segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

TEORIA DA INUTILIDADE - Heraldo Lins

 



TEORIA DA INUTILIDADE


Doutora Alexsandra desenvolveu uma teoria baseada na inutilidade humana. Segundo a filósofa, sua própria existência não tem nenhuma serventia para o planeta. Filhos seriam mais úteis se deixassem de nascer. Diante das controvérsias fomentadas por onde passa, a Doutora me concedeu uma entrevista exclusiva que passo a transcrevê-la:

−Drª. Alexssandra, a senhora prega a extinção definitiva da raça humana, é isso?

−Isso mesmo! Desde o meu Pós-doutorado, aos quinze anos, que defendo a ideia de que o mundo seria melhor sem nós humanos existindo. E para deixar bem claro, essa ideia surgiu, não porque sou infértil, mas devido a conclusões racionais.

−Mas a senhora é infértil?

−Não, eu tenho três filhos, uma menina e dois rapazes gêmeos.

−A senhora não estaria sendo contraditória?

−Aos doze anos, quando estava consciente desta linha de pensamento que deveria seguir, decidi que teria filhos para não gerar dúvidas deste naipe que você acabou de falar. Eu precisava provar ao mundo que, mesmo sendo fértil e tendo filhos, eu permaneceria, em nome do pensamento filosófico, defendendo o melhor para o planeta e para a humanidade. 

−Levando seu pensamento ao pé da letra, poderíamos dizer que a própria teoria da inutilidade que a senhora elaborou é inútil?

− Nesse caso é uma ilusão, porque inútil é o próprio criador, ou seja, eu filósofa. Tudo que um inútil cria ou faz é uma ilusão, seja trabalho, fortuna ou fama. São ilusões criadas na mente de quem se deixa levar pelo prazer, conforto ou sofrimento. 

Quando eu estava grávida, sentia uma sensação de euforia própria da gravidez, entretanto eu sabia que era uma reação promovida pelos hormônios da maternidade. Mesmo sentindo essa euforia nunca deixei de me analisar e manter o pensamento que estava gerando um ser inútil que um dia iria morrer como tantos outros.  

−E o amor, onde entra nesta história?

−O amor é mais uma ilusão sentida pelo ser inútil. O choro inútil pela perda de um ente querido nada mais é do que uma reação química criada no cérebro. Se assim não fosse, toda pessoa que morresse os outros chorariam, porém sabemos que os mortos dos outros são dos outros. O médico não sente nenhum remorso quando um paciente morre em suas mãos, e isto serve para comprovar a existência do que chamamos cultura familiar. 

−Nesta sua teoria a senhora colocou o poder criador de Deus e o amor infinito dele?

−Sobre essa questão eu não falo. Deixo isso para os religiosos. Sou filósofa e meu campo de estudo é a inutilidade humana.  

−A senhora é a favor do suicídio?

−O suicídio é mais uma ilusão criada pela vontade de ser amado, ser reconhecido, ser rico ou inteligente. É uma mistura de ilusões que não resolve a questão da extinção definitiva. O que defendo é que o próprio inútil seja conscientizado a não mais produzir inúteis. É uma questão de tempo a raça humana extinguir-se, então para que gerar filhos que irão morrer também? 

As desavisadas têm um sonho em ser mãe. Muitas desistem do casamento quando o noivo diz que não quer filhos. Elas acham que serão mais felizes sendo mães, e muitas vezes se tornam mais infelizes quando veem seus filhos presos ou assassinados.  

−A senhora falou em felicidade, ela existe?

−Existe tal qual a ilusão da tristeza. É mais fácil se entristecer do que ficar alegre, mas tudo isso permanece sendo apenas ilusões criadas pelo ser em questão.

− Quer dizer que só há um caminho a seguir, o da extinção total? 

−Com certeza, porém, a maior questão desta teoria é quem se propõe a ser a última pessoa que morrerá, porque se ele viver algum tempo sozinho sofrerá bem mais do que os outros que tiveram quem os enterrassem. Este medo de ter que fechar a porteira é que faz muitos deixarem descendentes.

−A senhora escreveu um livro com quase mil páginas defendendo esta ideia, a obra está à venda?

−Com os filhos eu resolvi que precisava deles para evitar a questão de uma mulher frustrada por não ter filhos. Com o livro eu não pretendo publicá-lo porque estaria sendo hipócrita. Se meus filhos, quando eu vier a falecer, quiserem publicar, tudo bem, mas eu em vida não cairei na armadilha de tornar minha inutilidade mais inútil ainda. 

−E se alguém questionar a sua teoria, qual a sua reação?

−Minha reação será totalmente inútil sobre esta verdade. Eu apenas trouxe à tona o que sempre existiu e ninguém quis perceber. A pura verdade não tem contestação. Só se contesta onde existem dúvidas. Não é por acaso que as religiões são vítimas de ataques. Há muitas inverdades contidas em seus ensinamentos, e isso gera discórdia. 

Nesta teoria não existe nenhuma dúvida. Tudo está explicado de forma clara e de fácil entendimento. Possa ser que alguém até não aceite ser inútil, mas isto é uma questão de inteligência. 

Que eu ache bom ou ruim, não interferirá no curso dos acontecimentos. Esta é a verdade pura, e o que é puro por si só se defende. O homem sempre criou mitos, teorias, trabalho, lazer, tentando mascarar sua própria inutilidade. Não sei qual é o medo de conhecer “a verdade que vos libertará”, todavia, aceitar ou não a própria inutilidade não mudará o status do inútil. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 10.12.2021  − 08:33



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