quinta-feira, 11 de julho de 2024

PESADELO REAL


 

Pesadelo Real

 

Está deitado na rede às duas e quarenta e oito da madrugada, tentando atrair o sono. Respira pausadamente, seguindo a receita para se acalmar. Dois, três minutos pensando na mão pousada na perna. Um pé sobre o outro.

 

Tenta se lembrar se tem algum lixo para colocar fora. Não pense em nada, repreende-se para tentar chegar lá. Para muitos, “chegar lá” significa um pós-doutorado, tornar-se bilionário aos trinta anos… para ele, dormir é o que interessa, mas não quer apelar para os comprimidos. Tem que manter os olhos fechados, esse é o propósito.

 

Percebe que, se ficar pensando na sua falta de sono e agregados, jamais conseguirá dormir. Chegou a fome. Não pretende se levantar para ir buscar comida. Seu objetivo é bem claro: dormir. Será que vai amanhecer chovendo e ele acordado? Vai ao banheiro. Cochila no vaso sanitário. Volta. Deita-se novamente. Agora sim, vai conseguir! Está ansioso. “RELAXE!”, grita a voz do racional. Ah, desse jeito é impossível. O galo não canta nem uma motocicleta passa rasgando. Se houvesse algum barulho para colocar a culpa por perder o sono, seria ótimo, mas não, até o vento sumiu.

 

O calor sem ventilador o faz tossir. Vá contar carneiros, diz para si. Vou contar mulheres. Uma, duas… peraí! Qual é a cor dos biquínis? Três, quatro… Passam andando ou correndo? Deixa para lá. Por que essa ideia fixa de ter que dormir? O médico disse que tenho que dormir senão enlouquecerei. Calma! Ele fica calmo, na verdade, aparentemente calmo.

 

Levanta-se de supetão e vai atrás de uma ameixa. A semente ele joga na lixeira. Quem pensou que ele jogaria no sanitário, enganou-se. Limpa as mãos na bermuda desbotada, rasgada pelo uso.

 

Volta para a rede. O vento chegou, trazendo a esperada desculpa. Agora não tem graça dizer que não dormiu por causa da ventania. Levanta a cabeça, tentando cansar o músculo do pescoço. Fica uns dez minutos nessa posição, porém a dor o deixa mais alerta. Todas as dicas foram realizadas, e nada.

 

Seria bom se houvesse um interruptor quando quisesse se apagar, com alarme para despertá-lo. Sua mania de querer ter o controle sobre tudo ao seu redor está lhe matando.

 

Uma sirene chega, atrapalhando. Tiros. Perseguição policial. Aqueles protagonistas fazem aquilo em troca de dinheiro, e ele é quem paga a conta para dormir sossegado.

 

A guerra continua na Rússia, no trabalho, na vizinhança… A guerra surda por um lugar sentado no ônibus permanece a cada viagem. É, parece que agora vai apagar. Apagou. Sonha com uma festa no palácio. Onde estão os serviçais? Parece que tudo se arruma sozinho.

 

Acordou às nove horas. O sol é descoberto pela cortina furada. Nem lembra o que sonhou e nem que teve dificuldade em pegar no sono.

 

Levanta-se sem se olhar no espelho do guarda-roupa. Agora foi que percebeu que a mulher levou o guarda-roupa com tudo dentro. O homem que ela escolheu tem a mesma estatura. Ah, lembrou-se também que está na cadeia. A mesma rotina da falta de sono o persegue desde o dia que o casal foi encontrado… bem, sabemos o que aconteceu.



Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 10.07.2024 - 13h25min.

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