terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

SAINDO DE CASA - Heraldo Lins

 


SAINDO DE CASA



Um homem, "vestindo laranja", chega dirigindo um caminhão de malas, e outros abastecem o avião. Luzes piscando em cima dos carros avisam que no show do embarque e desembarque eles são os contrarregras. 


A máscara, cobrindo nariz e boca, voltou a ser obrigatória, segundo a Anvisa, diz a moça não muito moça que veste um terno azul. Mensagens de segurança, em português e inglês, deixam-me tonto.


Se perdermos nossas malas? pergunta-me a mulher. Seremos apenas mais dois "sem-malas", digo fazendo simulações silenciosas de como agir, caso aconteça.


Enquanto dão ré na aeronave, a apresentação de segurança está "rolando" à minha frente  antes do café da manhã. Cigarros eletrônicos não são permitidos, diz a voz se fazendo ouvir também sobre as oito saídas de emergência. Na hora do assento flutuante, não tem como minimizar uma possível queda. 


Lá vem uma comissária fechando as portas dos bagageiros seguida por um de amarelo. Este serviço é chato, pensa ela enquanto fica ansiosa para "pegar" o comandante na próxima parada. Não quero estragar seu dia perguntando-lhe se avião tem buzina.


Daqui, observo a favela dando um adeus de lágrimas. Um menino, só de calção, acena sonhando com o dia que "descerá o morro". Quer ser piloto igual ao tio que conta as experiências por onde passa.


Só não decolamos ainda porque há uma fila. Um dos castigos inseridos por Adão foi o surgimento de filas. A serpente não teve esse problema ao emprestar a maldade para Caim eliminar Abel, mas quanto mais me distancio de casa, mais filas enfrento.


Preparando para a decolagem, disse o comandante sem ter noção que estou anotando tudo. Já imaginei até a situação constrangedora se caso desse nele vontade de ir ao banheiro: Senhores passageiros, desculpem-me o transtorno, mas tenho que "descer o barro". A aeromoça "nunca mais", depois que ouvisse, em inglês, o motivo do atraso.


Estamos a dez mil pés! Escutei pelo "baixo-falante" acima da minha cabeça. Para ficar sossegado, eu teria que fazer as contas quanto vale esse número convertido em quilômetros. Essa mania de contar nem aqui me deixa em paz.


Risos, vindos de trás da minha poltrona, deixaram-me com vontade de gargalhar bem alto, de propósito. Só não o fiz, para evitar problemas pela "tirada de onda".


Chegou? perguntou-me minha mulher entregando-me dois saquinhos de batatas-fritas ganhadas durante o voo. Fique aí que vou lá mais adiante, respondi-lhe minimizando a resposta. Aquele buraco expelindo malas me fez pensar como se aquilo fosse um gigante fazendo o mesmo que o piloto não fez. Observo um rapaz dizer: "vem para o papai!" Ele está do outro lado da esteira, e, através do seu olhar, já identifiquei a mala que ele define como sendo sua filha. E se eu a retirasse, fingindo engano, só para fazer graça? Acho que levaria, como lembrança desse cruzeiro, um baita murro na cara proporcional ao tamanho do autor.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Rio de Janeiro, 05.02.2023- 08h30min



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