quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

AINDA BEM QUE VOLTEI VIVO - Heraldo Lins

 


AINDA BEM QUE VOLTEI VIVO 


Inventei de ser turista de final de ano. Peguei a estrada e viajei setecentos quilômetros para tomar banho em águas distantes. Se meu sogro fosse vivo, dizia: só mesmo o cabra sendo besta. Aqui tem água, e acrescentava: deixar tudo que a pessoa tem nas mãos dos outros e se danar atrás do que não perdeu, é ser o “pai da besta”.  

Foram tantas emoções danosas que ainda hoje choro só de pensar no estacionamento ao preço de setenta, e eu que achava caro pagar dez por aqui, fiquei horrorizado com esse valor. Não pense em preço, meu bem, estamos aqui para nos divertir, escutava eu a todo instante tendo que concordar. Tudo bem, só disse por dizer.   

Os humoristas precisam sobreviver, e lá onde fui tinha shows deles se revezando. Apelam para a graça e pela falta dela. O importante é que todos os dias tem rodízio de humoristas, e para não perderem o ritmo, colocam qualquer um com uma roupa malfeita para dizer o que ouvíamos dos palhaços dos circos que chegavam ao interior. 

Em todo lugar somos assediados, e me veio a lembrança de como deve sofrer as beldades atraindo, até sem querer, olhos pidões. Eu fui assediado para assistir palestras onde se vendia novos pacotes turísticos. Acho que eles pensam que só nos ocupamos em viajar. Eles têm medo que a pessoa vá gastar o dinheiro em outros pontos e fazem de tudo para atrair compradores. Mesmo, incialmente, eu me negando a entrar no auditório, fui convencido após ter ganhado cinco toalhas de banho só para reservar uma hora de atenção. Agora quem quiser falar comigo tem que me dar toalha, inclusive já estou querendo colocar uma banca na feira só para vender as que ganhei na viagem. 

As descidas nos tubos de água eram feitas com boias e tinha um chamado túnel preto onde não se vê nada. É como se eu tivesse perdido a visão. Fiquei sentindo o sacolejar da boia deslizando de água abaixo dando impressão que estava indo para o inferno de Dante. Só faltou aparecer uma caveira gritando uhuuu.  

Quando se está descendo embalado, com mais de mil, já chegando à piscina, há uma volta de 360 graus que me deixou tonto. Perdi a noção de onde estava e o organismo ficou igual a um caminhão velho com o motor pifa não pifa: tremia sem parar. Eu olhava para as mãos e nada de estabilizar. Estava com meu menino de dez anos que me puxou para mais um, e outro e mais outro. No final, dei graças a Deus por chegar em casa. Na verdade, o que era para ser divertimento, passou a ser tortura do mais alto grau. Se a pessoa quiser arrancar dinheiro de mim a partir de agora, é só me ameaçar dizendo que vai me jogar de cima de um toboágua.  

As festas, à noite, aconteciam sem parar. Só bastava eu ir para o salão do hotel que lá estava o barulho preenchendo meus ouvidos. Sanfoneiros ruins, outros nem tanto, e eu que não gosto muito de “latomia”, tive até que dançar fazendo graça. Vamos, dizia minha família, temos que aproveitar, e eu ia, mesmo a contragosto, pensando: eles têm razão, vamos aproveitar. Aproveitar é ir para onde não se quer e ainda sorrir para os outros abestalhados que estão sentindo o mesmo. Nunca fui tão falso em minha vida.  

Comidas caras a ponto de uma xícara de leite custar trinta. Fiquei com vontade de criar vacas. Pensei que se eu montasse um negócio para vender leite nesse preço, posso até engordar as vacas com caviar que ainda dá lucro. 

Lá para fora só vai quem tem munição pronta. Eu tinha reservado um valor, entretanto entrei no cheque especial gastando acima do triplo planejado. Para nunca mais inventar esse negócio de ser chique, e ainda por cima, sem dinheiro, é a “mulesta”.  

     

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 15.12.2022 - 11h28min



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