sábado, 6 de janeiro de 2024

PRESENTE DE ANO NOVO

 


PRESENTE DE ANO NOVO 


Amanhã logo cedo vou conhecê-la, disse para a esposa que já havia ido lá. Uma casa num condomínio de luxo com tudo que tinha direito. Foi. Viemos fazer o cadastro do reconhecimento facial. Um dos espaços geniais é um banco debaixo de uma árvore que o apelidou de cantinho da poesia. 

Saíram caminhando para as diversas quadras esbarrando nas três de tênis. Duas moças estavam tendo aula. Estudei muito até descobrir que é preciso acompanhar a bola assim que ela bate na raquete do adversário, explicava para as jovens sem deixar de ouvir algumas falas do professor revirando os olhos. 

A piscina semiolímpica também lhe chamou atenção. Quatro raias o empolgaram para encontrar logo o defeito dos chuveiros interditados. Mergulhou quebrando as regras, por isso já estava preparado em dizer nem sabia se alguém ralhasse por estar entrando suado na piscina. A água está fria?, perguntou uma mulher que ia chegando para a academia no mesmo prédio. Agora está aquecida. Ela colocou a mão na água e conversou meu avô era poeta. Andava com uma caderneta no bolso para anotar o que pensava e só escrevia soletrando. Era bacana ouvi-lo recitando sílaba por sílaba bem ligeiro. Ela subiu para o andar das esteiras, dos pesos, espelhos, caretas e poses acompanhada por uma amiga que já trazia, acima do pescoço, uma performance de setenta anos. 

Encontrou um homem com uma gaiola. Estou campeando este golinha. Ele explicou que campear significava trazer o pet para perto da mata e ver um outro da natureza defender o seu território com pios estridentes. Enquanto conversavam, aquela é a fêmea que não canta, o outro macho ficava voando por longe evitando os dois monstros que gostam de ver passarinhos aprisionados. 

Os monstros conversavam sobre viagens, investimentos, nem se importando com a qualidade de vida do golinha. O bichinho só tinha a opção de permanecer pulando num espaço de quarenta centímetros e cantar com o mesmo propósito do assum preto dos olhos furados. A história se repetindo debaixo do céu azul sem que o gosto do ex-menino possa ser modificado pelo homem que se orgulha daquela época em que foi construída sua vocação. 

Isso só é possível porque existe o comparsa responsável em expedir documento dando direito a alguém prender um ser vivo por ter cometido o pecado de nascer predestinado a cantar e bater asas. 

Despediram-se com o autor do crime confessando a fé naquele que também foi aprisionado, com a diferença que o golinha não estava na cruz.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Parnamirim/RN, O5.01 2024 - 16h37min.



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