CASO EM ABERTO

 

CASO EM ABERTO 

Ele estava nadando na piscina da mansão. Quem observasse mais de perto, percebia que ele boiava despreocupadamente. Observação feita um pouco mais demorada, chegava-se à conclusão que estava boiando com a cara n'água.

Retirado o corpo, percebeu-se três furos redondos e profundos no peito. Desabotoando a camisa, supunha-se de projéteis calibre matador. Abrindo com uma serra de cortar carne, encontrava-se os pedaços de chumbo espalhados pelo coração, pulmão etc. 

A viúva veio observar o achado, ficando estarrecida por uns minutos. Depois de um tempo observando-o estirado na grama ao lado da piscina, uma lágrima rolou do seus belos olhinhos azuis. Em seguida, mais duas, mais quatro ficando a rolagem de lágrimas contadas em progressão geométrica sem possibilidades de serem absorvidas por um simples lenço. Ela pegou o blusão chique com o qual estava vestida e usou para se enxugar, no entanto as lágrimas não cessaram ensopando o blusão em poucos minutos. Ela não se deu por vencida diante daquela catástrofe. Tirou a blusa e segurou no rosto por mais instantes até deixar a blusa pingando. Jogou perto de onde tinha atirado o blusão e desabotoou a saia. O nariz, acostumado em sentir cheiro de roupa íntima, contribuiu para ensopar também calcinha e sutiã junto com a saia. De tanta água saindo dos canais lacrimais, ela aproveitou o xampu que trazia na bolsa para lavar o longo cabelo loiro.  

Um carro estacionou em frente à mansão. Só se ouviu o barulho da frenagem superando o da sirene. O motor foi desligado. A sirene também porque um dos vizinhos jogou uma pedra para acabar com a zuada. Uma porta se abriu, rapidamente; uma outra também um pouco mais devagar; a de trás não ficou nem um minuto fechada; a do outro lado estava quebrada e só se abriu depois de várias marretadas dadas pelas testemunhas que sabendo que seria assim, trouxeram alavancas e marretas para o local; o porta malas foi aberto na hora que, bruscamente, pararam. 

O policial motorista procurou os óculos de sol, porém estava faltando uma lente preferindo ir sem esse seu material importantíssimo de trabalho. O da frente ajeitou o boné, ensaiou a cara de mau e olhou em direção ao portão. Estava com preguiça de gritar polícia e ficaram discutindo quem iria anunciá-los. Par ou ímpar? O da porta enguiçada preparou a garganta e gritou. A voz de comando emperrou do mesmo jeito da porta porque ele era conhecido por soldado emperrão. Nova rodada com os outros três restantes até decidirem intimar um vendedor de cuscuz que ia passando para gritar no lugar deles. POLÍCIA! Foram eles que mandaram eu gritar. 

Saíram do carro, cada um tirando uma selfie. O senhor vai querer cuscuz? Está quentinho. Prepararam-se para bater as portas com força. É melhor deixar essa quebrada aberta. Vai que na volta não se consegue abri-la. Só encostaram a quebrada, sendo que as outras três teriam que ser reguladas assim que voltassem para a base. 

Quem vai na frente? Eu que sou o cabo. É melhor ser eu porque sou sargento. Escolheram o cuscuzeiro para ir dando guarita. Por aqui senhores. O mordomo saiu em passos elegantíssimos servindo de guia para os demais. Olha o cuscuz! A comitiva chegou ao lado da vítima. Que coisa, né! Pois é. Morreu? Não, está esperando o carrinho do cuscuz passar. Sou eu! Então vá passar.

Ele saiu deixando as autoridades discutindo. Quem terá feito isso? Três balas, respondeu a viúva nua. Pode parar de chorar. Há algum suspeito? O cuscuzeiro. Acho que foi o mordomo. Eu não! Deixe eu olhar suas mãos. Hummm... Essa base de unha você comprou onde? A madame que me deu. Anote aí, detetive. Alguém ouviu os disparos? Acho que os cães. Traga o papagaio. Você ouviu o quê? Curupaco. Esse é o nome do suspeito. É melhor dispensar essa testemunha, sargento. Bem, levando em consideração que ele morreu de morte matada, violentamente de tiro atirado, é melhor chamar o perito. PERITOOO!, gritou o papagaio. Pronto!, cheguei e já sei quem o matou. Adivinhem! Só não fui eu, gritou o anão. O que é que esse anão está fazendo aqui? É o meu personal trainer, disse a viúva fazendo pose. Quem adivinhar quem matou, ganha o bolão, ninguém deu atenção ao anão. Vamos gente, dê seu palpite, insistia o perito rindo para mostrar o dente de ouro. Nada de opiniões, pois acharam melhor ficar consolando a viúva. Cadê a arma? Está aqui! Quando olharam para o anão ele estava com a braguilha aberta fazendo graça. Joga ele na mala. O anão correu. Perderam-no de vista. Levaram o morto para exames mais minuciosos. 

É, e eu nem sei se descobriram o assassino, o que sei é que permaneço consolando a viúva sem um pingo de tempo para seguir a investigação.

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 21.08.2023 - 10h02min.