você se disporia a modificar sua obra para conformá-la com os gostos do biografado, já que se trata de um trabalho feito por um apologista?


PAULO CÉSAR: Durante a audiência no fórum criminal fiquei frente a frente com Roberto Carlos e tentei uma solução alternativa. Afinal, aquela era uma audiência de conciliação. Propus então fazer uma revisão do livro, tirando alguns trechos que ele reclamava no processo. Eu sabia que isto representava menos de 1% do conteúdo da obra. Propus também ceder os direitos autorais, não queria receber mais nenhum um centavo pelo livro, mas que a obra continuasse circulando livremente. Porém, Roberto Carlos não aceitou. Ele quis proibir todos os capítulos, todas as páginas, todas as frases, tudo.


6-  GILBERTO:     Lamenta você pelo tempo que gastou escrevendo a biografia de Roberto? Que prejuízos você teve? A editora já havia feito a impressão? Se sim, o que foi feito com os volumes?  Qual foi, exatamente, a decisão da justiça?

PAULO CÉSAR: Não lamento nada do que fiz, pois fiz o que era necessário: uma biografia do grande ídolo Roberto Carlos. Mas também não me sinto derrotado. A biografia foi escrita, publicada, reconhecida pela crítica e pelos fãs, se tornou um best-seller. Claro que lamento o que aconteceu. Lamento por mim e pelo próprio Roberto Carlos. Ele não precisava ter este capítulo na sua história de vida. A justiça determinou a proibição do livro e que a editora também entregasse ao cantor os exemplares que tinha em estoque. Um caminhão de Roberto Carlos foi então à editora e apreendeu 11 mil exemplares do livro, que foram levados para um depósito em Santo André. Não sei o que ele fez com tantas cópias. É um volume imenso de livros, são caixas e mais caixas. Os livros continuam lá?  Foram destruídos?Até agora não fui informado de nada, pois não se falou mais disso.  


7-   GILBERTO:   Nesse aspecto, que mudanças você proporia à legislação brasileira para evitar que fatos dessa natureza venham a se repetir?

PAULO CÉSAR: Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei de autoria do ex-ministro Antônio Palocci. É a chamada Lei das Biografias (Projeto de Lei 3378/08), que torna livre a divulgação de fatos e imagens de pessoas famosas ou de notoriedade pública. Este projeto foireapresentado recentemente pela deputada Manuela D'Ávila (PC do B-RS) e deve ser aprovado até o próximo ano. Considero este projeto digno do apoio de todas as pessoas que amam a leitura e não toleram mais ver livros proibidos e apreendidos no nosso país. Porque se valer para os outros o que valeu para Roberto Carlos, ninguém mais poderá contar a história do Brasil sem a expressa autorização de cada personagem.


8-   GILBERTO:   Você prossegue sendo fã e ouvinte das músicas de Roberto?

PAULO CÉSAR: Veja bem: sou historiador, pesquisador  da música brasileira, e Roberto Carlos é um dos meus objetos de estudo. Não posso brigar nem ter mágoa do meu objeto de estudo. Ele é quem brigou comigo, quem me processou  – e isto é problema dele. Não acho que a música "Detalhes" ficou feia porque Roberto Carlos me levou à Justiça.  Lamento o que aconteceu, mas continuo ouvindo, pesquisando, analisando a obra de Roberto Carlos. Eu sou biógrafo dele, quer ele queira ou não. O meu arquivo RC continua funcionando  e quando meu livro for relançado, chegará com informações atualizadas. Roberto Carlos não sabe, mas eu também sou terrível.


9-  GILBERTO:     Atribui você a rejeição de seu livro a mais uma das excentricidades do rei, a algum distúrbio psicológico?




