É LUTA!
Arrancaram-me um seio e tive que comprar um sutiã com uma prótese de pano, afinal, uma mulher sem peito não é nada elegante. Há poucos dias, meu marido faleceu e eu ainda nem terminei as sessões de quimioterapia. Agora, afastada do meu comércio, fico na casa de um filho, depois visito o outro, sentindo-me “sem rumo e sem prumo”.
Perdi a independência, e isso está sendo muito duro. Nem as pinturas, nem as roupas usadas que conserto, estão conseguindo preencher o vazio.
Tem dia que o estômago dói exigindo que eu tome três tipos de medicamentos para diminuir o sofrimento.
Fico olhando para dentro das minhas lembranças tentando encontrar uma tarefa que uma idosa de oitenta e três anos possa fazer. Lavar louça seria uma boa, no entanto a acompanhante sempre chega primeiro para executar a tarefa. Virei desocupada.
Varrer a casa também não, pois o peso da vassoura é enorme. Um prato, uma colher, tudo isso requer muito esforço para erguê-los. Tentei comprar uma vassourinha de criança, entretanto fui impedida pelos filhos. Disseram-me:mamãe,permaneça em repouso! Mas agora deu! Fui criada trabalhando, e não é uma “doencinha” que vai me fazer ficar parada.
Os cabelos caíram e, para disfarçar, uso uma touca própria das cancerosas. Estou condenada ao silêncio. Quando chego às casas dos familiares, sinto-me uma estranha no ninho, já que todos estão na internet. Como nunca me preocupei em aprender a mexer “nessas coisas”, fico totalmente isolada.
Às vezes choro com saudades do meu velho, às vezes sinto falta dos clientes. Nem para caminhar possuo força. Ando me segurando nas acompanhantes, nos filhos, netos, paredes... Achei muito ruim quando me levaram para o shopping e tive que usar cadeira de rodas. Lá tudo é muito distante para quem não consegue dar vinte passos sem que precise descansar, e outra, não me acostumo com pessoas estranhas ao meu lado. Tenho medo, e, com esse tratamento, tornou-se mais corriqueiro os momentos de pavor.
Fiquei quase sem apetite. Água de coco tornou-se azeda; rapadura parece feita de sal, e depois de mastigar, sinto que os alimentos incham demasiadamente.
Ainda bem que o braço direito não ficou deformado. No início, houve um pouco de inchaço, aí tive que deixar de tirar a louça da mesa. Vi muitas mulheres que estão fazendo o mesmo tratamento com o braço parecendo uma perna. Se eu pegar peso do mesmo lado da “ex-mama”, é inchaço na hora. Disseram-me que é porque a válvula que regula a passagem de líquido foi retirada, e por isso, quando o sangue desce, demora a voltar.
Minhas unhas estão róseas sem que precisasse ir à manicure. É o efeito da quimioterapia substituindo o esmalte.
Tento aumentar meu peso corporal, entretanto zero de gordura a mais. Outro dia, minhas defesas ficaram tão baixas que fiquei impossibilitada de tomar a medicação.
O câncer só ainda não conseguiu foi eliminar a minha lucidez e a esperança de ficar boa.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 06.12.2022 ˗ 16h26min
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