AMOR E TERROR
No centro, uma estátua. Em cima dela, pássaros faziam ninhos e sujavam. Havia, também, uma rua sem saída, ou melhor, com saída por cima e por onde se entrava. Eu morava em frente a essa rua em uma pequena praça no entorno da estátua. À tardinha, as sombras das árvores proporcionavam-me bons momentos quando minha tarefa de escrever já havia sido concluída. Era lá que eu ficava pensando no próximo desafio. Achava-me prisioneiro daquela responsabilidade, contudo, olhava para o passado e me conformava ao relembrar as masmorras nas quais fiquei preso.
A segunda guerra estava no final, todavia, as incertezas, não. Nesse ambiente de plena agitação entre as duas correntes que estavam sendo delineadas, fui esperar que o café ficasse pronto. A mulher, silenciosamente, preparava o que seria nosso divisor de conversas durante o jantar. Da janela do segundo andar, observava os vizinhos chegando com o que puderam comprar. As crianças deixavam as brincadeiras de lado, e os acompanhavam curiosas para saber o que comeriam.
O front da guerra estava perto, e a miséria também. Havia uma preocupação em não fazer gestos demasiados. Até nosso vestir era motivo de análise para os espiões infiltrados. A água só uma vez por semana, quando muito, por duas horas. Eu havia recebido um adiantamento em espécie, porém, com a escassez de alimentos, quase não se tinha o que comprar.
O reflexo do medo estava no espelho dos nossos semblantes. Eu olhava e era olhado com o mesmo sentimento. Não tinha para onde fugir. Ali era o melhor lugar, segundo comentários ouvidos no corredor do prédio bombardeado.
A mulher sofria um pouco mais do que eu. Com um filho na barriga, chorava todas as noites com pensamentos pessimistas: se a criança atravessasse? Submeter-se a um parto cesárea em hospitais lotados de soldados feridos, era loucura. Agora não tinha o que fazer, a não ser, esperar.
Jantamos, dessa vez, sem muita conversa. Havia esperança de que os alemães perdessem a guerra. Isso nos deixou mais cuidadosos em comentar algo neste sentido. As paredes tinham ouvidos, acreditávamos. Havíamos recebido uma visita da Gestapo. Meus escritos estavam sob suspeita de traição ao nazismo. A tensão, tanto no jornal quanto lá em casa, crescia.
A cidade, sob vigilância severa, nos deixava tristes. Havíamos esquecido de como sorrir, e o esforço que havia era para não chorar. Depois das notícias do rádio, deitávamo-nos para assistir pesadelos entregues pelos cochilos. O silêncio aterrador das ruas só era quebrado por veículos militares. A cada barulho anunciando que um deles trafegava, nossos corações disparavam. Prendíamos a respiração até ter a certeza de que não estacionavam em frente ao nosso prédio. Sempre as prisões aconteciam durante a noite. Não desta vez.
Fui ao hospital visitar mulher e filho. No caminho, parei para ver os filmes em cartaz. Nem pensávamos que o futuro seria tão tenebroso. Foi neste cinema que conheci Nathália. Ela estava com a mãe, e, quando me fez o pedido para trocarmos de lugar, começamos o namoro.
Uma explosão ali perto me fez voltar à realidade. Continuei caminhando. Pouco antes do prédio, dei-me conta que a distração me salvou. Mulher e filho haviam sucumbidos debaixo dos escombros do hospital.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Santa Cruz/RN, 12.12.2021 − 04:46
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