quarta-feira, 4 de maio de 2022

REMÉDIO CASEIRO - Heraldo Lins

 


REMÉDIO CASEIRO


O grande desafio é transformar sentimentos em palavras. Raiva, por exemplo, não existe uma escala de zero a dez para defini-la. A raiva que as ucranianas sentiram ao serem estupradas por soldados russos deve ser diferente quando seus maridos quiseram e elas estavam indispostas. 

Ninguém nunca pensou em criar uma tabela para enquadrar a raiva como fizeram com o câncer. Dessa maneira, percebemos que o câncer é mais importante de que a raiva, pois existe o câncer de mama t1 até o padrão t5, enquanto raiva é, simplesmente, raiva. 

Não existe remédio nas farmácias para a raiva. Dizem até que a raiva causa câncer, infarte, facada e tiro, mesmo assim, nada é feito para erradicá-la, pelo contrário, cada vez mais a estimulam através da crescente indústria bélica. 

Ninguém solta uma bomba atômica no quintal do outro se não estiver com raiva. Mas qual tipo de raiva é essa? Será que é a mesma de ser pego na rua por uma tempestade sem que exista um guarda-chuva por perto? A única saída, para os especialistas, é dizer que, explodir algo em alguém é uma manifestação orientada pelo ódio. Eles chamam de ação orientada porque sabem que em tudo que fazemos há um sentimento ditando nossos atos.

Raiva é um sentimento momentâneo, enquanto ódio é uma raiva alimentada e guardada no santuário das nossas crenças,  mesmo assim, também não há uma escala pronta para medi-lo. Dizem que fulano sente muito ou pouco ódio por alguém, mas esse muito e pouco é vago, pois o que é muito para mim pode ser pouco para o outro.

Continuo defendendo que raiva é o que faz a pessoa acordar de madrugada e ficar escrevendo sobre ela, enquanto ódio é acordar planejando vingança. É, realmente eu estou com raiva da cancela porque não abriu quando eu coloquei o cartão de saída, mas não tive vontade de destruí-la, ou seja, não tive ódio. 

Mas já que não existe remédio para esse sentimento, a melhor forma de conhecê-lo profundamente, é ir ao nascedouro onde tudo tem início, sim, porque a incapacidade de realizar desejos descamba para a raiva, e, consequentemente, para o ódio. 

Agora cheguei a um ponto crucial que irá mexer com muitos pais e profissionais que trabalham com a construção de pessoas raivosas. Já dizia Watson: "Deem-me um bebê e eu farei dele o que quiser, um ladrão ou um juiz, um pistoleiro ou um médico..."

Pois bem! O conhecimento abre portas, como todo mundo prega, só que ninguém prega que pela porta que entra o conhecimento entra também a ganância e saem desejos ampliados, o quais, consequentemente, transformam-se em raiva, caso os desejos empurrados pela ganância não sejam satisfeitos.

Mas o que se pode fazer já que é natural sentir desejos? Veja que o próprio organismo nos  impulsiona para o desejo de se alimentar, acasalar-se... Se os desejos são inatos, seus derivados, raiva e ódio, também o são. 

Analisando-os mais de perto, veremos que nos causa desconforto deixar de satisfazer as necessidades básicas, por isso, seus derivados não podem ser diferentes. Concluímos, pois, que enquanto estivermos vivos, nunca teremos a liberdade de dizer "não vou mais sentir raiva", sendo que a única forma de prolongarmos o tempo sem senti-la, é anotar a hora e o dia da última decepção e ficarmos alerta. 

Mesmo dentro de casa, devemos nos vacinar dizendo para nós que a qualquer momento ouviremos algo que poderá tirar o leão da jaula.  Ser chamado de imbecil é uma das várias possibilidades de o ódio brotar e tornar-se árvore frondosa.  

A planilha, com nomes dos estímulos que contribuem para a pressão subir, vai aos milhões, então, a solução é sermos falsos e dissimulados além do que já somos, mesmo que precisemos ter um saco de pancadas pendurado na sala. O meu, é esta página que há pouco estava em branco. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 03.05.2022 - 04:55



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”