Adoro ver debates que tematizam fé versus ciência. E você, gosta também? Já vi praticamente a todos os disponíveis no Youtube. Um deles, um dos mais marcantes, foi entre Richard Dawkins e o Cardeal George Pell.
Ambos foram convidados pelo programa de tv australiano "Q and A". O debate teria como tema principal a importância da religião para o mundo.
Enquanto se dirigia para o local da peleja, Dawkins foi acompanhado por uma equipe de filmagem que o entrevistava para o documentário The Unbelievers (Os descrentes). Indagado sobre suas expectativas quanto ao debatedor daquela noite, declarou:
"O cardeal George Pell é o mais alto católico romano na Austrália; ele é o arcebispo de Sidney, e eu sei muito pouco sobre ele. Estou receoso. Às vezes se fala nele como um possível candidato a Papa. Sempre me recusei a debater com religiosos fundamentalistas. É do meu entendimento que o cardeal da Igreja Católica Romana não seja um fundamentalista. Se ele for, cometi um engano."
Não havia cometido! Isso pudemos constatar desde o início do debate. O cardeal se mostrou afável do começo ao fim e dotado de arguta percepção, cultura invejável, de grande potencial filosófico... tudo isso a despeito dos deslizes demonstrativos de ignorância quanto ao que pretendia combater. Longe de se mostrar um fundamentalista religioso, fez várias concessões à ciência; deixou claro que em boa parte se rendia a suas afirmações. Mostrou-se o tempo inteiro brilhante em suas ironias e bem humorado. Richard, por sua vez, igualmente à altura da peleja verbal, dado o mal temperamento, esforçava-se para manter a calma e o bom humor. Chegou a se irritar de leve contra os que os assistiam. Não por acaso, o cardeal provocou risos na culta plateia e estimulou muitos aplausos. Tanto que Dawkins fez insinuações de que o público estava agindo com parcialidade.
Ali estava, de um lado, um representante do pensamento científico, assumidamente não-teísta, biólogo e etólogo, autor do livro DEUS, UM DELÌRIO vítima de abuso sexual por parte de um líder religioso, quando estudava em internato anglicano. No outro extremo, alguém de perfil conservador, amante dos rituais católicos medievais, representante duma igreja historicamente envolvida em casos de pedofilia.
Em dado momento, o cardeal falou de um trabalho feito com crianças, da preparação de alguns garotos para a primeira comunhão e tanto os presentes quanto o próprio Richard o interromperam com riso malicioso. O arcebispo não gostou.
Um apelava para a ética, para o pensamento humanista, para a razão; o outro, para a importância da fé na contenção dos instintos. Segundo o cardeal, um mundo sem Deus seria um caos. Dawkins, com veemência, defendeu a razão, o pensamento científico.
O memorável encontro aconteceu em 2012. Em 2017, apareceriam denúncias contra George Pell e este cardeal acabou sendo condenado por abuso sexual e atentado ao pudor contra dois meninos.
O prelado recebeu a sentença de seis anos de prisão; perdeu o importante cargo que ocupava na tesouraria do Vaticano; mas após pouco mais de um ano, foi absolvido e solto por falta de provas. Numa atitude aparentemente cristã, disse que perdoava quem o havia caluniado. Não revidaria.
No transcorrer do debate, os que os assistiam foram convidadas a responder SIM ou NÃO à seguinte pergunta: "A crença religiosa torna o mundo um lugar melhor?" 76% dos mais de 20 mil votantes disseram que não.
Tratava-se da Austrália. Provavelmente se a pesquisa tivesse sido feita no Brasil o resultado teria sido diferente.
Dawkins se saiu melhor, mas o cardeal teve uma postura e linha argumentativa dignas de elogio. Poucos dos que ousaram debater com o neodarwinista renomado se saíram tão bem quanto ele.
Caso seja de seu interesse, assista-o no seguinte link e responda à pergunta:
"A crença religiosa torna o mundo um lugar melhor?"
( https://www.youtube.com/watch?v=b0osVPDpp7o )
( https://www.youtube.com/watch?v=JPbLzNiDIC4 )
( https://www.youtube.com/watch?v=-kO8WdVzFAw )
A crença religiosa, não. Mas, acreditar que podemos fazer um mundo melhor, praticando o exercício da caridade, pode sim.
ResponderExcluirMuito interessante.
ResponderExcluirUm coberto pela razão da ciência e outro, coberto pela esperteza,de procedimentos nada cristãs, que anos depois cairia por terra!!
João Maria de Medeiros