domingo, 23 de julho de 2023

O TRIVIAL JÁ FOI DITO

 


O TRIVIAL JÁ FOI DITO


O que gostava mesmo era quando o cão ficava debaixo do seu vestido, lambendo-a, enquanto lia. Duas páginas, depois parava um pouco, respirava, ia ao banheiro e retornava para continuar a leitura. Quando saciada, colocava-o preso na coleira e adormecia. Durante a madrugada, os sonhos mostravam-lhe os clássicos amoroso entre Tarzan, Jane, Chita, burra do padre, Chapeuzinho, lobo mau, tudo junto e misturado. Seu imaginário estava repleto de casos estrambólicos tirados de uma realidade visivelmente denunciante. 

No dia seguinte, será que permaneço sonhando?, mas não, seu trabalho no pet shopping estava rodeado de casos mal resolvidos, motivo maior de tanto sucesso com os de estimação. Atendia-os com um sorriso contido imaginando o que se passava com cada um que trazia seu amor-estranho-amor disfarçado nos irracionais. 

Lembra-se quando decidiu ficar com o bebê da madrinha enquanto ela foi trocar o curativo da cesárea, e logo o colocou para sugar-lhe enquanto se dedilhava. Naquela época de adolescente, já transformava suas fantasias em realidade sem a menor cerimônia. Despertou esse lado curioso quando viu, por trás da moita, seu irmão utilizar bezerras e cabritas para oralizá-lo. No sítio distante de vizinhos, a forte libido não os abandonaria jamais. Seu pai dava-lhe banhos demorados com o consentimento da mãe que cuidava do irmão maior. Foi vendida para uns caixeiros-viajantes por livre vontade combinada com os pais que, não tendo como sustentá-la nem contê-la, aceitaram a boa proposta.

Ela sempre estivera além da cobiça da moeda. Um dos seus compradores morreu de infarto por excesso da montaria e o outro aceitou receber o investimento proposto pela dona da casa da luz vermelha. Um dos frequentadores do baixo meretrício a levou para o altar. Casou-se de véu e grinalda num dos maiores acontecimentos da época. Seis meses depois estava casada com um dos participantes dos swings que seu ex-marido, internado numa casa para loucos, promovia regado a muito alucinógenos. 

Ela nunca precisou se viciar em nada além do seu próprio corpo, é tanto que experiências com as empregadas e os demais serviçais nunca a impediram de ter um bom relacionamento com os homens que a desposaram. Ao todo foram cinco que a deixavam ir por falta de energia para acompanhá-la na cama, no meio da casa, em cima do telhado etc., em todo canto uma ou várias experiências, inclusive sendo multada por excesso de velocidade ao dirigir sentada no colo do motorista do caminhão carreta. Os guardas logo rasgaram a multa depois que ela fez uma visita acompanhada ao banheiro do posto policial. Em cima de trem e dentro do banheiro das aeronaves, tudo registrado em vídeo constando no Guinness como a maior variedade de lugares e parceiros. 

Jamais se acalmou, e hoje seu empreendimento conta com um reservado para testar os donos e donas dos inocentes animalzinhos.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 23.07.2023 - 09h35min.



Um comentário:

  1. Um conto que provoca reflexões sobre limites da moralidade, transgressão social e desvios psicológicos. Excitante temática. - Gilberto Cardoso

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