AVANÇO NA NEUROLINGUÍSTICA
Com pouco mais de cinquenta anos, vegeta em cima de uma cama depois do AVC de tronco acontecido há dois anos. No início, não tinha esperanças de melhora, só que os prognósticos apresentados à época foram modificados e ela permanece entendendo tudo, porém sem quase nenhuma capacidade motora.
A que ponto cheguei, diz ela para consigo. Hoje, até para me limpar preciso de outras pessoas. Eu que tinha bastante vergonha de ficar sem sutiã diante da minha filha, atualmente tenho que aceitar meu genro, vez por outra, ensaboar-me pra lá e pra cá, ui!
Perdeu peso e continua a se alimentar pela sonda canalizada diretamente para o estômago. É uma despesa enorme comprar alimentos industrializados e manter sempre uma pessoa com bastante força para levá-la para ver a rua onde os vizinhos continuam se juntando num agradável bate-papo pós-jantar.
As pessoas me olham com pena, e isso me chateia demais. Percebo tudo e não gosto quando dizem que perdi peso. Fico danada de raiva e estiro umas das únicas partes que consigo mover. Ser carregada nos braços é um mico que pago frequentemente, ainda mais deixar-me acamada bem na porta de casa é outra aberração que tenho que aceitá-la sem resistência. Pelo menos daqui posso fugir da monotonia da televisão eternamente ligada.
Todos se revezam nos cuidados com a avó amada, entretanto é uma das netas quem mais atende a seus desejos. Quando ela viaja, a avó quase não dorme direito de tanto apego que tem por aquela moça namoradeira.
Neste final de semana, você vai ficar sozinha cuidando da sua avó, diz a mãe anunciando a viagem para a casa de uma irmã. Tenha muito cuidado com aquele seu namorado, alerta ela já sabendo da fama do rapaz.
A família faz de tudo para que a neta possa usufruir um pouco de sossego longe daquela rotina estafante. Ela precisa de descanso, só que neste final de semana é a vez do resto da família descansar.
A avó gesticula com o polegar para cima quando é avisada que ficará aos cuidados da neta. Qualquer urgência, ligue para seu tio que ele vem lhe socorrer, diz o pai esperando os demais se ajeitarem no banco de trás para dar a partida.
Poucos minutos depois do silêncio reinar na casa, chega o namorado com a bagagem pronta para mais um final de semana no "bem bom" com uma das suas ninfomaníacas prediletas. Na mensagem de convite, ela lhe prometeu novas aventuras para constar na pesquisa que está realizando para o Trabalho de Conclusão de Curso em sexologia. Quer “fazer escola” com sua tese baseando-se na sexualidade dos inválidos. Sua avó já faz parte desse voluntariado quase forçado. Perguntas de como a senhora se sente quando o cuidador a toca lavando vagina e ânus eram respondidas com o dedão para cima. Respostas simples que não deixam dúvidas sobre os desejos sexuais de quem permanece paciente por um período longo de tempo.
A formanda já masturbara vários "síndromes de Down" como trabalho de pesquisa. Seu método científico não foge ao padrão de registrar todas as reações dos deficientes antes e depois do orgasmo; no material escrito constam vários acasalamentos, estimulados por ela, entre enfermos com paralisia cerebral; ainda na pesquisa, ela constatara ter havido uma melhora acentuada no processo de socialização dos autistas logo após um coito monitorado na sala de estágio.
Naquele final de semana, ela fez amor com o namorado na mesma cama que a avó estava inerte. Enquanto acontecia a cópula, a neta segurava a mão da avó para que ela fosse também estimulada. Depois de um bom esquento, a avó, através do sinal do dedo para cima, permitiu que o rapaz a penetrasse numa lembrança intensa do falecido esposo. Enquanto a avó começava a articular palavras relacionadas com o momento de prazer, a neta conseguiu gravar gritos de "mais rápido, mais rápido" dados pela avó, antes limitada a grunhidos.
Com o detalhamento das reações, percebeu-se que até os tetraplégicos conseguiram dar alguns passos sem precisar nem usar muletas. A estudiosa ficou satisfeitíssima por sua tese ter sido aprovada em primeiro lugar na melhora da qualidade de vida dos pacientes. A avó agora fica torcendo para que a família viaje novamente e, consequentemente, que o namorado da neta lhe faça entrar no nível de fala espontânea.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 21.02.2023 - 09h17min
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