segunda-feira, 20 de março de 2023

O PARTO DA CRIAÇÃO - Heraldo Lins



O PARTO DA CRIAÇÃO 


Ai meu Deus!, o sono é grande e eu aqui com um texto para ser concluído. Como será daqui a dez minutos? Perguntas existirão enquanto houver futuro, isso eu sei, só não sei como continuar.

Agora, mais do que nunca, preciso concluí-lo para me manter estimulado. Novamente a exclamação de cunho religioso foi dita, porém não registrada para não ficar enfadonha essa já denunciada falta de rumo.

As almofadas gritam por eu estar sentado em cima delas. Espero que chegue uma boa ideia nesta manhã de segunda-feira, nem que seja em lombo de jumento. Parece que as ideias estão com ressaca teimando em permanecerem deitadas. É bom ir dizendo sem me preocupar com o que digo. Se eu ficar analisando e me retratando, aumentará minha dor de cabeça, e hoje não estou a fim de pedir desculpas, vai assim mesmo, "no bolo."

Lá vêm as duas unhas dos polegares se juntando. Desde ontem que elas insistem em marcar presença. Não tem nenhum significado, mas mesmo assim elas são incluídas, como se pode ler. Em seguida, vêm as cutículas reivindicando, também, um reconhecimento. Daqui a pouco, até o sujo da panela vai querer seu espaço na literatura.

Os andarilhos vivem andando, assim como os parados tornam-se parasitas. Eu sou os dois ao mesmo tempo. Por falar em tempo, com outro significado, percebo que o sol está chegando dentro do meu apartamento. Igual às gaivotas pescando, fico olhando ao redor e catando qualquer coisa que sirva para dar de comer à página. Vamos lá, você vai conseguir manter mais de quinhentas palavras afixadas sem que precise "detoná-las." Levante a cabeça. Nada disso!, preciso deixar a "vista” pendurada para que o senso não fuja. As pernas estão querendo levantar o corpo e sair andando. A cabeça grita: vão sozinhas! Como!?, se estamos acopladas? 

O comando mental se esforça para administrar o conflito. Frases curtas é a melhor forma de ir preenchendo a página, ressalta o analista pago para censurar.  Poderia fazer uma lista das coisas que existem numa feira livre, entretanto preciso correr atrás de algo bem mais interessante. Tento até dizer que o verdadeiro herói de Quixote foi Sancho Pança, mas ninguém iria acreditar. A mentira tem que ter lógica, e nem isso está "pintando", no entanto, insisto no ditado que quem não tem cão nem gato também caça. 

Pare tudo, porque estou no banheiro, diz a "vergonha." Continue, diz o órgão essencial reivindicando que seu nome seja enaltecido. Minha importância precisa ser divulgada, insiste ele. O autor aborta a ideia de falar do órgão que o proctologista cuida. Aqui não é espaço para que Marquês de Sade seja relembrado. 

Resolvo sair de casa! Não aguento tanta indecisão e falta de criatividade. Abro a porta e a deixo escancarada só para fugir da lógica da segurança. Preciso virar de ponta-cabeça todas as minhas crenças tentando, com isso, chegar a uma sequência plausível. 

Há um elevador, mas prefiro descer pela escada, só de raiva. Em cada andar, há baldes para lixo. Ao lado de um deles, pego um objeto seminovo. Dá para conseguir um bom dinheiro com esse luxo. Volto para o apartamento. Encontro-o cheio dos gatos da vizinha. Trinta e dois ao todo. Só consegui matar vinte. 

Alô! dona faxineira!? Quero seus serviços, agora! Se for para isso, vai custar o dobro. Não é só para limpar não, é também para que a senhora confesse ser a  autora do zoocídio. Vou ser presa. Sua filha quer fazer o curso de direito e eu estou disposto a pagar até especialização, em troca desse favor. Tudo bem!  O que não se faz por uma filha, não é!? Aproveito e caso com ela, o que a senhora acha? Boa ideia. Vou "pra'i" agora com ela já vestida de noiva. Ótimo. 

Saio novamente, dessa vez fecho a porta e coloco os gatos num saco preto. Desço pelo elevador. As únicas testemunhas são os outros bichanos que escaparam, então está de boa. 

Caso com a filha da faxineira. No primeiro dia dorme junto da mãe. Ainda não foi descoberto o assassino dos gatos. Segundo dia, a mãe a obriga a dormir, novamente, longe de mim por conhecer minha índole.

Vizinha, eu sei quem matou os seus gatos. Sabe? Está dormindo com a filha neste quarto. Chame a polícia que testemunho e até apresento a prova guardada no porta-malas.

A velha foi presa e fiquei me deitando com a outra testemunha, afinal eu estava só precisando de uma "boa esposa."


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 20.03.2023 - 08h19min.



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