terça-feira, 20 de junho de 2023

SÉRIO?

 


SÉRIO?


O que há de mais atrasado está aqui representado. Quando se expressa algo através da escrita toda a magia do pensar se esfacela. O outro que apanha a mensagem nem sempre está no mesmo nível em que a mensagem foi criada, e isso contribui para deixar distante o emissor do receptor.

Escrever e ler tem a mesma importância do nada. O mundo jamais deixará de existir se a literatura deixar de ser praticada, é tanto que não cura doença e nem enche barriga e muito menos torna as pessoas felizes. Há pessoas que ainda se envaidecem de saber manipular palavras num mundo dominado pelas imagens, e isso também é um efeito colateral dessa prática. 

Dizem que uma imagem vale mil palavras, e eu creio. Nem sei o porquê de estar insistindo em permanecer assentando ainda essas letras por aqui, mas desconfio que sou um caso sem cura. Acredito que se tornou um vício igual a tomar cachaça, é tanto que vou fundar o ELA, Escritores e Leitores Anônimos, para agregar as pessoas que não podem passar um dia sequer sem ler ou escrever. Sei que o lema "evite a primeira sílaba", vai ser difícil de cumprir, já que em todo canto tem um letreiro exposto indicando alguma coisa. Basta só sair dirigindo que as placas de trânsito fazem questão de nos empurrar para essa perdição. O mundo está dominado por esses pequenos sinais que têm o objetivo de deixar as pessoas angustiadas. Ninguém nunca será feliz se souber ler, esse é o argumento difícil de se contrapor. 

É através da literatura que se instala o medo nas pessoas, e quando não, estimula a ganância de querer ser um herói de mentira conhecido através da literatura. Sherlock Holmes, Harry Potter e tanto outros são exemplos de modelos humanos impossíveis de serem alcançados na vida real, no entanto estamos disponíveis a reservar nosso tempo para gastar com mentiras. Ou elas são importantes, ou nossa vida não vale a verdade. 

Ficção e mais ficções são despejadas desde criança nas escolas só para desviar a atenção do que interessa. Se começássemos a incutir nas crianças que elas são um amontoado de tripas e sangue com o objetivo só de consumir, procriar e morrer, não teríamos muitos casos de loucura por aí. A loucura vem da tortura mental dessas histórias fantasiosas que se prega desde pequeno através de quem? Da escrita, nossa vilã de hoje.

Estamos a todo instante fazendo girar as máquinas que produzem letras agarradas em palavras com significados nem sempre plausíveis. Quer coisa mais torturante do que uma receita médica? Uma multa ou sentença de morte vem na forma escrita. O que se produz de coisa ruim através da escrita é muitas vezes superior do que de bom é registrado.  Parece que estamos substituindo a tortura real pela virtual de maneira mais e mais acentuada. Essa verdade é tão verdadeira que basta perguntar a uma criança se ela gosta do prédio feito para ensinar a ler. Claro que há os sadomasoquistas que irão dizer que adoram a escola e que querem ser professores. Não neles, é o conselho que dou. Claro também é que tem os questionadores que irão perguntar pelo que vamos substituir toda essa cultura escrita, e vou logo avisando que nunca vi um baobá ensinando como fincar suas raízes de forma eficiente aos seus descendentes. Tinha até graça ver um elefante com um livro na tromba. É só olhar ao redor e perceber que a natureza é natural exatamente porque deixa tudo isso de lado.

O vento é tão sábio que nunca permitiu que seu barulho fosse escrito assim como o brilho do sol nem o ir e vir do mar. Sempre dizemos que estão fazendo o que vieram fazer, mas a onomatopeia do vento não existe. Mas deixemos esses seres de lado e vamos pegar um ai simbolizando uma dor. Nem sempre o ai de uma disenteria é o mesmo de uma dor de apendicite comprovando com isso que sempre estaremos sendo enganado pelo que está escrito. 

Se a escrita é insuficiente para demonstrar tudo que existe de forma que todos entendam independentemente do nível de escolaridade, é verdade que há um monopólio crescente para dificultar o entendimento e com isso fortalecer as instituições que ensinam o que não serve.  Inventam-se histórias para desviar da introspecção profunda do ser, e esse cabedal de histórias e discursos vem escrito com o objetivo de nos tornar escravos desses pequenos signos dominantes. É uma questão mercadológica. Muita gente ganha dinheiro defendendo que temos que aprender para ser alguém na vida, só que esquecem de dizer que por mais que se cresça nunca superamos os famosos sete palmos de cova. 

O conhecimento acadêmico é tão insignificante diante da vida que quem cava a sepultura geralmente é um analfabeto. O homem letrado vai ser humilhado por outro que se esforçou apenas para saber cavar buraco e dar uma risadinha irônica, pensando: esta besta se esforçou muito só para alimentar minha vaidade de dar a última canetada de terra na cara dele. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 20.06.2023 - 09h41min.



2 comentários:

  1. À semelhança de Schopenhauer em seu ensaio "Sobre a Leitura e os Livros", o eu-lírico de Heraldo tece críticas à leitura e à escrita. À semelhança dele, também, continua escrevendo. "O sol doira sem literatura", escreveu F. Pessoa. O bom da escrita e da leitura é isso: mesmo minimizando sua importância, dá para produzir bons textos. Destaques para o parágrafo final. - Gilberto Cardoso dos Santos

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