AS LEIS NOSSAS DE CADA DIA (MACIEL SOUZA)
— Me dê um copo de H2O! Ao que
prontamente em resposta colocou sobre o balcão um copo e o encheu com água,
animado e não emudecido: — Tá vendo,
também sei inglês!
Na condição de
testemunha, presenciei uma situação representativa daquelas que neste contexto
se submetem à legislação gramatical, sem nenhuma transgressão. Foi numa interpelação,
quando assisti a um senhor cativando o freguês para ser justo na cobrança da
conta, tanto quanto o foi no exercício da linguagem formal: “Foram quantos
sequilhos mesmo?”
Ouvindo casos contados
por meu pai que se passaram em nossa cidade, faço o relato de dois deles e
justifico a ação da autoridade policial. Um se deu pela passagem de um sargento,
quando junto a sua esposa o policial organizava, participava e era um dos mais
animados nas noites de carnaval. Num desses dias seu Zé André puxou da cintura uma
faca a fim de fazer um cigarro de palha, logicamente foi abordado pelo sargento
em traje carnavalesco e munido do artigo 244 do Código
de Processo Penal Brasileiro criado em 1941:
— E essa faca?
— E o senhor, quem é?
— Eu sou o delegado!
— A mim não me consta,
pois eu conheço a “poliça” é pela roupa e pra mim o senhor tá nu.
Pela letra da lei, o Código de Processo Penal Brasileiro na época
dos fatos previa que “A busca pessoal
independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de
que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que
constituam corpo de delito...” Em minha insistência na procura achei coerente e
lógica a interpretação prevista no
citado artigo de que “Diante da fundada suspeita de que uma pessoa
esteja na posse de arma proibida, o policial pode e deve realizar a busca
pessoal, independentemente de mandado”.
O segundo caso foi com um senhor conhecido por Boa Noite. Seu Boa
Noite foi abordado pelo Policial Militar diante da denúncia de que estava
embriagado e portando um objeto cortante:
— Me dê a faca!
— Num dou!
— Pois teje preso!
— Num tou! – O
Código Penal no artigo 330 já fixava pena para quem desobedecesse à autoridade,
o que neste caso deve ter sido um agravante.
Por justiça,
atribuo ao meu bisavô Fernando Vazinova a autoria da frase: “A ‘ignorânça’ atravanca o progresso”.
A citação é dos dias
em que seu Boa Noite obscureceu a autoridade policial e contempla ainda
atualmente, desde a reação do senhor que se envolveu num acidente, batendo boca
com um transeunte curioso que importunava a sua paciência dando palpites em sua
desgraça “E você é da lei? Se não é da lei,
cai fora!”, até o seu julgamento nos Tribunais amarrotados de processos longos
e lentos, dos
debates acalorados em torno das vidas congestionadas, face ao emaranhado de leis,
decretos, portarias, estatutos, códigos, regimentos, normas, regras, artigos,
acordos, combinados, etc., nos livros, nas placas, nos murais, na vertical, na
horizontal, à esquerda ou direita volver, com base no ordenamento jurídico de
longas narrativas em parágrafos e incisos para delimitar, organizar, moralizar,
corrigir, advertir, coibir, permitir, penalizar, cansar...
Todavia, citando Euclides da Cunha quando engenhou Os
Sertões, “Resumamos: enfeixemos estas linhas esparsas” que diferentes na obra
do escritor—jornalista—militar, na minha ousadia aqui são bem poucas, mas
intensamente passíveis de penalidades, tanto quanto quando expostos a
simpáticos lembretes: Sorria, você está sendo filmado! ou àqueles bem
autoritários: Silêncio!...
Maciel, vc me fez lembrar dos fãs de Reginaldo cantando "Esse corpo negro e tão pequeno...", ao invés de corpo meigo, por se tratar dum adjetivo pouquíssimo utilizado. Outro dia alguém quis cancelar o grupo Skank por causa da música "Macaco cidadão". Na verdade ele se referia a "Pacato Cidadão. Esse tipo de ilusão auditiva é bem comum e gera episódios engraçados como os elencados em sua crônica. Já que vc falou em H2O, há um termo em inglês para esse fenômeno: "Slip of the Ear". Teje intimado a escrever com mais frequência.
ResponderExcluirQue bom que nosso amigo Maciel voltou a escrever! O cara é muito bom! Gostei da crônica! - Nailson Costa
ResponderExcluirCrônica excelente. Maciel escreve muito bem.👏👏👏👏👏👏 - Lindonete Câmara
ResponderExcluirTexto hilário e bem escrito por Maciel. Sendo sucinto bastante neste comentário, para não delongar no escrito ou na vida alheia de cada personagem, diria: isso não é da minha "ossada".
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