PRISIONEIROS NA FILA DA COMUNHÃO
É tão simples narrar, mas tem dia que o acontecimento mais importante que se tem para registrar é o tic-tac do relógio. Olha-se para os lados e só existe um silêncio transformando dias em séculos. É nesse passo de tartaruga que a raiva e o tédio pegam carona nas coisas mal resolvidas. É o famoso “remoer.” Quem nunca passou por isso, que atire o primeiro não. Pode as finanças estarem equilibradas, o sol convidando para uma caminhada, entretanto a trilha escolhida é a do sofrimento. Parece até que existe uma dívida para ser paga ao universo quando se está bem. Há alguma coisa errada, logo se pensa quando bate o bem-estar.
Pela cultura vigente, o sofrimento limpa o espírito, e ao contrário, suja-o. Quebrar esse círculo vicioso não é fácil. Em tenra idade, a criança é introduzida nos ditames do jejum, coisa não muito confortável de praticar. É preciso muito jejum e "repetição," ouve-se dos mais velhos tentado colocar freio na espontaneidade. Deve-se conseguir as coisas só através do sofrimento, prossegue a ladainha até o recém-chegado tomar para si o papel de doutrinador responsável pelo reinício do ciclo.
Com a chuva já aconteceu essa privatização. Um Deus também para o vento, um santo para a boa colheita, outro para a saúde etc. O que estiver fora do catálogo, é coisa do mal e, sobre as exceções, estamos proibidos de exercitar o livre-arbítrio do questionamento. É mais confortável aceitar como sendo verdadeiro do que colocar um "será?" no meio de tudo isso. Trata-se da conivência obtida pela convivência com parentes, vizinhos e sociedade. Todos dizendo que sim, então um "não" soaria como "coisa do outro mundo."
O trabalho de convencimento começa nos momentos de "fragilidade parturiente." A caixa de surpresa da barriga deixa inabilitada a "função discordar". Neste momento, prevalece o medo de parir um monstro, e aí fica fácil passar ideias adiante. Nem sei se não sentíssemos esse medo, estaríamos ainda por aqui. O medo do fracasso, da dor, nos leva a essa subserviência que, por sua vez, desdobra-se em humildade. "Os humildes herdarão a terra...", e essa ganância em se tornar herdeiro faz muitos optarem pelo treinamento intensivo e exclusivo da humildade, visando, consequentemente, serem incluídos na lista de "espoliantes" do reino onde não há dúvidas nem medo.
É pela busca desenfreada e incessante por esse mundo ideal que mora o fracasso. Diz-se que não se deve ter ganância, mas só o registro e a prática da doutrina em si, já demonstra o contrário. As pessoas que conseguiram a consciência plena, nunca escreveram nenhuma doutrina. Os que sim, não haviam chegado ao nível de entender o próprio pensamento em harmonia com o ambiente. Essa é a verdadeira busca que se deve ter, sem, necessariamente, ir para debaixo de alguma edificação clamar por isso. Se for, é tanto quanto uma borboleta ficar esperando que o vento a faça voar dentro de uma garrafa arrolhada.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 13.03.2023 - 08h32min.
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