domingo, 16 de outubro de 2022

SÁBADO DE MARÉ CHEIA - Heraldo Lins

 


SÁBADO DE MARÉ CHEIA 

Perdi o jeito de dizer as coisas depois que percebi o computador rindo da minha cara. Instalei um aplicativo para me criticar e quando termino um texto ele fica gargalhando com o que escrevo. Diz que o estilo utilizado é o mesmo de fulano de tal, e tal e coisa, acusando-me de plagiador. Só me resta falar das minhas experiências, mesmo assim, com pitadas de frases absurdas para evitar qualquer suspeita de imitação. 

Hoje saí de casa fazendo rapel. Menti só para não me plagiar dizendo que desci no elevador. Resolvi passear nas dunas e acho que avistei quatro furões porque preá em beira de praia não é comum. Agora foi que me dei conta que preciso fazer um curso para nomear animais. É, porque agora tem dragão do ódio, da mentira, de komodo, e como vou ser autêntico se não sei distinguir nem os animais? Cada dia vai aumentando a fauna e preciso me atualizar, essa é a verdade. 

Mais adiante, vejo dois cães, tenho certeza que era isso mesmo. Depois eles me avistaram. Um deles veio latindo e olhando para o outro como quem diz: "lata também." O cachorro amarelo apenas olhou para o companheiro de corrida com um olhar inteligente: mande sua mãe latir, não está vendo que é apenas um amigo? 

Parou! falei para o branco apontando-lhe o dedo. Acho que ele entendeu. 

Antes teve dois tetéus voando e atanazando meus ouvidos com seus alarmes de tetéu. Se alguém souber de um bicho mais chato do que quero-quero no pé do ouvido, comente. Acho que ele só perde para menino mimado dando escândalo no shopping. 

Hoje o mar se apossou da areia e quem quisesse caminhar na praia, logo cedo, que fosse por cima das dunas, como fiz ao raiar do dia. Descobri que caminhar é sair com um itinerário definido, e passear é andar prestando atenção no que vai aparecendo durante o trajeto, e foi com esse desviar que tomei minha dose de descontração.  

Ao avistar uma planta "espinhenta", lembrei-me da pedra que me fez cair por cima do pé de urtiga, na meninice, caçando passarinho. Naquele tempo eu não tinha a barriga derramando-se por cima do cós das calças. Bons tempos que não voltam mais. Caí e o remédio era mijar na vermelhidão onde os espinhos fizeram a festa, só que não tinha urina pronta. Pense num sofrimento! 

Fui escorregando de serrote abaixo e lá estava a “urtiqueira” rindo das pernas desprotegidas. 

Eu agora estou vendo riso irônico em todos os lugares. Quando um garfo cai da minha mão, sinto o prato, a xícara, todos rindo, com exceção de mim e do garfo que ficamos de mau humor, o resto, até a mesa, fica se divertindo pela minha falta de destreza. 

Quando cheguei perto do calçamento, tive que recolocar os tênis. Na areia, tudo bem, mas no calçamento andar com os pés-descalços não combina. Alguém pode ter ficado em dúvidas se eu saí de casa descalço, aí me veio a lembrança de um lançamento de livro ocorrido em Portugal. Na cerimônia, o autor perguntou se as livrarias portuguesas não fechavam aos sábados, e o proprietário disse que não, não fechavam. O “Zé do Maranhão” insistiu: passa o dia aberto? Não, respondeu, educadamente, o português: não fechamos porque não abrimos. Em Portugal é assim: tudo ao "pé da letra."


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 15.10.2022 — 19:25




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