sábado, 26 de novembro de 2022

MUNDO SEM MEDIDAS - Heraldo Lins

 






MUNDO SEM MEDIDAS 

Tenho raiva desse trabalho, e só continuo fazendo-o para não perder o contato com as pessoas. É tão cansativo viver mexendo com objetos que pesam quinhentos quilos, que chega me dá desânimo. No tambor de onde tiro as palavras para colocar na página, existe um melaço tornando-as cada vez mais escorregadias. É um trabalhão assentá-las, uma por uma, até a construção estar pronta, mas dizer que isso é prazeroso, só se eu estivesse mentindo. 

O tambor fica exposto ao relento e quando preciso fazer o texto, vou até lá verificar o que os anjos deixaram para mim. Todos os vocábulos são depositados de forma aleatória, e meu trabalho consiste em arrumá-los, só que muitas vezes tenho de embaralhá-los quando percebo que, do outro lado da realidade, levaram-me a escrever apenas com o objetivo de se divertirem através da minha ingenuidade. 

Os anjos vivem na quarta dimensão, e o contato que eles travam com o nosso mundo mesquinho é feito por intermédio da largura, comprimento e profundidade. Eles sim, conseguem ver além disso, mas ainda não descobri o que enxergam de verdade, porque se eu soubesse, adeus limitações. 

Esses doadores de ideais continuam me assistindo como seu eu fosse um rato de laboratório. Enquanto me contento com histórias do cotidiano, lá os assuntos são multiplicados e acessados instantaneamente sem que para isso precisem desprenderem energia mental. Tudo é natural como respirar, tipo uma coisa que existe por trás do pensamento, antes mesmo do raciocínio chegar a alguma conclusão.   

O que é fantástico para nós, para eles não passa de uma forma infantil de pensar, inclusive chegaram ao estágio em que os termos dor, prazer, saudade, raiva, inveja ou mesquinhez, constam no dicionário.    

Já tentei conseguir usufruir dessa quarta dimensão, entretanto é quase impossível. Percebo que sou apenas um canal onde passa as ideias por eles enviadas, e eu me pergunto até quando eu estarei sendo usado para esse serviço. 

Minhas faculdades mentais estão percebendo, com mais frequência, essa presença externa, e isso está me cansando. Os conteúdos já não são tão promissores, e, por isso, tenho que ficar de vigia esperando as migalhas que sobram das suas divagações. 

Muitas vezes me enviam ideias que, se eu as expusesse, seria taxado de “extra maluco”, estágio nomeado quando se vive acima do imaginável, e, como só percebemos o que é captado pelos cinco sentidos, tornar-me-ia digno de uma camisa de força.  

Acho que eles não estão gostando nem um pouco de serem desmascarados, mas fazer o quê? Um dia a casa cai, e esse dia é hoje. Cansei de ser um fantoche nas mãos desses seres que não respondem quando mais eu preciso. Se pelo menos eles me orientassem pelo caminho da genialidade, mas não, cada dia o serviço fica mais labrogeiro. A construção peca de todas as formas e eu achando que era meu querer prevalecendo. Quanto fui ingênuo! Olho para os cantos dos comprimentos, alturas e profundidades tentando achar um resquício das suas pegadas, e o que me vêm são mais mistérios em forma de vagas ilusões. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 26.11.2022 — 14h18min









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