EM TUDO
Ela está me olhando querendo que eu deposite minhas palavras em suas linhas. Todos os dias, pela manhã, há esse namoro: ela me seduzindo e eu me deixando seduzir. Hoje, ela está supersatisfeita porque atendi a mais um dos seus desejos que é aceitar falar das suas linhas.
Muitos falam da folha em branco, só que essa nova versão já vem "alinhada" e por isso mudou de nome para bloco de notas sem deixar de ser folha. Alguns tradicionais, podem até questionar se ela foi transformada em hermafrodita. E daí? A evolução de Charles Darwin também atinge os manufaturados, e com ela não seria diferente.
Graças a necessidade de manter a estética, as "folhas-filhas" evoluíram trazendo linhas em sua pele. Se é uma tatuagem ou não, eu nem quero saber, só sei que ficou mais agradável ir sendo acompanhado por elas durante essa viagem.
Desde que se entendeu o valor das linhas, a humanidade nunca mais foi a mesma. O que seria da alta-costura sem elas? Simplesmente não existiria e nem poderia ser chamada de "baixa-costura." Só imagino a agulha sem precisar ser inventada. Ela gritando dentro do cesto de ideias e o pensamento humano passando sem avistá-la, já que não haveria necessidade da agulha. Espere aí!, grita ela. E para se aplicar injeção? Seríamos sim inventadas independentemente da existência ou não da linha, disse-me ela com cara de quem não gostou do desprezo. Tudo bem, peço desculpas. Só queria enfatizar o valor da linha e findei cometendo esse deslize.
Agora perdi a linha de raciocínio. Vou precisar usar ferros afixados no solo para voltar ao assunto. Pois bem! Temos as linhas dos trens. Quantos empregos deixariam de serem criados com a ausência delas. Enfim, a linha tem seu valor, e agora quem berra por atenção é a linha do horizonte. A família é grandiosa, e muitas vezes nem nos dávamos conta da sua existência. Finalmente, percebo o quanto somos dependentes, principalmente, quando se fala da linha do tempo. Parece que uma sequência também pode ser chamada de linha sequencial. Se não pode, tenho que dizer que pode, afinal hoje é o dia de jogar confetes na linha.
O difícil é se manter falando de uma só coisa durante muito tempo, sem se cansar. Eu, particularmente, já me cansei, mas nem posso confessar isso senão estarei fadado a ser um "sem-linha." Existe dentro da lógica do "é dando que se recebe" que é melhor ficar cansado do que não ter com que se cansar. Eu preferia que a lógica fosse: "é recebendo que se dá, sem precisar, necessariamente, ser na mesma proporção.”
Voltando à linha do horizonte, confesso que estou sem ele. Muitas vezes, eu ficava pensando no futuro com entusiasmo, mas depois que descobri estar preso nessa outra chamada de linha do tempo, todo o entusiasmo veio abaixo, pois que eu me esforce ou não, sempre serei levado por ela.
Neste momento, passei a mão na cabeça procurando mais sobre, e me veio, entre os dedos, um fio de cabelo querendo dizer que poderia também ser chamado de linha de cabelo. Todo mundo agora quer ser linha, só porque está na mídia. Até o círculo está pedindo para ser cortado querendo ver sua circunferência "desencurvar-se" e se tornar uma delas.
Levanto-me do sofá e sigo uma linha reta até o banheiro. Neste momento, escuto os aplausos da reta e também seu questionamento se só foi lembrada porque usei o seu gênero masculino na atividade executada no sanitário. Nem quero entrar em detalhes, mas, lembrando: a reta nunca foi a mulher do reto.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 11.03.2023 - 10h10min.
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