CONTOS E DESCONTOS NATALINOS
"Quem conta um conto aumenta um ponto", dizem com razão, e o conto natalino não representa uma exceção. Ao natal foi acrescentado Papai Noel, que depende exclusivamente da generosidade dos mais velhos. Quem vai querer ir para o estábulo escuro quando há renas sobrevoando nossa imaginação, conduzindo um trenó cheio de presentes?!
Temos belos presépios e muita presepada. Há um menino esquecido na manjedoura e um bom velhinho de colo acolhedor, onipresente. No conto natalino do vigário e do pastor há sempre algo mais a cada sermão. A eloquência de cada um e a imaginação de todos vão acrescentando reticências.
Tudo, nessa data, com bastante antecedência, parece feito para nos embebedar, hipnotizar, plantar o gérmen da gastança. Mais que forças espirituais, há empresários maquiavélicos com movimentos friamente calculados, decididos a esquentar a economia. A mão invisível do mercado nos cutuca e move como a peças de xadrez.
Em dezembro, escondem o chicote que expulsou os vendilhões do templo e Jesus volta a ser criança. Era o único que deveria ser presenteado, mas algum esperto comerciante sugeriu que se deveria incentivar as pessoas a presentearem-se entre si, mesmo não sendo aniversariantes do dia.
O natal em 25 de dezembro tem a ver com hibridismo cultural, com fins que justificam meios, com unir o útil ao agradável. Antes, era o dia do solstício de verão em Roma, época de grande festividade em honra ao deus Sol. Era o Dies Natalis Solis Invicti. "É só uma questão de adaptação", deve ter pensado o Papa Júlio I em 350, instigado por clérigos e representantes do comércio romano.
Enquanto buscamos menores preços nos presentes, demos desconto ao que dizem os pregadores com seus apelos ambiciosos.
Nada tem a ver com o nascimento de Cristo: a data, as festas, o costume dos presentes mútuos, a bebedeira. Mas foi uma ideia economicamente maravilhosa. Como é que todos presentariam a Jesus? Apenas as igrejas sairiam no lucro. Criar a cultura de fazer as pessoas presentearem-se entre si, como se todos aniversariassem no mesmo dia, sim. Uma excelente e lucrativa idéia!
Não há plano perfeito, mas para os comerciantes esse foi. A tristeza de ter que dar presentes é amenizada pela perspectiva de recebê-los. E todo mundo fica feliz, principalmente quem vende. Ao contrário dos magos orientais que precisaram presentear apenas a Jesus, necessitamos fazer magia com nosso magros recursos para agradar a todos. Ainda bem que alguém, teve a ideia de fazermos o Amigo Secreto! Livra da obrigação de dar presentes a todo mundo e pelo menos parte do grupo fica satisfeita.
Os mãos-de-vaca avacalharam a coisa. Criaram o Inimigo Secreto. Mesmo assim, ainda há lucro.
Infelizmente há efeitos colaterais terríveis. Por falta de um feliz natal, de convite para a ceia alguns se suicidam ou surtam, tornam-se depressivos. Alguns padecem, ilhados em seu modo de ser diferente; outros sofrem pela falta da generosidade alheia. A festividade natalina é marcante para muitos, mas por razões negativas. Temos a síndrome de Grinch e a síndrome da melancolia de fim de ano. Há muita hipocrisia nesse tempo de superstições.
Pensemos, porém, positivamente! Mesmo sabendo o que fizeram no verão passado, demos um desconto, desvencilhemo-nos da ranzinzice. O saldo do natal não deve ser negativo. Inspirou poemas e canções de grande beleza: "Jesus, alegria dos homens"; "White Christmas" (na voz de Otis Redding); "Noite feliz", capaz de nos convencer de que tudo é paz, tudo é amor, mesmo em meio ao desespero. Recomendo "A felicidade não se compra", de Franz Capra, clássico do cinema.
O conto de Natal, recontado através das eras, aumentou em pontos luminosos. Nos deu a obra "Um Conto de Natal", de Charles Dickens: mais que um ponto, um contraponto ao pessimismo esmagador, super romance; parece ponto, mas é buraco que nos suga e leva a dimensões paradigmáticas superiores; é uma mentira que nos conduz a grandes verdades. Leia-o e desescrooge-se.
Digo aos amigos e prováveis inimigos: Não neguem um feliz natal a ninguém, pois culturalmente se tornou uma necessidade e pode produzir bem-estar. Deem um generoso desconto ao que dizem e ao que fazem no resto do ano. Em terra de sapos, de cócoras com eles. Mas se preferir, tenha a coragem de ser diferente.
Neste natal, dance conforme a música; entregue-se ao ritmo dos sinos. Sorria, mesmo não estando sendo filmado. Abrace, escute, perdoe, peça perdão. Presenteie alguém com um Eu te amo. Divida o panetone com quem come o pão que o diabo amassou.
Por fim, dê um generoso desconto às falhas desse texto. Feliz natal para você e sua família. Frui Diem!
Gilberto Cardoso Dos Santos
Gilberto Cardoso dos Santos
Sócio-fundador da APOESC
Membro da ANLiC (Academia Norte-rio-grandense de Literatura de Cordel)
Mestre em Literatura e Ensino
Autor dos livros
Um Maço de Cordéis - Lições de Gente e de Bichos e de Fábulas e Contos em Cordel.
Feliz Natal, meu bom amigo! O meu melhor presente são seus poemas, seus escritos, como essa excelente crônica de Natal, e sua amizade!
ResponderExcluirConcordo plenamente.
ExcluirMuito bom Gilberto... Parabéns e feliz vida.
ResponderExcluirTexto grandioso, meu amigo, Nobre Poeta, Gilberto Cardoso! Parabéns, felicidades mil...
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