O PALCO DA VIDA
Uma lagoa de água cristalina, com sua ilha de coqueiros, apareceu no meu campo de visão às três horas da madrugada. Ao redor, grama, calçadão e os bancos da praça cortejavam sua beleza. Mais ao fundo, dunas permaneciam sendo montadas pelo vento acostumado, também, a balançar o coqueiral.
Do lado de cá, alguém registrava essa cena paradisíaca e me entregava para que eu pudesse desfrutá-la deitado em uma caixa gigantesca feita de concreto. A cabeça, doendo por falta de opção, impulsionava-me para perto da virtual lagoa. Permaneci sentado ao lado de uma princesa contando que estava sem sono e que havia escolhido aquele cenário exatamente para fugir da minha amarga realidade.
Ela se entretinha com um pássaro à procura de alimentos enquanto eu disfarçava para senti-la em seu cheiro peculiar de menina moça. Retornei à discrição procurando guardar as migalhas dos chocolates que havíamos saboreados com beijos apaixonados.
O vento, mais uma vez, entrava em cena encrespando a água azul do lago e desalinhando os seus cabelos. A lagoa perdeu sua formosura quando ela me olhou nos olhos. Tomamos uma xícara de amor feito ali mesmo na grama amassada por promessas de paixão eterna. Não foi possível nos levantarmos no momento em que surgiu mais coqueiros ao redor. A grama cresceu deixando-nos totalmente cobertos por vários séculos, mesmo assim permanecíamos jovens junto às novas enchentes que baldeavam a água. Os anos da boa convivência se passaram. Aterraram a lagoa matando os peixes, pássaros, e, do amor, permaneceu somente a lembrança.
Construiram um shopping onde antes o verde, azul e branco pintavam o cenário. No piso reluzente do shopping, uma jovem segurava na corda amarrada no pescoço da outra que imitava uma cadela no cio. Estava fantasiada caminhando de quatro pelos corredores “apipados” de gente entendendo que na igualmente de gênero ela escolhera ser cachorra.
Lá atrás, na história, ser rebelde era usar barba e cabelos longos ou camisa de saco com os bolsos costurados abaixo do modelo. Hoje, é andar com uma coleira acompanhada da namorada que apoia a ideia em toda sua plenitude.
A dona do suposto animal, comprou o lanche, sentou-se e colocou a bandeja da amiga no chão. As pessoas, sem risadinhas irônicas, ainda prestavam atenção ao inusitado. A jovem de coleira, comeu o sanduíche rosnando e esfregando o rosto na bandeja. As mãos, protegidas com meias pretas, nem se moviam para limpar o "focinho" ou segurar a "ração". Suas fantasias a transformaram em animal de estimação aplaudido por uma plateia que se disfarçava no passear. O que será que seus filhos pensarão se ela chegar a tê-los? Os pais, elas ainda os possuem, acham normal aquela inovadora estratégia para produzir likes.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 17.12.2022 – 18h05min
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