sexta-feira, 6 de maio de 2022

TELA DIGITAL DE ALTA RESOLUÇÃO - Heraldo Lins

 


TELA DIGITAL DE ALTA RESOLUÇÃO


O pensamento serve para deleite de quem pensa, e o bom é quando se chega ao estágio de saber distinguir a fantasia da realidade. Muitas vezes, o desconforto domina o ser apenas por ter sido instigado por uma lembrança traumática, e isso se dá, exatamente, porque há o pensamento invasivo modificando os sentimentos.  A grande "sacada" é ter consciência de estar somente imaginando, ou seja, que não se aposte todas as fichas na hipnose gerada pelo que está vindo. Por que estou com determinado pensamento? É a pergunta que se deve fazer a todo instante para que se tenha o controle dos intrusivos. O medo de altura é o exemplo chefe da lembrança da época de pernas trôpegas. 

Pode até ser chamado de percepção extracorpórea o ato de perceber o que se está pensando, onde o próprio "eu" não se mistura nem se deixa levar pelo que a mente expõe para o consciente. É como se estivéssemos em um estádio assistindo as imagens do próprio cérebro. O afastamento requer treinamento para não se deixar levar pelas emoções advindas do pensar aleatório. Elas estragam o entendimento, isto está mais que provado, é tanto que um médico é aconselhado a não tratar dos próprios familiares para que sua vontade, de torná-los rapidamente curados, não interfira no processo lento da cura. 

Casa de ferreiro espeto de pau, esse ditado popular  serve para sintetizar o que estou dizendo. O exímio professor, em muitos casos, sente-se entediado em ensinar ao próprio herdeiro. Para tornar lídimo o que estou propondo, é bom que o incrédulo se lembre de perguntar sobre o que a mente apresenta. 

A afirmação: "faço porque gosto", vem como primeira resposta. O gostar é uma forma que a mente encontrou para justificar os impulsos enviados e obedecidos pela vítima dos confortos enganosos.  

Ainda há pouco, assisti à performance de um homem, com um violão em punho, animando o quarto de uma paciente terminal. Era semelhante ao projeto doutores da alegria. Era um trabalho voluntário e que ele gostava muito de fazer, respondeu-me e saiu. Fiquei a imaginar qual o verdadeiro interesse em fazer aquilo. Vive de que esse cidadão? Como faz para levar comida a casa? Procurei justificativas que o fizesse gastar energia e tempo dedicando-se a entreter pessoas à beira da morte. Procurava entender seu pensamento olhando para meus questionamentos: por que estou querendo saber disso? Refleti. Meu espírito perscrutador foi mais além: se eu disser que ele quer ser reconhecido por ser bonzinho, essa conclusão está sendo impulsionada pela minha inveja, por não tentar ser bonzinho igual a ele; deve ser de alguma religião que prega a caridade em busca da vida eterna, outra suposição que me denuncia como crítico de religiosos. 

Estava a meditar sobre o professor de música de uma escola renomada, quando  encontrei-me com uma outra pessoa amiga. Estava contente além do normal. Bem magrinha, porém contentíssima. Perguntei-lhe o motivo de tanta alegria, e ela me disse, por gostar muito de dormir, estava prestes a usufruir isso eternamente. O seu médico anunciara que ela tinha meros trinta dias de permanência na terra, e  que agora ela iria poder fazer, unicamente, o que realmente gosta. Via o que a maioria chama de morte, apenas como sendo seu adormecimento pela eternidade. Fiquei olhando-a e pensando que ela estaria se enganando, ou era isso mesmo?

O dormir ininterruptamente, continuou ela, é uma dádiva para poucos. Quem conhece os segredos da conectividade sideral fica contente em não precisar morar por aqui. Na visão da outra dimensão, estamos mortos, é tanto que o sofrimento nos acompanha nesse pequeno momento de permanente nutrição. Estamos nos nutrindo de ar em busca de emoções baratas, tais como comer, beber... falou sorrindo e apressada porque tinha outros amigos para se despedir. 

Entreti-me com sua imagem que  teimava em ficar. Lembrei-me dela ainda criança com seus olhos cobertos por lentes de grau. Naquela época, eu só via sua boca. Ficava imaginando beijando-a, mas éramos muito criança para infringir o pecado do beijo. Misturou-se com a visão do padre dizendo que era pecado beijar, pois Judas traiu Jesus com um beijo. O beijo, dizia o padre, era a aproximação da boca de algo impuro, e ela, a boca, só deveria se encontrar com alimentos. Nem da escova? Fui expulso da aula do catecismo por não analisar, antes de dizer, algo que o pensamento trouxe. 

Por isso a importância de observarmos o pensamento conduzido por um cérebro, muitas vezes, com tendências suicida.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 05.05.2022 - 23:40



2 comentários:

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