domingo, 6 de novembro de 2022

RECORTES DE UMA NOITE QUALQUER - Heraldo Lins

 


RECORTES DE UMA NOITE QUALQUER 

As duas mulheres conversavam por trás do homem, e só depois que saíram foi que ele se deu conta que eram bonitas. Com alturas e cores diferentes, desfilaram em cima dos saltos altos gesticulando uma conversa que nunca chegaria ao fim. Eram colegas, nos minutos de folga, indo embora e o deixando na fantasia da observação. Longe da esposa, que saíra para fazer o pedido do jantar, tudo era permitido, até responder às mensagens da outra. 

À frente, família tomava chope de uma torre, gesticulando e ”cravando” os dentes no pão recheado no costume de casa. Do lado esquerdo, um homem de meia-idade esperava a garçonete, mexendo no celular, e, de quando em quando, baixava os óculos, dava uma "olhadela" para o quiosque, impacientando-se. 

A lembrança do cão furioso não saía de sua cabeça. Estava preparado para socá-lo nos olhos caso fosse atacado, mas agora que já havia passado o perigo, relaxava observando gente rindo no colorido das roupas de domingo, mesmo sendo uma sexta-feira. 

Uma senhora, segurando a bengala, também fez questão de ser olhada naquele burburinho. As netas mantinham o apetite, entretidas na sobremesa de sorvete. 

Chegou-lhe o vídeo do alienado pendurado na frente do caminhão branco. Uma "meme" o fez confessar sentir vergonha diante dos filhos que o viram naquela posição deselegante. Tudo em nome de um falso estadista. 

Havia um fantasiado de caveira esperando os amigos para irem à festa de Halloween. Estava no corredor dos banheiros ansioso pela namorada bruxa. 

O mundo moderno na ponta das diversificações dando seu ar, também, no discurso de uma mulher negra, jornalista chorosa relatando o quanto ficou transtornada ao ver uma mulher branca correndo com uma arma apontada para um homem da sua cor. 

A garçonete trouxe o jantar, retirou a bandeja de guardanapos, pratos e talheres sujos na mesa do chopp. Antes, deu para ver um grisalho caminhando apressado com cervejas nas mãos. Não teve paciência para sossegar o vício. 

Uma jovem, com cara de sono, recolhia os restos mortais de um frango consumido mais adiante. 

Milhões foram desviados através do orçamento secreto, disse alguém "antenada" com o orçamento da união, e completou: por isso, tanta raiva pelo resultado das urnas. 

Criança sentada no carrinho azul sendo empurrada pelo pai enquanto o casal de amigos fazia floreios gritantes com o menino eufórico. 

Naquela praça da alimentação, o guarda passou acompanhando uma pedinte profissional. Um bebê, alugado à máfia da esmola, permanecia dormindo sem saber que já estava sendo inserido no mercado de trabalho. 

Muita gente circulando fazendo valer o direito de ir e vir, só que muitos não podiam ir, muito menos vir daquele lugar caro. 

O filme estava sendo objeto de cobiça, deixando dúvidas quanto à legenda e ao horário, sendo descartado por razões oriundas das emoções. 

No regresso para casa, planos para terminar de ler o livro: “Uma prova do céu”. O caminhão munck, erguendo a árvore de Natal, chamou-lhe a atenção e fez despertar a necessidade de investir, primeiro, em saúde, mas um pouco de enfeite é bom para os olhos, diria alguém visando apenas votos, argumentando ainda que "nem só de pão viverá o homem."


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 05.11.2022 — 19:34



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