É PROIBIDO SE REGENERAR
Não tinha nenhuma profissão, porém às vezes fazia bico escondendo dinheiro na cueca. Com ele, todo tipo de desrespeito, desvalorização de amizades, eram aperfeiçoadas nas mais requintadas formas. O pai, exemplo de maldade, o fez seguir a cartilha lhe transformando no mais temível bandido de todos os tempos. Belgito gostava de tomar umas e outras no meio dos inimigos que o valorizavam. Pela madrugada, com o som alto, jogava lixo no quintal dos vizinhos, isso quando ainda era guri. Por mais que fosse assim, sua mãe acreditava que um dia poderia acontecer um milagre na vida dele. Reduzido a Bel na idade adulta, tinha uma legião de fãs que o seguia nas redes sociais. Todo dia, ele postava uma maldade que fizera, e isso rendia-lhe milhões de likes.
Muitos se espelhavam naquele ícone do submundo. Ambicioso, comandava o tráfico das maiores bocas do país. Todos os negócios escusos eram vigiados pela rede de informação montada por ele. As meninas do clube do funk lhe adoravam dizendo até que ele tinha o corpo fechado e que bala e faca, não perfuravam sua pede.
Mas Bel, contrariando os melhores conselheiros do mal, foi fazer um cruzeiro. Queria ficar na surdina, deliciar-se com coisas simples longe dos seus amigos/inimigos. Nesse ambiente de lazer, pela primeira vez, fora chamado de senhor Belgito, sem que para isso precisasse apontar uma arma para a cabeça do futuro defunto. Foi fazendo amigos entre a tripulação e percebeu que a vida era mais que tiro e sangue. Havia a simplicidade de apenas sentir a brisa no rosto sem precisar se esconder. Ali no transatlântico, conheceu pessoas que vivia do trabalho honesto. Até achou estranho ao pronunciar o termo honesto. Esse nome tem algum referencial? perguntava-se a todo instante. Acreditava que todos os trabalhos eram desonestos, inclusive as funções religiosas. Sempre havia alguém querendo se dar bem, murmurava ele, exemplificando que os maiores desonestos ainda são alguns dos representantes políticos.
Boêmio por natureza, Bel passou a dispensar bebidas alcoólicas, inclusive jogou todo seu estoque de drogas no mar.
A tia milionária, morreu durante a viagem. Ela fazia parte da organização por ele montada, e foi uma das incentivadoras para dar um tempo na vida tribulada. Nosso bel do agito passou a noite ajudando-a a sobreviver na falta de oxigênio. Acostumado a lidar com a morte, naquele momento sentiu uma diferença quando se tratou de alguém que ele admirava. O pai nunca estimulara o amor na criança transformada em monstro, isso estava claro em sua cabeça.
Verdades começaram a surgir dentro dele em relação à própria boa índole, mascarada durante muito tempo pela forma em que fora educado. Acreditava que os sentimentos bons, vindos da mãe, ainda estavam nele, mesmo inibidos pelas surras do pai.
Ali estava ele, sozinho no convés, refazendo todos os pensamentos. Começou a se reconstruir, é tanto que a modelo contratada para acompanhá-lo, estranhara a mudança de murro para carinho.
Os dias fluíam na rotina do buffet permanente instalado no navio. Pensou sobre seu nome substituindo o “L” de bel por “M” no final. O apelido “Bel” lembrava-lhe belzebu, e era por isso, questionava-se, que sentia uma força o guiando em todas as suas más ações.
Noticiou, nas redes sociais, que tomara essa decisão e, em ato contínuo, solicitou aos seus seguidores o apoio incondicional. Todos os seus bens seriam doados às instituições de caridade, além de indenizar as famílias que tiveram seus membros arrancados por ele na disputa pelo poder.
Este era o seu verdadeiro destino a partir daquele momento: valorização e prática de ações voltadas para a caridade, preservação da vida, um total empenho em manter a alma no verdadeiro sossego espiritual.
No dia seguinte seus seguidores haviam sumido. Suas contas estavam bloqueadas o que o fez ficar sem entender. Nem contra nem a favor os comentários puderam ser por ele acessados. Ficou desiludido, ainda mais, quando percebeu que a princesa que o acompanhava havia sumido da cabine sem deixar vestígios. Enquanto desembarcava do passeio, recebeu um projétil na cabeça. Ninguém deu notícia de onde partira o tiro, só se sabe que os representantes do ódio comemoraram.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 30.09.2022 – 15:43
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