sexta-feira, 4 de novembro de 2022

“QUEM TEM OUVIDO ESCUTA O QUE NÃO QUER” - Heraldo Lins

 




“QUEM TEM OUVIDO ESCUTA O QUE NÃO QUER”


Vamos mais uma vez começar com a palavra “vamos.” Esse jargão é um motivo para que eu possa dar o pontapé inicial, já que não adianta ficar pensando no que vou escrever porque durante essa busca o tempo corre e não tenho muito para ficar esperando.  

Ao meu lado há um rolo de papel higiênico sendo usado para reter o muco da gripe. Falar de papel higiênico não é o ideal, mas deram-me a oportunidade da livre manifestação, agora aguentem.  

Há pouco tirei a porção de feijão do congelador para mais tarde almoçar. Faltam umas quatro horas para isso acontecer, mas minha ansiedade me impede de deixar para quando estiver mais perto. Tenho receio de esquecer... esse assunto é tão choco quanto o do papel higiênico. É nisso que dá entregar o poder a quem não sabe usá-lo.    

Vejamos o que tenho para dizer sobre meu calo seco no dedão do pé esquerdo. Nada. Isso também não tem importância dentro do contexto que estamos vivenciando, tendo em vista que não sou um derrotado nas eleições. Se fosse famoso, todo mundo ficaria querendo discutir nos churrascos. Você soube que ele tem um calo que esconde há muito tempo? Esse era o teor das fofocas. 

Ah, lembrei-me que minha sobrinha ligou para a tia dizendo que havia amanhecido sem vontade de fazer nada neste dia, o que a tia respondeu: e você liga logo para mim, pois todos os dias eu amanheço assim. O marido riu e eu fiquei com vontade de colocar aqui. Essa conversa aconteceu sem nenhum interesse que fosse divulgada, mas um diz, outro ouve e finda sendo registrado. É assim que os boatos se propagam. 

Dizem que o silêncio do derrotado aconteceu porque ele achava que os cinquenta e oito milhões dos seus simpatizantes iriam para as ruas pedir ao exército para desbloquear as avenidas. Como foi apenas uns gatos pingados, a democracia foi salva. Um velho metido a besta estava colocando seus caminhões para tirar o direito de ir e vir. O careca é barra pesada. 

Muitos votaram e os poucos queriam prevalecer sobre a maioria. Meus pés ficam descansando, coisa que nem precisava dizer, mas quando não se tem interesse em falar de derrotados, até os pés são prioridade. Não digo nada com nada, mas isso eu aprendi com o chefe. Manter o diálogo, mesmo que não tenha muita serventia, traz seguidores e holofotes para perto dos tolos. 

Vou agora fazer os parágrafos, tirar erros, acrescentar outros e mandar para a fornalha da redação. Lá chegando, os redatores irão dar os retoques, colocar seus pontos de vistas “pegando” um pouco do que eu disse e depois enviam para as demais mesas. Cada ilha de edição, chafurda mais, e assim, depois de passar por dez pessoas de “boa caligrafia,” o texto está pronto. Assino como se fosse de minha autoria. 

A dissimulação é perfeita, pois conto ainda com um aplicativo de produção de texto. Escrevo uma palavra e o aplicativo vai me mostrando as possibilidades, então vou montando o que melhor convém. 

Não sei se amanhã as pessoas irão ler o que posto, mas como a mentira, no período golpista, passou a ser a regra acredito que não haverá nenhum problema quanto a isso.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 03.11.2022 – 08:38



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