terça-feira, 13 de dezembro de 2022

TURISMO ESPACIAL - Heraldo Lins

 


TURISMO ESPACIAL

Viajando de avião, olhava as nuvens sabendo que estava difícil encontrar um sentido mais estável. Assim como a aeronave na turbulência, sua vida era um pulsar nos segundos. Lá em cima, encontrou-se com alguém também satisfeito em estar fazendo parte da primeira tripulação consciente do possível suicídio coletivo. Compraram passagem com o intuito de se explodirem ou ser engolidos pelo portal do triângulo das bermudas. Pagaram para ver até onde iria a possível lenda de que naquela dobra do tempo e do espaço havia um local em total suspensão, nem que para isso tivessem que arriscar a própria existência.  

Poucos minutos depois de entrarem na zona do silêncio, o túnel foi formado. Na ponta da aeronave, uma câmera transmitia, para cada passageiro, as imagens, há tanto, esperadas. Nesse ínterim, o sinal de rádio foi interrompido junto com a sensação de dor e de medo. 

A memória foi apagada. O próprio organismo entendeu que não existia razão para manter lembranças de um lugar sem ligação com o passado nem com a idealização do futuro. 

A certeza dos viajantes era que tudo cabia dentro do olho sem precisar se preocupar com o espaço onde bilhões de galáxias tornavam-se apenas pequenos pontos mensuráveis. 

A aeronave continuou sendo puxada por um vácuo proveniente das turbinas que já não funcionavam. As portas foram abertas e os passageiros caminharam por um lugar sem chão. Permaneciam vivos, porém sem sentir fome, sede ou outra sensação que apequena o ser. Seus corpos ainda permaneciam integrados no que chamamos matéria. 

A nova realidade deu-lhes o poder de escolher dormir ou ficar acordado sem que a decisão alterasse a sensação de paz, até então, conseguida.  

A única medida que existia era o inflar e o esvaziar dos pulmões. Seus organismos continuavam a funcionar com tendência para a hibernação, e esse aviso foi trazido pelo barulho do sangue correndo no interior das veias avisando que os batimentos cardíacos estavam, cada vez mais, diminuindo.   

A força da gravidade deixou de ser o torturador responsável pelo afloramento da ansiedade, e, assim, o medo de cair deixou de existir. A dor foi retirada, como também a sensação de esvaziamento causada por uma hemorragia, tendo em vista que não havia lugar para onde o sangue pudesse escorrer. 

Não existindo diferença de pressão, tudo continuava na mais perfeita harmonia sem precisar de mais nada para a subsistência. Alcançaram o estágio de auto reciclagem, e foi nesse estágio que conseguiram uma total saciedade, influenciando-os numa decisão egoísta de não convidar parentes e nem amigos para testemunhar a origem da criação do mundo. 

A partir daí, preocuparam-se em somente admirar tudo o que lhes foi negado durante a estada na terra. Com a chegada das vibrações atômicas, perceberam que cada grão do espaço podia ser enxergado mais de perto, e isso deu um leque de opções infinitas para se entreter sem que sentissem a necessidade de compartilhamento. 

A extrema serenidade foi logo alcançada e a missão deu-se por encerrada na eterna felicidade. Agora, a mensagem que enviaram, telepaticamente, foi que só poderá habilitar-se para o próximo voo, quem tiver discernimento, coragem e disposição para abandonar ilusões.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 13.12.2022 - 16h17min




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