PERSONAGENS SUBJUGADOS
Numa casa velha eles viviam brigando pela manhã, à tarde iam dormir e à noite esqueciam tudo. E daí? Eles morreram. Quem? Os dois velhinhos. Não, não pode matar eles agora senão a história acaba logo no início. Eles apenas morreram para que pudéssemos falar do personagem principal. Ah, tá! Tudo bem! Então quem é ele? Não vou contar! Por que você não diz logo quem é? Estou em dúvida se coloco o coveiro... Ah, não, coveiro não serve. Quem sabe se serve ou não sou eu que sou o dono do roteiro. Veja aí se tem outro para que eu possa dar um palpite. Eu não estou atrás de palpite, apenas escute.
O coveiro estava com uma frieira no pé. Então não era coveiro, era um paciente. Sim, mas era um paciente coveiro. Continue! Só porque você mandou continuar, agora eu me calo. Deixa de ser nojento! Enquanto você fica nessa indecisão, eu vou tomar café. Eu também. Nada disso, você fica aí falando. Eu não, vou tomar café com você. Comigo mesmo não!
Saíram os dois, um na frente e ou outro seguindo-o para a cozinha. O café já estava pronto em cima da mesa, alguns bolinhos num prato. Quer bolo? Quero queijo. Quem foi que disse que tem queijo? O narrador. Ah, sim. Além dos bolinhos tinha um quilo de queijo. Eu gosto de queijo de manteiga. Só tem de coalho. Tudo bem... tinha queijo de manteiga e coalho, bananas, tapioca e... O que você quer mais? Tá bom, só isso mesmo.
O coveiro chegou à cozinha. O que é que você está fazendo aqui? Vim atrás de ação, pois estava lá no hospital esperando você falar em mim, e como minha frieira estava incomodando, gostaria que você mandasse o médico me examinar.
Enquanto eles comiam, lá no hospital o médico examinava o derrame no coveiro. Espere aí! Eu estava apenas com frieira. Estava, falou certo, mas quando chegou ao hospital sentiu-se mal e foi detectado um derrame. Vamos fazer um trato. Eu me retiro da cozinha e você retira meu derrame. Nada disso, se eu fizer isso os velhinhos querem que eu os ressuscite. Isso mesmo, falaram os velhinhos. O coveiro pegou a pá e meteu nos defuntos que falaram. Vocês já morreram! Se coloquem na posição de mortos. Os dois permaneceram calados dignos do comportamento de defuntos.
A comissão Julgadora tirou um ponto do narrador por ter feito algo inverossímil. Comissão de merda que não sabem de nada. Quem é que não sabe de nada? Vocês que estão aqui só porque são amigos do dono. Menos um ponto. Podem tirar, e eu desmancho vocês e vou formar uma nova comissão toda comprometida comigo.
Refeita a comissão, ela própria mexeu nos personagens retirando o coveiro do hospital e colocando-o para cavar. Então tá. Eu aceito o derrame. Agora é tarde. O coveiro ficou cavando dez covas sem direito ao almoço. Como vou dar conta do recado sem almoçar?
Chegou o administrador do cemitério e meteu dez chicotadas no lombo do coveiro só porque ele não teve a dignidade de aceitar seu papel calado. E eu não aceito mesmo não. O administrador continuo chicoteando o coveiro e depois ainda jogou sal nas feridas abertas. Assim é demais. Eu ter que cavar num barro duro desse e ainda mais ser torturado.
Os velhinhos que estavam esperando serem enterrado perderam a paciência e partiram para cima do administrador. Isso é impossível, gritou ele sem poder usar o chicote preso nos ossos das caveiras. Seria impossível se isso não fosse ficção de terror. Ah, não! Não trabalho com terror, disse o coveiro. Você não tem querer, respondeu o autor cortando a língua do coveiro. Espere, disse o administrador. Essa parte de cortar a língua dele é minha. Nesse momento caiu um meteoro que matou o administrador. Assim é demais!
Depois de morto, veio uma entidade do mal levando a alma e o corpo do administrador para as profundezas do inferno. O autor olhou para o coveiro e perguntou: alguém mais quer reclamar?
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 29.11.2023 - 21h22min.
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