segunda-feira, 21 de novembro de 2022

O DELÍRIO VERDE E AMARELO - Ramilton Marinho

 



O DELÍRIO VERDE E AMARELO


Quando percebi a multidão zumbi em um transe verde-amarelo julguei se tratar de uma espécie de histeria coletiva. Parecia ser o sintoma visível de algo bem mais profundo e desconhecido do que ousaria desconfiar a vã filosofia do zap.


Era o sintoma dos conflitos de uma cultura escravocrata e patriarcal enterrados sob uma fina camada de civilidade; ao qual a amplitude do Estado de Direito, a liberalidade dos costumes, o questionamento de antigos valores e papéis sociais, reforçados pelo fim da ditadura, com a promulgação da Constituição Cidadã e pelo advento de governos mais à esquerda vieram desenterrar daquele túmulo superficial e provisório. 


Daí o ódio à mudança, soando como ameaça, levando de volta ao passado, escondendo as pulsões mais inomináveis sob o sagrado manto de Deus, da família tradicional e do pátria amada. Na neurose é possível esconder os conflitos.


O Mito viera para varrer a fina poeira da civilidade e fazer brotar o ódio de classes reprimido, acendendo a revolta contra o saber e a ciência e contra novos e insurgentes desejos, valores e modos de vida mais liberais e seculares; viera para soltar o grito sufocado e liberar a vaga sensação de onipotência da mais insignificante e medíocre das existências. O mito, se fazendo espelho e morte, abriu a tampa do esgoto da história.


E agora, sem o mito, a multidão órfã não encontra reflexo, nem referência; apenas vaga entre o desalento e a violência, saudando saudosa pneus e portas de quartéis. É uma massa cativa que tem sede de obediência e anseia por um senhor, que a faça submissa e manipulada e a violente através de uma poderosa força armada (reforçada por meio de viagras e prótese penianas). É, portanto, uma massa passiva. Freud iria se divertir ao ver os atos falhos de manifestantes trocando as palavras “manifestação pacífica” por “manifestação passiva”. 


A massa, agora, como criança desamparada, carece de ser constantemente excitada por estímulos diretos e subliminares de fake news, pois não necessita de razão, nem lógica, apenas exageros, palavras e imagens fortes, como em um ritual mágico primitivo.


A multidão enlouquecida e regredida dos zumbis está à procura do pai perdido, intolerante e cruel, capaz de a proteger das mudanças e punir pelos desejos impuros, que espelhe a sua mediocridade e capacidade intelectual limitada, e acolha a libido desviada e a desperte para uma herança arcaica. Para Freud, esse pai é a representação de uma personalidade prepotente e perigosa frente à qual só se podia adotar uma atitude passivo-masoquista.


E esse é o delírio zumbi.

__

Ramilton Marinho – Doutor em Sociologia, professor titular da UFCG




2 comentários:

  1. Excelente análise, Dr Ramilton. É como disse Fábio de Oliveira Ferreira: "O bolsonarismo não morreu, ele virou um zumbi." - Gilberto Cardoso dos Santos

    ResponderExcluir
  2. Excelentes reflexões sobre a realidade política brasileira, atualmente marcada pelo movimento ideológico extremado de direita.

    ResponderExcluir

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”