"PLANETA ÁGUA"
Cheguei das férias. Tudo está tão diferente que chega dá medo. Lavar a louça, desaprendi; ir para o trabalho, nem pensar até porque não sei mais o que é responsabilidade. Deve ser por isso que há tanta gente brigando para ser político: quase todos só queremos mandar. O senhor quer que eu limpe? perguntou-me o camareiro querendo bater a meta de cabines limpas. Assim não há dúvidas existenciais que resistam.
Ao chegar à piscina, tinha sempre uma animadora dançando no palco central e outras seminuas acompanhando-a, e eu por trás só na "pigora". Ainda me lembro das novinhas rebolando num convite sedutor.
Cheguei em casa e parecia que estava saindo de uma bolha mágica e entrando numa murcha: cano entupido, baratas correndo me fizeram olhar para o mar com saudades do cruzeiro. Lá eu só pisava em tapete, e à noite era teatro e festa. Muita festa. Mais de vinte bares e restaurantes para me receber com sorrisos e falas "estranhas". Cada espetáculo melhor do que o outro com um elenco de mais de trinta artistas se revezando.
Os filmes foram dois enquanto estávamos em navegação. Um sobre a vida de Serena e Venus Williams, e o outro, uma versão do assassinato que deu início à primeira guerra mundial. Todos foram exibidos no teatro transformado em cinema durante o dia.
Buffet, aberto vinte e quatro horas, me fez carregar dois quilos a mais de gordura inútil. A roupa, na viagem de volta, quase não "entra." É difícil manter a silhueta quando o serviço mais pesado é dormir até dez da manhã.
Preferi não descer em ilha grande no Rio de Janeiro. Um senhor que desceu tomou duas cervejas num barzinho e houve uma tentativa de extorsão: cento e oito pelas duas, só que com muita briga ficou em quarenta e quatro.
Uns barcos vêm pegar os interessados em visitar a ilha e o trânsito permanece o dia todo pago pela prefeitura de Angra dos Reis. Foi bom para o comércio local ter recebido uma injeção de mais de cem mil num único dia. Os guias de turismo ganharam dinheiro, as companhias de passeios também e eu fiquei à vontade para usar toboáguas e pebolins sem concorrência.
Há cabines de luxo onde os mordomos ficam de plantão, e lá os gaiatos, assim como eu, não têm acesso. A maioria dos que estão por lá precisam de acompanhantes de tão ricos e idosos que são. Avistei um deles com um cinto limitando a pança, mas o balanço do navio não me deixou censurá-lo. Ainda tomei dois comprimidos contra enjoo, e mais um quando pisei em terra firme para ajudar-me a compensar a ausência do balanço.
Lá em Ilhéus, soube que o pai de Jorge Amado construiu sua residência com dinheiro ganhado na loteria. Ele era viciado em jogo e tirou uma sorte grande aproveitando para construir o que hoje é o museu dedicado ao escritor. É um casarão que tem luminárias, azulejos e portas trazidos do estrangeiro. Naquela época quase não existiam fábricas por aqui.
Conversei com umas professoras que estavam saindo do centro de convenções, e elas disseram que participavam da semana pedagógica num inferno com ares-condicionados quebrados.
Uma teima aconteceu com minha cunhada que disse que o museu dedicado ao autor de Tieta não estava aberto. Ela pesquisou na internet, só que os professores disseram que devido a visita do navio, estava sim, funcionando, e fui lá.
Uma professora ainda relatou que as obras feitas no porto, para receber os transatlânticos, interferiram na dinâmica do mar. Na zona norte, onde antes havia pousadas, hoje só água salgada.
Aqui em Ponta Negra as obras de enrocamento estão adiantadas, e se seguir o mesmo modelo de Camboriú o banho de mar ficará perigoso. Lá em Santa Catarina, por terem cavado para trazer areia para a praia, os tubarões agora estão atacando os banhistas. Quem quiser se banhar no mar de Ponta Negra sem o risco de ter uma perna arrancada, aproveite antes que a natureza comece a se defender, como fez em Ilhéus, Recife e Camboriú.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 15.02.2023 - 07h25 min
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