MENTIRA VERDADEIRA
Como é difícil pensar. Deixar o pensamento vir é fácil, mas parar por meia hora para colocar uma palavra num texto, é difícil. Apela-se para o conhecimento, mas o que flui mesmo são as sensações. Se não fossem os “achismos” estávamos na idade de pedra. A desconfiança e a vontade de dar opinião empurra o mundo científico para frente. Quem quiser saber algo, basta falar um assunto e perguntar: o que tu achas? Pronto, está feita a tese de doutorado. Todo mundo sabe tudo, nem que seja superficialmente. Quem disser que não sabe é discriminado.
Como não paro para saber, aprendi a mentir para suprir a minha falta do verdadeiro conhecimento. Se alguém pergunta sobre a guerra na Ucrânia invento logo que Putin, por não dar conta da namorada nova, resolveu meter fogo nos ucranianos para chamar a atenção da jovem atleta por quem ele se diz apaixonado. Acrescento que em reunião sigilosa com um bando de mercenário, ele usou o poderio bélico da Rússia para vender a Ucrânia. Disse ele: eu empresto tanques e bombas para dizimar os ucranianos e vocês me pagam milhões para ficarem com as terras produtivas do país.
A terceira interpretação feita por mim sobre qualquer assunto me deixa numa condição mais confortável ainda. Aprendi com os palestrantes que a primeira coisa que o conversador deve ter é capacidade de ir por um caminho diferente do que o senso comum está dizendo. A visão diferenciada me faz ser visto como um “cara de opinião”, nem que a opinião seja fantasiosa, a famosa teoria da conspiração. Essa eu aprendi com o tio da bodega.
Havia numa cidadezinha um homem dono de uma bodega. A bodega servia como ponto de venda, e, também, como redação do jornal falado. Qualquer boato ou notícia passava logo por lá. Um outro, que fazia a vez de jornaleiro, perguntou ao responsável que dia caía sexta-feira da paixão, o que ouviu de pronto: este ano será num sábado. O boateiro saiu dizendo o que ouvira, e quando alguém questionava ele dizia que tinha sido tio Pedro o autor da notícia, aí todos diziam: Ah, bom, se foi tio Pedro, então é verdade.
O mesmo acontece com a nossa civilização pós-bodega. As notícias vão chegando e passamos a repeti-las como verdadeiras. Assisti uma palestra onde o palestrante falou de um determinado conto, e que ao conferir as informações, a conversa dele estava um pouco diferente da que o autor havia escrito. Para não cair no erro de usar bibliografias, quem sabe inventadas, digo que alguém disse tirando-me a responsabilidade de provar o que realmente ele disse.
Parece que não só sou eu que estou mentindo. Dizem que muitas pessoas preferem um mentiroso do que um realista. O mentiroso conta com plateia fiel, basta ver as igrejas, programas de televisão e as redes sociais. Nós mentirosos estamos em alta. O que tu achas?
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 09.04.2022 – 07:59
Ótima crônica, Heraldo. Filosófica e bem-humorada. - Gilberto Cardoso
ResponderExcluirObrigado Gilberto...
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