FELICIDADE CONSUMIDORA
A única coisa que o alegra é relembrar o dia, no final da noite. Prestes a se entregar ao sono, fazer uma retrospectiva e se valeu a pena ter vivido até aquele momento. O ruim é perceber que se está apenas se repetindo em uma plataforma chamada vida, e esperar pacientemente o que poderá vir em seguida. Assiste a repórteres famosas discutindo felicidade, e percebe que este assunto interessa a todos, exatamente porque corre-se desesperadamente atrás dessa sensação, e quanto mais se movimenta, mais distante desse objetivo.
A felicidade é inversamente proporcional ao movimento. Requer repouso para se alcançar esse ideal mental, e essa dicotomia, movimento/repouso, serve para interferir na busca do bem-estar.
O que o deixa mais intrigado é que ninguém tem coragem de se declarar triste. É feio dizer que não está bem, deselegante parecer entristecido, incômodo declarar-se frustrado. Prefere se isolar nas dúvidas, e assim, formular a própria teoria renegando os manuais ineficazes de autoajuda.
Esbarra neste texto reflexivo que o empurra para o amanhecer. Seu dia começa com a leitura do que havia escrito e nem sabe que caminho percorrer. Está sendo empurrado para a repetição: come dorme, novamente o ciclo.
Qual a utilidade de a felicidade, se para viver é necessário apenas comer, beber e dormir? Podemos dizer que a felicidade é a compra de um sentimento supérfluo, assim como o é fazer sexo com amor.
Olha para o lado e percebe que a roupa no varal lhe diz que viver também é andar vestido. A vergonha construída como um sentimento supérfluo ganha força e passa a ser essencial. Até os loucos andam assim. Vai à luta para inibir esse sentimento depressivo de estar nu diante de tantos uniformizados.
Mais adiante a chuva pela manhã, o sol forte à tarde e o vento frio à noite o faz trabalhar para construir um abrigo. Se sua pele não sentisse dores, a casa seria dispensada, como naturalmente isso não ocorre, sua felicidade depende agora de uma casa. Trinta anos lutando para construir o abrigo dos seus sonhos. O trabalho se tornou obrigatório porque precisa correr mais rápido atrás da comida, da bebida e voltar para dormir no seu esconderijo com IPTU pago.
Nessa necessária correria, suas pernas são substituídas por rodas. Sua vida já não é estar bem, mas sim, evitar estar mal. Nas noites comemorativas todos se reúnem com os seus, e ele nunca pensou nisso. Seu mal-estar vai se repetir todo final de ano quando as ruas estiverem vazias. Viver junto era necessário para matar o mamute, agora é necessário para comer a ceia natalina. Corre atrás da família que precisa ter. Os seus precisam também de tudo que ele precisou, e assim se acostuma em viver correndo atrás da utópica felicidade.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 22.03.2022 − 07:14
Parabéns, Heraldo. Um texto digno de nossa reflexão. - Gilberto Cardoso
ResponderExcluirObrigado Gilberto... e como deu trabalho kkkkk
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