PAULO CÉSAR: Mais do que motivado por excentricidades, acho que este episódio reflete limitações e contradições do ser humano Roberto Carlos – e nós todos temos limitações e contradições. Por exemplo: no caso de Roberto Carlos o fato dele não ter o hábito de ler. Lamentavelmente, como grande parte da população brasileira, ele não adquiriu o hábito de leitura, nem de jornais. Roberto Carlos vê o mundo pela televisão, assistindo novelas, Big Brother, Fantástico... Enfim, nesse sentido ele é um típico cidadão brasileiro. Não tendo esse hábito, ele acredita que é possível existir apenas uma biografia sobre cada personagem da história, que seria a biografia autorizada pelo próprio personagem. Ele acredita que deve existir somente uma biografia sobre Lula, somente uma biografia sobre D. Pedro I ou D. Pedro II, somente uma sobre Roberto Carlos. Só uma pessoa sem intimidade com livros para acreditar nisso. Mas como eu disse, são limitações do ser humano Roberto Carlos. E contradições também, pois no clássico “Todos estão surdos” ele disse: “Não importam os motivos da guerra, a paz é mais importante que eles’. Pois Roberto Carlos não quis paz nem acordo comigo: ele quis a guerra.

10- GILBERTO:  Que outras obras já escreveu e quais pretende escrever ainda?

PAULO CÉSAR: Sou também autor do livro “Eu não sou cachorro não – música popular cafona e ditadura militar”, publicado em 2002 pela Editora Record. É um estudo sobre a chamada música brega. Ali revelo que cantores populares como Waldick Soriano e Odair José também foram censurados pela ditadura militar. Pretendo escrever outros livros sobre o tema, porque sou historiador, pesquisador, me dedico a isto. Portanto, vou fazer outras biografias ou ensaios biográficos semelhantes aos que já fiz. E espero que os outros historiadores, biógrafos e pesquisadores também não desanimem por causa de percalços jurídicos. A história do Brasil não pode ser refém do atraso. As trevas não devem prevalecer sobre a luz.

11- GILBERTO:  Desde que o fato ocorreu, qual tem sido a reação de fãs de Roberto que o conhecem? Em que mudou sua vida depois disso?

PAULO CÉSAR: Todos os fãs que conheço estão solidários à minha luta contra esta proibição e criticam a atitude de Roberto Carlos. Mas sei que existem fãs que apóiam a decisão de cantor, especialmente aquelas pessoas que não leram a biografia e nem tem o hábito de leitura. Pensam como Roberto Carlos: biografia só a autorizada. Não sabem que há mais de 300 livros sobre Bob Dylan, mais de mil livros sobre Elvis Presley e muito mais sobre Beatles. E nenhum desses livros foi proibido por não ser autorizado.
  
12- GILBERTO: Move você, atualmente, alguma ação contra Roberto, ou entregou-se à conformidade?

PAULO CÉSAR: Não há conformidade nenhuma. Minha advogada continua brigando na Justiça para trazer meu livro de volta. E isto ficará mais fácil quando for aprovada a Lei das Biografias. Sei que esta lei não terá efeito retroativo, mas vamos tentar adequar o caso do meu livro à nova realidade jurídica do Brasil. Nesse sentido, estamos em duas frentes: na Justiça e torcendo para o Congresso aprovar a Lei das Biografias. Por tudo isso, estou certo de que mais cedo ou mais tarde a biografia de Roberto Carlos voltará a circular livremente.

13- GILBERTO:  Finalize, dirigindo-se aos leitores do blog e cite alguma música, poema e/ou pensamento que mexe com suas emoções.

PAULO CÉSAR: Envio um grande abraço aos leitores deste blog e gostaria de citar um dos versos de que mais gosto do repertório de Roberto Carlos, o da canção “O progresso”, gravada no álbum de 1976: “Eu queria poder transformar tanta coisa impossível / Eu queria dizer tanta coisa que pudesse fazer eu ficar bem comigo / Eu queria poder abraçar meu maior inimigo”.

3 comentários:

  1. Gilberto meu amigo, você se supera a cada entrevista rapaz. Eu como fã do cantor, não conhecia essa história, e confesso que não esperava essa atitude por parte dele. Você mais uma vez está de parabéns por mais uma extraordinária entrevista.

    ResponderExcluir
  2. SOU FÃ DO ROBERTO E ACHO Q ELE ERROU MUITO EM PROIBIR O LIVRO SOBRE SUA VIDA.POR QUE QUALQUER ARTISTA C SENTIRIA HONRADO,EM RECEBER UMA HOMENAGEM COMO ESSA

    SANTA ALVES~SANTA MARIA-RS

    ResponderExcluir

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”