Pesadelo Real
Está deitado na rede às duas e
quarenta e oito da madrugada, tentando atrair o sono. Respira pausadamente,
seguindo a receita para se acalmar. Dois, três minutos pensando na mão pousada
na perna. Um pé sobre o outro.
Tenta se lembrar se tem algum
lixo para colocar fora. Não pense em nada, repreende-se para tentar chegar lá.
Para muitos, “chegar lá” significa um pós-doutorado, tornar-se bilionário aos
trinta anos… para ele, dormir é o que interessa, mas não quer apelar para os
comprimidos. Tem que manter os olhos fechados, esse é o propósito.
Percebe que, se ficar pensando
na sua falta de sono e agregados, jamais conseguirá dormir. Chegou a fome. Não
pretende se levantar para ir buscar comida. Seu objetivo é bem claro: dormir.
Será que vai amanhecer chovendo e ele acordado? Vai ao banheiro. Cochila no
vaso sanitário. Volta. Deita-se novamente. Agora sim, vai conseguir! Está ansioso.
“RELAXE!”, grita a voz do racional. Ah, desse jeito é impossível. O galo não
canta nem uma motocicleta passa rasgando. Se houvesse algum barulho para
colocar a culpa por perder o sono, seria ótimo, mas não, até o vento sumiu.
O calor sem ventilador o faz
tossir. Vá contar carneiros, diz para si. Vou contar mulheres. Uma, duas…
peraí! Qual é a cor dos biquínis? Três, quatro… Passam andando ou correndo?
Deixa para lá. Por que essa ideia fixa de ter que dormir? O médico disse que
tenho que dormir senão enlouquecerei. Calma! Ele fica calmo, na verdade,
aparentemente calmo.
Levanta-se de supetão e vai
atrás de uma ameixa. A semente ele joga na lixeira. Quem pensou que ele jogaria
no sanitário, enganou-se. Limpa as mãos na bermuda desbotada, rasgada pelo uso.
Volta para a rede. O vento
chegou, trazendo a esperada desculpa. Agora não tem graça dizer que não dormiu
por causa da ventania. Levanta a cabeça, tentando cansar o músculo do pescoço.
Fica uns dez minutos nessa posição, porém a dor o deixa mais alerta. Todas as
dicas foram realizadas, e nada.
Seria bom se houvesse um
interruptor quando quisesse se apagar, com alarme para despertá-lo. Sua mania
de querer ter o controle sobre tudo ao seu redor está lhe matando.
Uma sirene chega, atrapalhando.
Tiros. Perseguição policial. Aqueles protagonistas fazem aquilo em troca de
dinheiro, e ele é quem paga a conta para dormir sossegado.
A guerra continua na Rússia, no
trabalho, na vizinhança… A guerra surda por um lugar sentado no ônibus
permanece a cada viagem. É, parece que agora vai apagar. Apagou. Sonha com uma
festa no palácio. Onde estão os serviçais? Parece que tudo se arruma sozinho.
Acordou às nove horas. O sol é
descoberto pela cortina furada. Nem lembra o que sonhou e nem que teve
dificuldade em pegar no sono.
Levanta-se sem se olhar no
espelho do guarda-roupa. Agora foi que percebeu que a mulher levou o
guarda-roupa com tudo dentro. O homem que ela escolheu tem a mesma estatura.
Ah, lembrou-se também que está na cadeia. A mesma rotina da falta de sono o
persegue desde o dia que o casal foi encontrado… bem, sabemos o que aconteceu.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 10.07.2024 - 13h25min.
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