O CARISMA SALVA AS PESSOAS
Como é bom ser incompetente. Todos nada esperam da pessoa displicente. A sensação de paz, no “descansado por natureza”, vale qualquer elogio que se possa alcançar. Há pessoas que nem procuram ser inúteis, mas os são com toda a pompa, o que podemos dizer que trazem esta vocação do berço. Poderíamos premiá-los por “inanição produtiva”, mas eles não querem, argumentando que se tiverem alguma utilidade, muita gente irá fazer trabalhos acadêmicos tendo-os como tema.
Comer, beber e dormir são suas especialidades. Quando conseguem suprir suas necessidades básicas, tudo para. Alguns são inteligentíssimos, não indo além da cartilha do ABC pelo simples fato de que a preguiça os atrapalha. Já chegaram à conclusão de que no final todos nos igualamos, então, sentem-se idiotas se correrem atrás seja lá do que for.
Eles só têm esse título porque é da sua natureza adiar compromissos e usar a autossabotagem como forma de ficar marcando o passo. Quem quiser que se preocupe com eles, mas, eles mesmos, “não estão nem aí”.
Conheci um deles. Sua função era gari na carteira de trabalho, porém, dirigia o veículo da prefeitura. Sua disposição não o levou a aprender a ler. Gastava seu tempo tomando cachaça e mendigando favores dos poucos amigos. Com a chegada de um posto policial na cidade, ele não pode exercer seu desvio de função sem CNH, e voltou para varrer as ruas.
Seu material de trabalho consistia, além de uma vassoura e pá, também, um carrinho de mão. Ele, que havia dirigido a caminhoneta de luxo da primeira-dama, sentiu-se humilhado pela decadência do trabalho. Seus óculos de lentes grossas serviram, por muito tempo, para encobrir as lágrimas que escorriam ao avistar indiferentes amigos.
Com o passar de algumas primaveras, ele se acostumou a ser renegado, entretanto, inovou na profissão. Havia um trecho de rua em que era responsável, e para não ter que varrer, apanhar o lixo e empurrar o carrinho sem ajuda de ninguém, trouxe o cão de estimação para assessorá-lo. Amarrou o animal, “estilo boi de carroça”, e fez dele sua principal força motriz. Bastava ordenar que o bicho puxava o carrinho. Dava gosto de vê-lo trabalhar com seu humor recuperado e a invenção patenteada.
Outra vez, uma amiga pediu a preá − seu apelido − para ajudar a levar o cachorrinho dela para ser vacinado. O cachorrinho vinha dentro do porta-malas. Quando chegou à clínica de Doutor Valdemar, o cachorrinho estava uma fera. Rosnava querendo abocanhar quem se aproximasse. Doutor Valdemar disse: pegue o cachorro, Preá ─ o que de pronto escutou de Preá:
− Não dá não, doutor! Eu já vi cachorro pegar preá, mas preá pegar cachorro é a primeira vez.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Santa Cruz/RN, 24.12.2021 − 22:
Mais uma bem humorada crônica de Heraldo Lins, a quem desejo um felicíssimo 2022. - Gilberto Cardoso dos Santos
ResponderExcluirObrigado Gilberto,
ResponderExcluirUm novo ano de mais sucesso.