NO LUGAR CERTO E NA HORA EXATA
Resolveu descer para a recepção do prédio querendo encontrar pessoas. Sua vida solitária o deixava amanhecendo e anoitecendo na mesma tristeza. Depois que a esposa viera a falecer e os filhos sem dizer que estavam vivos, aprontou-se visando despistar que iria só observar a movimentação do entra e sai daquele apart-hotel.
Antes de descer, jantou vitamina com bolacha salgada ensopada com creme de amendoim. Nunca havia experimentado esse tipo de alimento, porém tinha que consumir com a promessa de nunca mais. Indeciso, resolveu lavar a louça bem devagar olhando para a espuma do detergente em suas mãos comprovando que a água desce no cano da pia girando da esquerda para a direita. Dizem que no hemisfério norte a água desce ao contrário.
Abriu a porta certificando-se antes que o corredor estaria vazio e ficou imaginando quanto tempo demoraria para aquela mesma porta ser fechada por outras pessoas. Estava querendo ir embora, comprar uma cabana no meio do mato e deixar seus sonhos para trás. A cidade para ele já havia se esgotado em suas novidades, e mais agora que o virtual estava em todos os lugares, respirar ar puro era o mínimo de conforto que poderia querer.
Chegou ao salão e foi sentar-se nas cadeiras de visita. Se os móveis refletissem seu estado de espírito, não estavam brilhando tanto. Chovendo, deu logo para perceber ao levantar a vista em direção à rua. Por isso que estava sentindo um aperto na alma. Toda vez que serenava, seu humor era alterado para uma nostalgia ao ponto de choro.
Boa noite, uma jovem com dois cães pequenos o cumprimentou. Saíram para o passeio noturno e ele ficou imaginando que influência aqueles três seres exercem uns sobre os outros. Ela no comando sendo comandada pela impaciência de animais criados para viverem soltos e que permanecem travados pelo gosto daquele outro. É a vida moderna onde uma mulher precisa de animais de estimação para se sentir menos solitária, esse comentário foi feito de forma silenciosa e sem censura.
Ele também precisava estar ali para suportar a sua solidão. Quantas pessoas também estão sentindo o mesmo? O porteiro no seu lugar, longe da família e olhando para as câmeras, espanta a sua toda vez que vem para o trabalho, imagina ele sem olhar diretamente para o balcão onde ele se encontra.
Um jovem chega do lado de lá do vidro, interfona e tem sua entrada permitida para subir e deixar comida pedida pelo aplicativo. Passa apresado com uma capa preta e molhada. Poucos centavos estarão disponíveis para ele daqui a pouco pelo serviço prestado. Que sonhos aquele jovem pensa em realizar daqui a dez anos? Naquela idade ele mesmo jamais poderia imaginar que estivesse naquele lugar com tudo de bom e de ruim já acontecido na sua vida. Restava ficar se entretendo com os que chegaram há pouco tempo nessa existência.
Sua atenção volta-se para um food truck em frente. Dali se pode escutar uma mulher cantando "não deixe o samba morrer.” Quantas vezes aquela canção será tocada por ela, já que toda noite vai para um lugar diferente defender seus centavos igual ao rapaz da pizza?
Ele já foi várias vezes à praça de alimentação e ficou indignado com uma mulher que tem a função de puxar palmas. Deve ser uma das contratadas. Palmas são vendidas também, coisa que ele jamais imaginaria que houvesse mercado para isso. O movimento para as bandas de lá hoje está fraco. Os turistas tiveram medo da chuva, mesmo sendo fina espanta os batedores de palmas e de carteiras.
Um homem vermelho chega com uma mulher marrom. Não é pai e filha nem marido e mulher. Ela com uma saia curta evidenciando as pernas de academia e ele vai atrás apreciando o gingado da cabocla. Estão expressando a felicidade através de beijos demorados. Abraçados, ignoram quem fica ali paralisado com o sensor da moral e dos bons costumes. Sobem rindo e falando numa língua que ele não entende, só sabendo que a relação está bem traduzida pela linguagem da libido.
Demora um pouco, mas a moça com os cães está de volta do passeio. Ele se levanta e se dirigi para o elevador de serviço enquanto ela se aproxima. Entram juntos como haviam combinado. A porta se fecha e vão, quem sabe, misturar suas solidões.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN 15.06.2023 - 21h17min.
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