sexta-feira, 4 de agosto de 2023

MUDANÇAS RADICAIS



MUDANÇAS RADICAIS


Mais uma vez estou no mato sem cachorro, disse a moça em pleno asfalto levando dois cães para um passeio matinal. O que ela queria era um homem que lhe desse o que os cães não lhe davam: amor. Mas os cães lhe amam, não? Eles apenas são atraídos pelo meu comando e pulam enganando-me que gostam, respondeu ela de acordo com sua sabedoria da experimentação. A maior descoberta da humanidade não foi a roda, foi saber que os animais sabem fingir, completou enchendo o saco com as fezes deixadas no canteiro.    

Ela já havia feito de tudo para conquistar seu lugar ao lado de um homem, agora aluga cães tentando essa aproximação. Preciso de várias artimanhas para chegar ao que quero: trocá-los por duas crianças vindas do meu útero, contudo reconhece que está supercomplicado. Já tentei academia, barzinho, mas está difícil concorrer com o smartphone. 

Sua revolta se avoluma ao anoitecer e amanhecer convivendo com um vazio do lado esquerdo da cama, contando com a experiência de já haver conquistado um deles, só que esse também gostava do mesmo lado, e assim, cada um foi em busca de alguém que tivesse gostos diferenciados. 

Numa mudança repentina, encontrou  um disponível na pista de corrida. É bom de conversa, de cama, mesa e banho, e começaram o romance. Preciso me movimentar mais um pouco, pensou quando estava de joelhos agradecendo num banco de missa. Com a movimentação colocada em prática, logo apareceu uma filha provocando dores de parto normal. Era isso que eu queria?, perguntou a si mesma, pois já estava enjoada com tantas dores da alma, reafirmando que precisava muito do desconforto corporal para fazer gerar pensamentos nunca experimentados. Alguns bebem, brigam, tomam droga com o único objetivo de sentir bombardeios externos, divagava apalpando os tomates na feira. 

A diferença dos cães, é que a filha não precisa de coleira. Suja igual a eles, porém sonha que um dia ela conquistará a independência de se limpar por conta própria. Esse meu dedo não permite que eu tire a aliança, olha para a mão que coça devido a pouca oxigenação causada pelo círculo de ouro colocado na hora do sim. Permanece presa em uma redoma viciante no papel de mãe. Antes sonhava com esse momento, agora a realidade exige novos sonhos num girador sem fim.  

Mesmo sabendo que o futuro da minha filha é se tornar uma defunta, permaneço cuidando como se ela fosse viver eternamente. Não pude gerar um ser que, ainda feto, pudesse tomar um atalho para o objetivo final.  Parece que sou comandada pelos hormônios da maternidade. 

Bom-dia, entra cumprimentando os colegas de trabalho. Nem queria me preocupar com minha cria, porém fico apegada me assemelhando à cadela protegendo seus filhotes. Como está?, dirige a palavra à sua colega sentada parelha de meia. Nessa hora, meu doutorado não serve para nada, pois as reações são as mesmas de uma mula qualquer. 

A razão diz para deixá-la aos cuidados da babá porque aquele ser dever ser comparado a uma bactéria ingerindo alimentos, no entanto não consigo dizer uma palavra que não traduza melhor esse sentimento do que amor. Deve ser por isso que há o domínio religioso pegando carona nesse sentimento para fazer valer toda a arrecadação monetária para o templo. 

E o marido como está?, pergunta-lhe a amiga no primeiro aniversário da filha. Está amando, além de mim, a empregada e a babá. Ele tem um ego nas alturas, por isso escolheu nós três para se sentir machão. Tem um lugar para mim?, pergunta a amiga recém-separada. O papo continua em clima de solidariedade afetiva já marcando o primeiro encontro para daqui a pouco. Claro que ele concorda. Qual o homem que não sonha com um harém?

Afasta-se para dar atenção aos demais convidados. Gostaria de ser homem para sentir como é direcionar o jato. Sua mágoa se origina no porquê dele possuir bem exposto, e ela, bem oculto. Posso segurar enquanto você faz?, pergunta ao marido matando a curiosidade e o desejo de sujar as bordas do sanitário daquele salão de festas. 

No final dos parabéns pra você, a amiga já havia experimentado seu marido, na sala vip, sem maiores problemas. Pagou a quantia do aluguel que ela cobra por fora sem ele saber, e está tudo resolvido. Não diga a ele senão perde a graça. Tudo bem! As outras amigas choveram depois que souberam da disponibilidade de trair sem medo. 

Às três horas da manhã, depararam-se com a perda da chave do apartamento. Chame o chaveiro. Não amiga, durma aqui no meu, amanhã resolveremos. Todos adentraram ao espaço vizinho e nem conseguiram dormir, com exceção da criança aniversariante.  O marido pediu ao amigo para bater o ponto, e assim quem não tinha fôlego para continuar esvaziou-se no sofá sem se importar que a festa continuasse bem diversificada. 

Se alguém censurar essa nova modalidade de convivência, será avaliado como sendo uma reação de pura inveja, pensou enquanto escutava o choro de uma amiga assim que recebeu a mensagem do que estava perdendo. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 04.08.2023 – 14h39min.



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