O LONGE ESTÁ PERTO
Ela me pareceu igual a tantas outras que convivi, a não ser pela sua facilidade em esquecer as decepções. Seu nome poderia ser Maria das Dores, pelas dores intensas que sentia com um simples arranhão. Tornei-me seu, logo depois quando disse que havíamos nascido um para o outro. Acostumei-me a passear entre suas histórias e comecei a gostar de tê-la ao meu lado. Confesso que no meu coração, um fio de alegria despertava-me toda vez que a encontrava.
Ela queria ir ao cemitério. Fomos e lá encontramos muitos contando como seus parentes faleceram. Ela gostava de ouvi-los nos seus lamentos. Eu os escutava, mas não sentia nenhuma vontade de saber daquilo. Não havia flores nas sepulturas, apenas terços sendo rezados. Perguntei ao coveiro se era rotina, ele disse que naquele dia quase todos relataram sonhos com os mortos, e, coincidentemente, vieram, ao mesmo tempo, rezar nas covas.
Passamos a maior parte da tarde por lá. Voltei a dirigir de volta, e ela sempre elogiando aquele passeio. Nunca pensei que gostasse tanto de visitar o campo santo.
No outro dia estava eu de coração apertado pela tristeza. Escutei sua voz suave, por baixo do sono, pedindo-me algo. Na minha face esquerda havia uma pinta vermelha, rastro de um inseto morador do cemitério. As lembranças que vinham eram das pessoas que encontrei nas ruas de ontem. As de hoje não me viam. Descobri que estava diferente quando me olhei no espelho. Meu rosto havia tomado uma expressão diferenciada, irradiando a mancha vermelha encobrindo a idade. A vida estava se renovando em meu rosto. Fiquei como se estivesse olhando a realidade de dentro de um cubo de vidro. As perguntas que fazia não eram respondidas, e no trabalho, também, meus colegas ficaram indiferentes à minha presença.
A certeza de estar ali gerou-me desconfiança. Mesmo ouvindo uma voz macia sussurrando, o envolvimento na realidade estava agora falhando. Tentei encontrar uma explicação e fui jogado para fora do presente. Era minha existência teimando no vazio das percepções. O que desejava era um pouco de realidade, só que saí de uma dimensão para entrar em outra, e mais outra, assim, jamais pude ter a certeza de onde estava, se é que estava.
Dei-me conta de que os braços de uma mulher jovem estavam à espera da minha aceitação. Eu me sentia um sonâmbulo invisível. Minha mão apanhou uma lágrima caída do seu olho azul-turquesa, e a usei para aumentar meus sentimentos por ela. Guardei num abraço pedinte de ternura, e, quando a beijei, a poeira do encantamento se levantou em um redemoinho. Seu amor era contagiante e vinha buscar em mim o motivo de estarmos mortos.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Santa Cruz/RN, 09.01.2022 ─ 10:06
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