segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

CADA DIA É TODO DIA - Heraldo Lins



 






CADA DIA É TODO DIA

Corri para longe da rotina atrás do sangue novo da motivação. Minha sobrinha está com COVID e eu com dores nas pernas de tanto exercício. Lembrei-me das rochas na beira da praia e também de uma cadeira jogada lá. Era bem pesada, modelo com rodinhas sem as ditas cujas. Quando passei, dei de cara com ela, e, ao voltar, percebi que alguém a havia colocado perto do paredão. Em nome do meio ambiente, fui trepá-la nas rochas onde as ondas jamais a levarão.  

Avistei uma pessoa andando e, aqui e acolá, olhava para trás certificando-se que eu não chegaria perto.

Lá adiante, pescadores com varas fincadas na areia trocavam ideias esperando a linha puxar. Sempre há muitos deles atrás da “mistura” para o almoço, pois não é que tive vontade de chamá-los de ladrões de peixes, embasado na teoria de que não tiveram o trabalho de alimentá-los por isso os bichos pertencem à natureza. Só não disse com medo de "levar facadas."  

Hoje foi pesado! Duas horas de corrida, pausa, corrida. Inventei mais uma forma para dinamizar: além do caminhar, há também os níveis um, dois e três. O primeiro é quase parado, depois um pouco apressado, e no terceiro exijo toda a força e rapidez das pernas gritando comigo mesmo: corre, corre... terminei o percurso no nível um sem aguentar tanto suor despejando-se.  

No trajeto, tento ser simpático com as mulheres solteiras de biquini. Os machos e idosos, deixo-os passar em paz. Percebo que as adolescentes não se arriscam a sapecar suas pernas naquele horário. Acho que é porque não se preocupam em correr atrás do que ainda não perderam: a juventude.  

Logo cedo, já há surfistas “pegando onda.” Devem acordar às quatro, e, às cinco horas quando desço, já estão anestesiados pelo que fumaram.   

O que me entristece é ver palitos de picolé, embalagem plásticas, às vezes, até óculos encontro pelo caminho. Já encontrei, em frente aos hotéis, dois óculos de grau. É interessante que todos tinham armação preta com grau para perto. Acho que é de Iemanjá. Coloquei-os na escadaria e fui embora. Nesse horário, os guarda-vidas ainda não se encontram para recolher os objetos perdidos pelos hóspedes. Hoje foi uma cadeira. Daqui a pouco posso encontrar uma cama, mesa... banho já tem. 

Há também uns “caras” com detectores de metais procurando anéis, cordões etc. Eles utilizam uma vara com o detector na ponta. Seguram com uma mão e na outra carregam uma pazinha para escavar quando o aparelho apita nos fones de ouvido. Acho que aquilo vicia porque todos os dias há alguns passeando atrás de joias que os banhistas deixaram cair durante os mergulhos. 

Passo perto também das aulas de surfe, e quem nunca mais avistei foi o estrangeiro que ligava um som portátil com a placa feita de papelão escrito assim:” juntem-se a nós”. Colocava música e ficava dançando atraindo companhia. Acho que ele era um solitário que pensou bastante como atrair mulheres para a sua “pista.”  Acredito que o que fez o coroa desistir foi a falta de fãs para algo mais do que dançar. 

Um dia desses, um “noiado” ficou tirando sarro da minha cara enquanto eu passava correndo. Ele dizia uma piada, achava graça, e eu, ao escutá-lo, me fazia de desentendido. Toda vez que ele gritava uma "loa," eu olhava para as nuvens, para o mar, até fazê-lo parar, quando me lembrei de um doido que, ao se encontrar com as pessoas, cuspia de lado. Eu nunca me esqueço desse doido. O “noiado” calou-se logo depois que eu usei o mesmo modus operandi do maluco.  

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 04.12.2022 −17:30



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